A radiografia do estado brasileiro apartir do artigo 1º da constituição federal

AutorAlberto de Magalhães Franco Filho
CargoGraduado em Direito pelo Centro Universitário de Patos de Minas - Mestrando em Direito Coletivo e Função Social do Direito ela Universidade de Ribeirão
1 Introdução

O Estado contemporâneo é sem dúvida um Estado Constitucional. Hodiernamente a noção de Constituição encontra-se umbilicalmente ligada ao conceito de Estado, tendo em vista que é impossível conceber um Estado sem Constituição e uma Constituição sem Estado. Desta forma, assume o texto constitucional a posição de delimitador do horizonte de possibilidades e condição de validade de todo o arcabouço jurídico, além de definir os caracteres, a organização e os fins estatais.

A Constituição de 1988 foi promulgada com 315 artigos, sendo 245 na parte permanente e 70 nas disposições transitórias, superando em extensão normativa todas as Constituições brasileiras anteriores, como alerta Kildare Gonçalves Carvalho2. Os quatro artigos iniciais foram inseridos no Título I “Dos Princípios Fundamentais”, e trazem consigo o conjunto de valores que inspirou o legislador constituinte originário na elaboração da constituição, orientando suas decisões políticas fundamentais. Destes quatro artigos, talvez o que possua maior relevância e conteúdo normativo, seja o artigo 1º, tendo em vista que ele traz em seu texto o nome de nosso Estado, estabelece sua forma de Estado e de Governo, relaciona os entes componentes da federação, fixa seus fundamentos, enaltece a soberania popular, e ainda qualifica nosso Estado como um Estado Democrático de Direito. Vejamos a lítera deste dispositivo constitucional:

Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos:

I – a soberania;

II – a cidadania;

III – a dignidade da pessoa humana;

IV – os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa;

V – o pluralismo político.

Parágrafo único. Todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição.

A reunião de todas estas expressões extremamente valorativas em um único dispositivo normativo da Constituição, não se deu de forma aleatória, sem dúvida o legislador constituinte originário quis na elaboração do artigo 1º estabelecer uma espécie de moldura para o retrato social, político, moral e jurídico do Brasil. Esta moldura deve ser vista como a base de nossa sociedade, sob todos os aspectos, e se não representa a realidade do nosso país, deve-se buscar seu atingimento, conforme veremos algumas destes valores estão presentes em nossa realidade social político, moral e jurídico. Já alguns valores ainda deverão ser atingidos.

Essa busca pelo atingimento de algo através da Constituição revela o sentido do constitucionalismo moderno principalmente nos “Estados jovens” segundo Lenio Luiz Streck3, já que estas Constituições como é o caso brasileiro são inspiradas “no ideal progressista das Luzes e na confiança na capacidade da lei de organizar um futuro libertador”.

Assim, se pudéssemos fazer uma comparação didática para o entendimento da reunião de todas as expressões contidas no art. 1º da Carta Política, seria como se ele representasse nossa “casa constitucional”. Onde o telhado seria o princípio da supremacia constitucional, os alicerces que sustentariam esta casa, ou seja, as paredes seriam representadas pela Federação e a República. O piso sólido desta casa constituiria-se pelos fundamentos do nosso Estado. Por fim, as vigas de sustentação que representam a base de nossa casa e a mantém erguida seria o Estado Democrático de Direito.

Diante disto, nos propusemos neste trabalho, a decompor e analisar de forma bem pontual e sem nenhuma pretensão de esgotamento teórico e conceitual, cada um dos elementos de nossa “casa constitucional”.

2 O principio da supremacia constitucional

Antes de trazer a baila, qualquer consideração sobre os princípios fundamentais presentes no art. 1º da Carta Magna, é imperioso fixarmos um entendimento sobre o princípio da supremacia constitucional, já que ele é um dos mais importantes princípios constitucionais, senão o mais importante, e justamente por isso em nossa “casa constitucional” ele representou o telhado, pois ele deve se postar sempre no topo, para denotar que a Constituição é a norma jurídica superior e condição de validade de todo sistema jurídico. Tal princípio, para Paulo Bonavides qualifica a constituição como “a lei das leis, a lex legum, ou seja, a mais alta expressão jurídica da soberania” 4.

O surgimento deste princípio e seu reconhecimento se dá a partir das Revoluções Francesa e Inglesa, quando se deflagra também o nascimento do Constitucionalismo, conforme assevera Sylvio Motta e Gustavo Barchet:

Com o advento, no século XVIII, de um movimento revolucionário, mais tarde denominado Constitucionalismo, criou-se uma situação favorável para o surgimento de um novo referencial concreto de poder soberano de Estado, em vez do clássico l’État c’moi (“O Estado sou eu”) do Rei Luís XIV, o advento do texto constitucional. O rei teocrático do Ancien Régime (“Antigo Regime”) é substituído por uma constituição escrita. Toda autoridade agora somente encontra fundamento nesta Constituição escrita. O poder soberano deixa de ser personalizado, nenhuma pessoa (física ou jurídica, de direito público ou privado) encarna a soberania, todos os súditos do Estado ficam limitados, expressa ou tacitamente, pelas normas constitucionais. É o texto constitucional que passa a estabelecer “o que cada a cada qual fazer”, ou seja, a repartir competências entra as diversas pessoas que compõe o conceito e Estado Contemporâneo 5 .

José Afonso da Silva explica tal principio da seguinte forma:

O principio da supremacia da constituição que, no dizer de Pinto Ferreira, ‘é reputado como pedra angular, em que assenta o edifício do moderno direito político’. Significa que a constituição se coloca no vértice do sistema jurídico do país, a que confere validade, e que todos os poderes estatais são legítimos na medida em que ela os reconheça e na proporção por ela distribuídos. É, enfim, a lei suprema do Estado, pois é nela que se encontram a própria estruturação deste e a organização de seus órgãos; é nela que se acham as normas fundamentais de Estado, e só nisso se notará sua superioridade em relação às demais normas jurídicas 6 .

Seguindo este raciocínio, destacamos a doutrina de Clèmerson Merlim Clève:

A Constituição, afinal, como quer Hesse, é uma ‘ordem fundamental, material e aberta de uma comunidade’. É uma ordem, eis que reside sua posição de supremacia. É ademais, ordem material porque além de normas, contém uma ordem de valores: o conteúdo do direito, que não pode ser desatendido pela regulação infraconstitucional7.

A supremacia da Constituição pela maioria dos constitucionalistas é atribuída à rigidez constitucional, “reconhecendo-se à Constituição o papel de fonte sintetizadora dos valores fundamentais”8. Essa supremacia pode vista sob dois aspectos: supremacia material e supremacia formal. A primeira é um objeto clássico das Constituições, inerente à todas as constituições inclusive as flexíveis, já a segunda é um atributo específico das constituições rígidas, que exigem um processo legislativo mais solene que o ordinário, dando ensejo ao surgimento de leis ordinárias e as leis constitucionais.

José Joaquim Gomes Canotilho, salienta que “da conjugação destas duas dimensões – superlegalidade material e superlegalidade formal da constituição – deriva o princípio fundamental da constitucionalidade dos actos normativos”9.

Por fim, podemos inferir do entendimento deste princípio que a Constituição de 1988 é nossa lei fundamental e suas normas (em especial os princípios fundamentais contidos no Título I da Carta Magna, nosso objeto de estudo neste trabalho) são o ápice do nosso arcabouço jurídico. Sobre o tema destacamos a lição de Marcelo Novelino:

A Constituição é a lei fundamental e suprema do Estado Brasileiro. É o fundamento de validade último de todas as normas jurídicas, por conferir os poderes governamentais e impor os seus limites. Por conseqüência, qualquer norma do ordenamento jurídico só será válida se estiver em conformidade com as normas constitucionais – seja sob o aspecto formal, seja sob o material –, pois toda autoridade nela encontra o seu fundamento 10 .

Desta forma não poderíamos iniciar nosso trabalho sem o estudo do principio da supremacia constitucional, que está implícito no texto constitucional e dá fundamento de validade à todos os elementos de nossa “casa constitucional”.

3 A república

Relativamente ao principio fundamental da República, informamos que não pretendemos esgotar aqui sua noção conceitual e teórica. Nosso objetivo aqui é fixar a importância e as conseqüências da presença da forma republicana no art. 1º da Constituição, que nos fez coloca-la como um dos alicerces, uma das paredes de nossa “casa constitucional”.

Pois bem, passemos então à análise do vocábulo República, que conforme a orientação de Guilherme Amorim Campos Silva11 é polissêmico. A partir do ter correspondente em grego, politéia, pode indicar determinada comunidade política; o termo correspondente em latim, res publica, denota a coisa de propriedade comum do povo, ou, ainda a coisa comum.

A concepção mais comum na doutrina, sobre República, é a de esta sinaliza uma das formas de governo, em contraposição à Monarquia. Contudo nos adverte Paulo Bonavides12, que entre os autores reina uma confusão quanto ao emprego das expressões formas de governo e formas de Estado, pois o vocábulo político alemão de forma de Estado (staatsformen) aquilo que os franceses conhecem como forma de governo, porém afirma o autor que a classificação francesa é mais precisa, tendo em vista que torna mais clara a distinsão entre formas de estado e de governo.

Não obstante...

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