Questões polêmicas sobre a participação nos lucros ou resultados

AutorLuiz Marcelo Gois
CargoMestre em Direito do Trabalho (PUC/SP) e especialista em Direito Civil-Constitucional (UERJ) Professor de Direito do Trabalho da Fundação Getúlio Vargas Membro do Instituto Brasileiro de Direito Social Cesarino Junior
Páginas12-22

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Introdução

O direito do trabalho tem impresso no seu DNA a luta da classe trabalhadora na busca de melhores condições de vida. Justiça social, melhor divisão de riquezas e proteção à dignidade do trabalhador são propósitos ínsitos à disciplina, os quais inspiraram seu nascimento, desenvolvimento e consolidação.

O passar dos anos fez com que os ordenamentos jurídicos mundiais começassem a aderir a este ideal de defesa do trabalhador e editassem, aqui e ali, regramentos voltados à sua proteção. Em um primeiro momento – de nascimento do direito do trabalho –, surgiram simples normas assecuratórias do básico de dignidade para o empregado, a exemplo de um salário mínimo, da limitação da jornada de trabalho e da garantia de um repouso semanal.

Daí se evoluiu, a partir da consolidação do direito do trabalho como disciplina jurídica, para normas mais sofisticadas que almejavam já não apenas garantir um mínimo, mas sim uma melhora na situação socioeconômica do trabalhador.

Mais modernamente, prega-se, na terceira fase da disciplina, um maior envolvimento do empregado no cotidiano do capital, a partir da “democratização” do ambiente de trabalho.

Não se trata de transferir para os trabalhadores o poder diretivo empresarial (ou, menos ainda, o risco do empreendimento), mas, antes, permitir que estes se façam escutar em certos atos decisórios que lhes digam respeito de forma mais próxima. Abandona-se, dessa forma, a figura da empresa como sendo o ente “ego-ísta” (alheio aos anseios daqueles que fazem parte de seu cotidiano), exigindo-se dela uma postura “altro-ísta”, preocupada com o impacto social de sua atuação1.

Dentro desta perspectiva contemporânea, abraçada pelo espírito constitucional brasileiro2, o lucro e a proteção à propriedade privada, passam a se justificar na medida e proporção em que a empresa ob-serve sua função social3, a qual impõe, de acordo com o art. 186, IV, da Constituição Federal, o favorecimento simultâneo do bem-estar dos proprietários e trabalhadores.

É dentro deste contexto que se insere o instituto da participação dos lucros ou resultados, existente no Brasil desde a Constituição Federal de 1946, mas apenas efetivamente tutelado por meio de legislação ordinária a partir de 1994. Seu espírito de integração entre capital e trabalho reflete a opção do ordenamento brasileiro por esta vertente mais moderna do direito do trabalho, de romper com a visão essencialmente antagonista entre capital e trabalho para buscar a convergência entre ambos, em prol de um ambiente de trabalho mais democrático e participativo.

Passados quase vinte anos da edição do primeiro diploma infra-constitucional a respeito, foi possí-

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vel observar alguns temas que suscitaram maiores questionamentos no âmbito da aplicação de planos de participação nos lucros ou resultados e que, por isso, desafiaram de forma mais intensa o pronunciamento de nossos tribunais trabalhistas.

Nossa proposta, com o presente estudo, não é esmiuçar todas as regras aplicáveis à participação nos lucros e resultados – atualmente previstas na Lei 10.101/00. Tampouco temos a intenção de fazer um estudo histórico sobre as origens do instituto. O que faremos nas próximas linhas é identificar os principais requisitos de validade dos planos de participação nos lucros ou resultados (PLR) previstos na lei, percorrendo os pontos mais controvertidos referentes a cada um deles. Feito isso, poderemos nos debruçar sobre duas questões mais sensíveis que mais recentemente desafiaram o pronunciamento do Tribunal Superior do Trabalho, a saber: a obrigatoriedade do pagamento proporcional aos empregados desligados no curso do ano e a ultratividade de planos de PLR negociados por meio de normas coletivas de trabalho.

Regramento legal

Como visto, o instituto da participação nos lucros ou resultados é reflexo do momento expansivista de direito do trabalho, em que prevalece um espírito integrativo do trabalhador ao seio da empresa, de quem se exige um efetivo compromisso com sua função social.

Nesta linha, a relação antagônica antes existente entre capital e trabalho dá espaço para um viés integrativo e colaborativo entre eles.

Assim é que, ao se oferecer parte dos lucros aos trabalhadores, cria-se um incentivo a que eles se envolvam com o negócio desenvol-vido pela empresa e se preocupem em trabalhar com afinco para que o empreendimento atinja resultados positivos. Afinal, quanto melhor a performance do empreendimento, mais resultados haverá disponíveis para distribuição.

Cria-se, assim, um ponto de convergência entre os interesses de patrão e empregado: o sucesso do empreendimento. Daí ser correta a afirmação de que a participação dos empregados nos lucros ou resultados “traduz um instrumento de integração entre capital e trabalho, além de ser um incentivo à produtividade”4, sendo igualmente relevante a observação de Mozart Victor Russomano quando, em seus Comentários à Consolidação das Leis do Trabalho, assevera que a participação nos lucros ou resultados é “um fator de coesão entre as duas classes, pelo qual se pode chegar à paz coletiva”5.

Foi com este espírito de incentivar o trabalhador a “passar a participar da vida e do desenvolvimento da empresa, de maneira a cooperar com o empregador no desenvolvimento da atividade deste”6, que foi editada a Lei
10.101/00, que atualmente tutela a participação nos lucros ou resultados em nosso país.

Com a promulgação do diploma em questão – editado após sucessivas medidas provisórias tratando do tema – estava criada a “lei” a que alude a parte final do art. 7º, XI, da Constituição Federal, quando arrola a participação nos lucros ou resultados como um direito fundamental dos trabalhadores.

Desvinculação da remuneração

A Constituição prevê que as quantias distribuídas aos empregados a título de lucros ou resultado são desvinculadas da remuneração, o que, basicamente, significa que aquilo que é pago por meio de planos de participação nos lucros ou resultados não constitui base para recolhimento de FGTS e não é considerado pelo duodécimo para cálculo de férias, 13º salário, adicionais legais e horas extras. Esta realidade é reforçada pela redação do caput do art. 3º da Lei
10.101/00.

Diante da ausência de natureza remuneratória, os valores distribuídos aos empregados a título de PLR tampouco integram o salário de contribuição para o INSS, conforme prevê, inclusive, o art. 28, § 9º, j, da Lei 8.212/91. Assim, nem empregadores nem trabalhadores sofrem incidência de contribuição previdenciária sobre aquilo que é distribuído a título de lucros ou resultados.

O único tributo devido por força da distribuição de lucros ou resultados é o imposto de renda a cargo do empregado, que o empregador deve reter na fonte quando efetua o pagamento do benefício. No entanto, mesmo com relação a este encargo percebe-se a preocupação do legislador em desonerálo, conforme se viu a partir da edição da Lei 12.832/13, que alterou os parágrafos 5º e seguintes do art. 3º da Lei 10.101/00 no tocante ao tema.

Entretanto, para que as parcelas distribuídas aos trabalhadores a título de lucro ou resultado efetivamente não tenham caráter remuneratório – e, assim, não reflitam em verbas trabalhistas e previdenciárias – é necessário que elas decorram de um plano construído em conformidade com as regras da Lei 10.101/00, como exigem o art. 7º, XI, da Constituição Federal, e o art. 28, § 9º, j, da Lei 8.212/91.

No particular, a Lei 10.101/00 estabelece requisitos formais e requisitos materiais para que um plano de PLR seja válido – e, con-

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sequentemente, opere-se a desoneração trabalhista e previdenciária tratada acima.

Entre os principais requisitos que dizem respeito à forma de constituição do plano estão: (a) ser elaborado a partir de um processo de negociação entre empregador e empregados, com intermediação sindical (art. 2º); (b) ser negociado antes do período de apuração dos resultados (art. 2º, § 1º, II) e (c) ser arquivado no sindicato profissional (art. 2º, § 2º).

Com relação aos requisitos materiais – que se referem ao conteúdo do plano – destacam-se: (a) necessidade de se contemplar regras claras, objetivas e mensuráveis pelo trabalhador (art. 2º, § 1º); (b) proibição de pagamento em subs-tituição ao salário (art. 3º, caput) e
(c) impossibilidade de mais de dois pagamentos no mesmo ano civil e com periodicidade inferior a três meses entre eles (art. 3º, § 2º).

A seguir detalharemos cada um dos requisitos em questão.

Requisitos formais Negociação com intermediação sindical

O que distingue a participação nos lucros ou resultados de um simples prêmio ou gratificação pelo alcance de metas é justamente o caráter negocial do PLR. Nos prêmios, o empregador estabelece vertical e unilateralmente as metas que, se alcançadas, dão ensejo a determinado pagamento. Já na participação nos lucros ou resultados, os indutores do pagamento são definidos a partir de um processo horizontal de negociação entre patrão e empregados. Ambas as partes definem, em conjunto não só as metas que, se atingidas, dão direito à PLR, mas também os próprios valores a serem distribuídos e a forma de distribuição a cada trabalhador.

O requisito da existência de negociação está previsto no art. 2º da Lei 10.101/00, que estabelece dois formatos pelos quais ela pode ser encetada: mediante tratativas diretamente com o sindicato profissional (via convenção ou acordo coletivo de trabalho) ou por meio de negociação com uma comissão paritária, constituída no âmbito...

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