Questões controvertidas no processo de execução
Autor | Leonardo Guimarães |
Páginas | 64-74 |
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Muito se ressentem os sujeitos da efe-tiva prática e exercício do direito - mormente advogados, magistrados e representantes do MP - frente às mais recentes questões jurídicas que lhes são propostas, de obterem respostas conjuntas e atualiza-das dos doutrinadores e sodalícios pátrios.
Afigura-se patente a dificuldade de encontrar-se, em repositórios autorizados, estudos ou pareceres que versem acerca de todas as peculiaridades e particularidades vivenciadas através do exercício do direito, mesmo porquê novas questões vêm a ser doutrinariamente discutidas, em sua grande maioria, somente depois de colocadas, iterativamente, sob o foco do Judiciário.
Colimando minimizar esta carência surge o presente trabalho, tendente a, sem aprofundar-se, sobremaneira, na exegese dos textos de lei regentes dos temas versados - os quais envolvem questões ligadas, exclusivamente, ao processo executivo -, amortecer a dicotomia verificada entre o jurista e o julgado.
Convém, antes de iniciar-se o estudo acerca das específicas questões elencadas, traçar-se um paralelo entre os diversos géneros de ações encontrados na sistemática processual, de molde a, dentro deste contexto, melhor divisar o papel da ação exe-cutória.
Consoante ressalta Araken de Assis,1 "as ações comportam classificação segundo inúmeros e discrepantes critérios". Para o presente estudo, deixando de levar em conta apenas a divisão clássica e primitiva traçada por Liebman,2 entre ações declara-
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tórias e condenatórias, e refutando a teoria da "unidade",3 segundo a qual todas as ações seriam convergentes, porquanto tendentes a aplicar sanção, serão colocadas sob foco, juntamente com aquelas primeiras, as denominadas ações constitutivas, manda-mentais e, finalmente, as executivas.
Externada tal divisão, curial analisar, adiante, cada espécie de ação, individua-damente.
Colima o postulante, através do processo declaratório, extirpando incertezas acerca do seu direito, tornar inabalável, graças à autoridade da coisa julgada, a existência ou inexistência de relação jurídica e/ou a autenticidade ou a falsidade de documento, consoante estatui o art. 49 do Diploma Processual Civil.
Na ação declaratória, ignora-se, pois, "outra eficácia relevante que a da coisa julgada material".4
Com efeito, neste tipo de ação, a procedência da súplica consubstanciada na peça vestibular "decorre apenas da palavra do juiz",5 sem que haja necessidade da sua efetiva execução.
A utilização da ação constitutiva se dá por aquele que busca a mudança em determinada relação jurídica, seja de caráter modificativo, criativo ou extintivo.6
O decisum exarado nesta sorte de ação leva a um estado jurídico novo, que existe independentemente da execução da sentença.
Arrimado no escólio de Liebman,7 poder-se-ia asseverar que a condição condenatória caracterizadora desta ação resulta de dois elementos distintos, ou de duas declarações independentes. Em um primeiro momento, o juiz declara o direito versado e, em um segundo, impõe ao vencido a sanção estabelecida na lei para o ato irregularmente praticado. Esta teoria encontra convictos críticos, tais como Barbosa Moreira,8 que enquadra tais demandas como sendo, puramente, declaratórias.
Novamente, nesta espécie de querela não há falar-se em consecução ou efetiva-ção forçada da sentença.
Segundo Goldschmidt,9 provimento em ação mandamental contém a declaração do direito e a ordem, proferida pelo juiz, dirigida a alguma autoridade, dita coatora.
Também a eficácia da sentença mandamental carece, pois, de operações práticas para lançar o demandante exitoso à efetivi-dade de sua pretensão.
Vê-se que a força executiva, ao contrário das demais, "retira valor que está no património do demandado, ou dos demandados, e põe-no no património do demandante".10
Destarte, a eficácia da demanda executiva pode ser imediata, quando se almeja buscar, junto ao réu, valor, ou bem, já identificado, reconhecido através de sen-
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tença judicial, e diferida ou mediata, quando a penetração executiva atinge a esfera patrimonial do executado, para buscar-lhe património ainda não definido, ou, se definido, que ainda não tenha sido declarada a ilegitimidade do réu para permanecer na sua posse e domínio.
Expendidas tais explanações, afigura-se patente ser a sentença executiva a única tendente a fazer cumprir as diversas decisões adotadas nas outras espécies de ações. E, dentro do processo executivo, depende a consecução destas decisões da prática de diversos atos contínuos e materiais tendentes a outorga ao vitorioso de seus direitos consagrados. Tais atos são classificados como atos executivos.
No desempenho da ação executiva, o magistrado determina a realização de atos de natureza diametralmente oposta daqueles proferidos no âmbito da função cognitiva.
Enquanto em sede de conhecimento a missão judicial transforma o fato em direito, na execução, o direito - ou o seu exercício -, há de traduzir-se em fatos.
Conquanto compartilhe a disciplina dos atos processuais em geral,11 tem o ato executivo de peculiar, distinguindo-o dos demais, a função de, interagindo com as partes litigantes, incutir alterações em seu mundo natural. A execução destes atos - imbuídos da força do Estado, mormente do Judiciário - altera, via de consequência, não apenas os fatos consubstanciados no processo, mas, propriamente, o círculo patrimonial do executado.
E, afigurando-se hialina a importância que uma alteração destas gera no estado patrimonial dos envolvidos no processo, máxime do executado, aprofunda-se, via de consequência, a necessidade de traçar-se o presente estudo acerca de situações específicas geradas pela sua adoção.
"A pendência do processo executivo, com a propositura da demanda, citação do demandado e constrição sobre bens, representa para ele um estado que a doutrina caracteriza como sujeição."12
Principal efeito deste estado de sujeição se manifesta através da penhora, a qual exterioriza o primeiro ato executivo oficial por meio do qual o Estado põe em prática o processo de expropriação coletiva.13
Tem ela a função de "individualizar el bien sobre el qual el oficio ejecutivo deberá proceder para satisfazer a los acreedores, y someterlos materialmente a la transferencia coativa".14
Resumindo, tem a penhora por escopo: (a) individuar e apreender efetivarnen-te os bens destinados ao fim da execução; (b) conservar ditos bens, evitando sua deterioração ou desvio; e (c) criar preferência para o exequente, sem prejuízo das pre-lações de direito material anteriormente estabelecidas.15
De outro norte, constituindo ato executivo manifestamente restritivo de direitos, a possibilidade de incidência da penhora, em algumas hipóteses, torna-se bastante discutível, como no faturamento de empresa comercial e nas quotas de sociedade por quotas de responsabilidade limitada, hipóteses adiante estudadas.
O Estatuto Processual Civil pátrio traça contornos dentro dos quais este princípio de expropriação patrimonial - a pe-
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nhora sobre o faturamento - pode operar-se, sem, todavia, explicitar sua ocorrência.
Poder-se-ia presumir da exegese deste texto legal, ipso facto, ser perfeitamente cabível, sob qualquer circunstância, a incidência de penhora sobre o faturamento de sociedade comercial executada.
Todavia, não obstante o permissivo contido no aludido dispositivo de lei, vislumbraram os sodalícios pátrios, ao analisarem tal hipótese de constrição, que, caso a penhora viesse a ocorrer, indiscriminadamente, sobre todo o faturamento da sociedade, a sua própria existência restaria ameaçada. Estar-se-ia retirando, ante tais circunstâncias, o oxigénio que mantêm respirando o próprio objeto do estudo do direito privado comercial - consoante admitido em sede doutrinária -, que é a empresa.
O entendimento do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, em decisão exarada em 1989, reflete muito bem a corrente majoritária cogente à época, ao determinar que "a penhora de receitas criaria obstáculos à continuidade da exploração económica, em detrimento da função social desempenhada pela empresa",16 rejeitando, portanto, tal hipótese de constrição patrimonial.
Criticas surgiram, no entanto, a esta exagerada proteção ao devedor, redundando no aresto exarado em 1990, admitindo a adoção deste ato executivo pleno, "mesmo porque o faturamento não está incluído entre os bens impenhoráveis"17
Constatava-se que ambas as teses, da possibilidade, ou não, da penhora incidente sobre o faturamento da empresa, colocavam a parte vencida em situação insustentável, levando-a, no caso do credor, ao não percebimento da quantia a qual fazia jus, e, no caso do devedor, a impossibilidade do prosseguimento de suas...
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