Publicidade no ciberespaço: aspectos jurídico-sistêmicos da contratação eletrônica

AutorLeonel Severo Rocha; Ana Paula Atz; Ricardo Menna Barreto
Páginas120-129

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1 Introdução

Vivemos atualmente em um contexto em que o consumo faz parte efetiva da vida das pessoas. Relações de consumo envolvem a sociedade, delineando os desejos dos indivíduos. A publicidade, nesse sentido, possui um papel de destaque.1234

Veremos, assim, no primeiro ponto, aspectos da sociedade de consumo e da publicidade. A publicidade, por meio da mídia, constrói o comportamento dos indivíduos frente ao consumo. Ou seja, a publicidade é destinada a influenciar os consumidores em suas tomadas de decisões, no sentido de adquirir determinado produto ou serviço. Para Merton, "o propósito evidente da compra de bens de consumo é, naturalmente, a satisfação das necessidades às quais estão explicitamente destinados esses bens"5. Contudo, criam-se diariamente necessidades artificiais de bens, sendo essas facilmente veiculáveis com a evolução dos meios de comunicação.

Por conseguinte (no segundo ponto), veremos aspectos concernentes ao ciberespaço e à comunicação. Perceberemos como a comunicação social se diferencia de uma noção de comunicação ciberespacial. Ora, a Internet, conjuntamente com a noção de ciberespaço, determinou, em diversos aspectos, as relações consumeristas, tornando-as demasiadamente complexas. Rompeu-se com as limitações de espaço e tempo, bem como com as tradicionais configurações de publicidade e contratação com as quais o Direito e a sociedade estavam habituados.

Daí levantarmos, no terceiro ponto, aspectos envolvendo o comércio eletrônico, a publicidade virtual e a contratação eletrônica. Entendemos que as questões que envolvem a contratação no comércio eletrônico, que possuem estreita vinculação com a publicidade no ciberespaço, clamam por novas soluções do Direito frente a tais fenômenos.

Uma possível solução será esboçada no quarto e derradeiro ponto: a confiança sistêmica, operando no ciberespaço, pode ser testada como uma forma eficaz de produção e construção de sentidos jurídicos, possibilitando a delimitação de vínculos sociais e o restabelecimento de expectativas normativas nas relações contratuais eletrônicas.

Utilizaremos nesse ensaio a perspectiva construtivista da Teoria dos Sistemas Sociais de Niklas Luhmann, por entendermos que a partir dela poderão se construir alternativas diferenciadas para a tomada de decisões no campo do direito contratual, notadamente nas questões que envolvem o ciberespaço.

2 Sociedade de consumo e publicidade

Existe atualmente uma forte influência da publicidade sobre a conduta da população na sociedade de consumo6. Teorias sobre a sociedade de consumo se referem à natureza da realidade social, investigando o porquê do consumo desempenhar um papel de suma importância na sociedade contemporânea ocidental.

De acordo com Baudrillard7, no consumo estariam baseadas as novas relações estabelecidas entre os objetos e os sujeitos. Segundo ele, neste campo, a importância dos objetos cada vez mais é valorizada pelas pessoas. Embora sua descrição da realidade esteja correta, o autor legitimou este processo, considerando-o como inevitável. Não percebeu que isto se relaciona com o modo no qual Page 121 a ideologia do consumo foi construída, sendo esta responsável pela criação destas representações mentais no plano coletivo. Assim, o simples desejo de consumir e o sonho de possuir determinado objeto produzem intensas sensações que povoam o simbólico contemporâneo.

Conforme alguns autores - como Frederic Jameson, Zygmund Bauman, Jean Baudrillard e outros -, a cultura do consumo ou dos consumidores é a cultura da sociedade pós-moderna. As questões discutidas sob esse prisma incluem a relação íntima entre consumo, estilo de vida, reprodução social e identidade, a comoditização da realidade, o signo como mercadoria e os aspectos negativos atribuído ao consumo, tais como: perda de autenticidade das relações sociais, materialismo, superficialidade, entre outros8 . Independentemente da carência material de determinados grupos sociais e sociedades, o fato é que consumir e utilizar elementos da cultura material como elemento de construção e afirmação de identidades, diferenciação e exclusão social, são universais9.

Neste sentido, a cultura do consumidor é, em princípio, universal e impessoal. É impessoal pelo fato de que as mercadorias são produzidas para um mercado de massas e não para indivíduos específicos. O consumidor neste prisma é um sujeito anônimo que só pode ser construído como objeto10.

A publicidade é um dos fatores mais importantes na determinação do comportamento dos indivíduos quanto ao consumo. A todo tempo ela procura induzir as necessidades, mas, na maior parte dos casos, o faz considerando o conjunto da realidade econômica e cultural. Os anúncios publicitários terão maior ou menor sucesso comercial a partir do nível de suas correspondências com o entorno social. Nesta perspectiva, significa afirmar que o sucesso comercial depende do nível de inserção de aspectos simbólicos da mensagem publicitária no inconsciente dos indivíduos (que são os sistemas psíquicos, caracterizando, portanto, o entorno social).

As necessidades criadas através da publicidade representam, primeiramente, os interesses econômicos das grandes empresas. Secundariamente, baseiam-se nos possíveis sonhos das mais diversas naturezas do chamado público-alvo. Ela atua no sentido de estruturação do desejo11. Conjuntamente com Guy Debord, poderíamos afirmar que se vive, portanto, o espetáculo. Ou seja, "o espetáculo é o momento em que a mercadoria ocupou totalmente a vida social. Não apenas a relação com a mercadoria é visível, mas não se consegue ver nada além dela: o mundo que se vê é o seu mundo"12. Poderíamos igualmente afirmar: é um mundo complexo, onde há uma dificuldade de reduzir-se essa complexidade. No ponto seguinte, veremos aspectos envolvendo a complexidade e a publicidade.

2. 1 Complexidade, publicidade e os meios de comunicação

Para se entender o fenômeno da publicidade, no sentido de uma comunicação entre fornecedor e consumidor, é de suma importância trabalharmos com a noção luhmanniana de complexidade e contingência.

Nessa perspectiva, vivemos atualmente em um mundo constituído de uma multiplicidade de possíveis experiências e ações, em contraposição ao seu limitado potencial em termos de percepção, assimilação de informação, e ação atual e consciente. Assim, cada experiência concreta apresenta um conteúdo que remete a outras possibilidades, que são ao mesmo tempo complexas e contingentes13.

A sociedade, hodiernamente, é dominada pela (hiper)complexidade e dupla contingência. Assim, esclarece Luhmann14 que:

(...) com complexidade queremos dizer que sempre existem mais possibilidades do que se pode realizar. Por contingência entendemos o fato de que as possibilidades apontadas para as demais experiências poderiam ser diferentes das esperadas; ou seja, que essa indicação pode ser enganosa por referir-se a algo inexistente, inatingível, ou a algo que após tomadas as medidas necessárias para a experiência concreta (por exemplo, indo-se ao ponto determinado), não mais lá está. Em termos práticos, complexidade significa seleção forçada, e contingência significa perigo de despontamento e necessidade de assumir-se riscos.

A primeira dificuldade se radica no fato de que a sociedade é caracterizada pela complexidade, ou seja, por um excesso de possibilidades. Mas como é possível a redução da complexidade? A partir do momento em que nós temos um processo de tomada de decisão, quando se decide fazer alguma coisa e se realiza alguma coisa. Page 122

Nesse contexto, Parsons foi um autor que influenciou diretamente a primeira fase dos estudos de Luhmann. Parsons trabalha com a idéia de motivação vinculada à questão da ação. "In this sense motivation is the organically generated energy manifested in action"15. Assim, quanto à motivação, Parsons completa afirmando: "when motivation refers to the tendency to acquire these relationship to goal objects, then it is [...] also a tendency to orient in a certain fashion (that is, to see certain things, to want certain things, and to do certains things)"16. No caso da publicidade, poderíamos afirmar que este processo estaria ligado à decisão da compra, que é um momento de construção de realidades17.

Conforme a concepção de Niklas Luhmann, em relação aos meios de comunicação de massa, o comportamento individual é deformado pelas comunicações que passam com e por eles.18 Assim, tendo em vista a grande influência dos meios de comunicação em nossas tomadas de decisões, Luhmann esclarece que "aquilo que sabemos sobre nossa sociedade, ou mesmo sobre o mundo em que vivemos, o sabemos pelos meios de comunicação".19

A teoria dos sistemas busca observar a sociedade como sistema social, composta de comunicações. Comunicação, para Luhmann, é uma síntese entre a informação, o ato de comunicação e a compreensão.20

Percebe-se, nesse sentido, como cada vez maior a importância dos meios de comunicação simbolicamente generalizados como detentores do poder e construção do futuro.21 Nesse contexto, insere-se a publicidade como um dos fenômenos mais enigmáticos em todo o domínio dos meios de comunicação. A publicidade trabalha de forma pouco sincera e tenta manipular as pessoas. A atenção consciente só é solicitada em um período muito curto, o que dificulta uma apreciação crítica ou uma decisão pensada.22

Este é o papel da publicidade no sistema industrial que vivenciamos atualmente. Ela permite a comunicação entre o fornecedor e consumidor, visando ao convencimento do consumidor, conferindolhe um grande poder...

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