Rábula dos Pobres

AutorPedro Paulo Filho
Ocupação do AutorFormado pela Faculdade de Direito da Universidade Mackenzie, foi o 1º presidente da 84ª Subsecção da Ordem dos Advogados do Brasil
Páginas135-137

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Na sala do Tribunal do Júri de Salvador só há dois retratos: um é de Jesus Cristo, o outro é do maior defensor público da Bahia, que, por sinal, não era advogado.

Era major sem uniforme e revólver e morava numa tapera em bairro que tem o seu nome; passava, às vezes, necessidades primárias, embora mantivesse duzentas escolas de alfabetização, que beneficiaram mais de 10 mil pessoas.

Embora considerado o mais generoso baiano, Cosme de Farias foi o maior pidão da história.

Foi vereador em Salvador e, aos 96 anos de idade, não conseguiu reeleger-se, mas foi considerado o Tigre da Alfabetização.

O escritor Jorge Amado considerou-o o homem mais querido da Bahia e, por ele, o seu nome deveria ser o Quitandeiro da Liberdade.

É que seu escritório era uma quitanda, sempre cheia de gente. Ele fez ao longo da vida longeva, duas coisas intensamente, que viraram lenda: o amor lendário e a grande capacidade de comer e beber bem.

O major da Guarda Nacional tinha seu escritório no corredor da Igreja de São Domingos, no Terreiro de Jesus, contendo uma

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escrivaninha, duas cadeiras velhas e um banco para o pessoal esperar a vez de ser atendido, cerca de 25 a 30 pessoas por dia, "principalmente preto e pobre".1Ali, ele requeria, em média, a cada 24 horas, quatro pedidos de soltura de presos, treze pedidos de emprego e doze bilhetinhos a autoridades, amigos e aos jornais. Nenhum advogado libertou mais pessoas que ele.

Nos 75 anos de vida como advogado, nunca aceitou o encargo de acusador, dizendo:

Duas coisas não serei: carcereiro e promotor.

Deixava o escritório somente depois de atender a última pessoa, usando uma alpercata, um terninho surrado e a gravata bamba no colarinho.

Em toda carta, requerimento ou petição que assinasse, Cosme de Farias punha uma pequena tira de pano verde e amarela, ora protestando ora pedindo, mas o linguajar era doce e urbano:

"Eminentíssimo, Distintíssimo, Bondoso e Nobre Amigo." Quando era atendido, retribuía com presentes de agradecimento: copos, santinhos, ramalhetes de flores, sempre atados com a fita verde e amarela.

Comparecia às festas cívicas, usando enorme gravata com as cores verde e amarela, sempre aplaudido pelo povo baiano.

Costumava, dizer que o Brasil somente será grande quando acabar com o analfabetismo, por isso, fundou na Bahia a "Liga Baiana Contra o Analfabetismo", que manteve por mais de 6 décadas, e criou mais de 40 educandários.

Na sua correspondência, além da fitinha verde-amarela, ele...

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