O rasgo na rede de proteção - Uma análise crítica acerca das respostas do estado brasileiro aos fenômenos da violência e da criminalidade na sociedade de consumo

AutorDomingos Barroso da Costa
CargoBacharel em Direito pela UFMG Especialista em Criminologia pelo Instituto de Educação Continuada da PUC-Minas/Acadepol e em Direito Público UNIGRANRIO/PRAETORIUM
Páginas9-12

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Como se pode antever pelo título acima proposto, o cerne do trabalho que ora se inicia gravita principalmente em torno do conceito de sociedade de consumo e do estudo de seus efeitos na dinâmica social. Ou seja, está-se diante de fenômenos que se desenvolveram num processo histórico que culminou com a consolidação de um modelo de sociedade fundado no consumo, o qual, para ser melhor compreendido, depende de uma exposição comparativa em relação a seu paradigma antecessor, que tinha por esteio um corpo social amarrado aos processos de produção.

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E, para falar em sociedade de produção, deve-se partir do início do processo de desencantamento do mundo1, que se deu com a Revolução Copernicana (séc. XVI), a qual, ao deslocar o centro do universo para o Sol, despejou o Homem do cosmo organizado que pensava habitar, de uma Terra que seria o fim último de toda a Criação. Ou seja, perdeu o indivíduo todas as certezas que norteavam sua existência até então, e, tendo a consciência de que sua morada já não era o centro de tudo, deixou de situar-se de forma absoluta no mundo, passando a relativizar a Natureza que antes lhe era dada como o modelo de existência organizada de forma absoluta e acabada2.

Assim, se a Natureza já não gozava do mesmo status divino de imutabilidade e perpetuidade de outrora, conclui-se que poderia ser instrumentalizada e posta a serviço do ser humano, o que foi viabilizado pela Razão, que passou a reger o mundo, a partir da ciência e da técnica. Pela Razão, todas as coisas ganharam ares de relatividade, só se comprovando como verdades se submetidas a métodos que assim o permitissem, conforme defendeu Descartes no século XVII.

E, a partir dos métodos técnicos e científicos, sem os quais nada se legitimava, observa-se que a sociedade passou a ter todo o seu funcionamento regido por leis humanamente criadas com vistas à facilitação e à organização da vida sobre a Terra. Para tudo havia uma teoria, um método que melhorasse as condições e o aproveitamento de determinada atividade humana, do que não fugiria a indústria em franca expansão, que passou a valer-se das técnicas disponíveis para estabelecer modos racionais que pudessem levar sua produção a extremos.

Neste contexto, movido pela primazia da Razão, o mundo assistiu a vários progressos científicos. E, tendo na Indústria seu projeto mais grandioso e lucrativo, deu azo ao estabelecimento de uma sociedade de produção, firmada sobre rígidas leis técnicas que organizavam e sistematizavam suas linhas de funcionamento, como bem demonstra, por exemplo, o filme Tempos Modernos, de Chaplin. Cumpre ressaltar, ainda, que todo o processo até agora descrito também trata do que se denominou Modernidade, um tempo encastelado em métodos e leis que dirigiam o mundo, numa rotina segura e cronometrada.

Portanto, tratando-se de uma sociedade que se fundava e movia a partir de processos de produção, temse que, para integrá-la, o indivíduo haveria de produzir. Ou seja, deveria submeter-se às rígidas leis que sustentavam suas principais instituições - família, indústria, Estado e Igreja3 - e trabalhar ordenadamente com vistas ao progresso pessoal e social. Em suma, para não ser tratado como um marginal, o sujeito deveria apresentarse ao mundo como alguém que produzia, daí porque durante muito tempo no Brasil, já no crepúsculo deste modelo de sociedade, um dos documentos mais importantes do cidadão - inclusive perante a polícia, haja vista a contravenção de vadiagem, art. 59 do Dec-Lei 3.88/ 41, assinado por Vargas - tenha sido a Carteira de Trabalho e Previdência Social (CTPS).

Ocorre que, com o progressivo incremento das técnicas de produção - com destaque para a automação que sucedeu à Segunda Guerra Mundial -, a indústria começou a produzir um excesso que não encontrava vias de escoamento. Observa-se, então, o ápice de um processo de substituição do homem pelas máquinas nas linhas de produção industrial, com o...

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