Rating e risco-país

AutorRenato Sampaio Brígido
Páginas164-174

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I - Introdução

O debate em torno do rating tem recebido, no Brasil, cada vez mais atenção de investidores, analistas financeiros e, também, do público em geral. A utilização do rating por parte dos market players (tais como investidores, Bancos e analistas) é razoavelmente rotineira, já que o utilizam, diariamente, como instrumento de trabalho. Porém, o atual interesse do público brasileiro em geral parece ter se originado, em grande parte, das críticas às agências de classificação, que em períodos recentes deram "notas" ou "classificações" baixas para o Brasil, principalmente em razão do impacto que a crise argentina de 2001 traria ao desempenho da economia brasileira. Sem entrar no mérito de uma discussão sobre os motivos e considerações que levaram à redução da classificação do País em tal período, não se pode negar que o termo rating passou a ter maior destaque, principalmente no que se refere à sua influência - direta ou indireta - no desenvolvimento de atividades econômicas.

Ora, ao se considerar o início de um investimento ou de uma atividade econômica, uma série de análises e decisões são feitas com o objetivo de determinar as características necessárias, ou mínimas, para que tal investimento ou atividade seja considerado desejável e atrativo para aquele que irá promovê-lo (o investidor). Independentemente de sua modalidade (investimento direto, no mercado de ações, instalação de uma subsidiária em outro país, financiamento etc.), o processo decisorio de um investimento envolve um grande número de ponderações que variam desde o tempo necessário para recuperar o investimento feito e o início de obtenção de lucros, a obstáculos culturais que poderão ser enfrentados por investidores em outros países. Outros elementos de consideração podem, ainda, ser elencados, tais como cronogra-mas de implementação a serem cumpridos; custos inerentes à concretização do projeto; existência de fundos próprios ou possibilidade de obtenção de financiamentos de terceiros; riscos legais (tais como questões de ordem tributária, trabalhista e ambiental que decorram da realização do investimento); planos de contingência; garantias; ambiente regulatório do local em que a atividade será realizada; forma de operacionali-zação do projeto; impactos para a imagem do investidor; riscos comerciais ou inerentes ao negócio em que se traduz o investimento. Dependendo das circunstâncias específicas, os fatores acima referidos e mesmo outros, podem trazer um ônus maior ou

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menor para o sucesso do projeto, influindo diretamente na possibilidade de o mesmo ser realizado ou não.

Mais especificamente em relação a investimentos realizados em outros países -os cross-border investments -, podem ser citados, ainda, dois elementos de consideração: risco-político (golpes militares no país em que o investimento é feito; ex-propriação de bens e instalações pelo governo local; impossibilidade de remessa de lucros para o país do investidor etc.) e risco-país (considerado aqui o risco oriundo das características do país em si, como sua infra-estrutura, ambiente econômico e mercado consumidor).

A determinação do risco-político e do risco-país, bem como seu grau de influência em relação a um projeto, corresponde a um dos principais desafios enfrentados por investidores em operações a serem desenvolvidas (total ou parcialmente) no exterior. A identificação de tais riscos é crucial, já que sua ocorrência representa uma ameaça ao projeto e, dependendo de suas proporções, pode resultar na perda da totalidade do investimento, além de possíveis prejuízos adicionais.

As análises e estudos necessários para avaliar o risco-país e quais riscos-políticos afetam um investimento consomem tempo è requerem conhecimento profundo de vários aspectos do país receptor do investimento, quais sejam, sua história, geografia, ambiente político (no país receptor e em sua região no planeta), atividades dos setores econômicos (indústria, agropecuária, tecnologia etc), recursos (naturais e outros), cultura, mercado consumidor, política de exportação e outros. Também importa conhecer os organismos multilaterais de que o país receptor do investimento faça parte (como a Organização das Nações Unidas, a Organização Mundial do Comércio etc.) e se suas regras ou princípios são efetivamente observados; conhecer os tratados internacionais de que o país seja signatário e assim por diante. Desse modo, a análise da situação geopolítica de países localizados no Oriente Médio não poderia deixar de considerar certas disputas existentes nessa região; a probabilidade de terremotos e conseqüentes custos para proteger instalações industriais desse fenômeno natural não podem ser ignorados no Japão; o fato do Brasil ter declarado, no passado, moratória de sua dívida externa não passa despercebido aos investidores internacionais; conflitos existentes no continente africano representam uma preocupação para investidores. Mesmo países geralmente tidos como lugares seguros para investimentos podem vir a enfrentar problemas para atraí-los ou mantê-los em determinadas áreas da economia: atividades terroristas passaram a ser vistas sob uma nova perspectiva, principalmente nos Estados Unidos após os ataques de 11 de setembro de 2001 (aeronaves civis direcionadas contra edifícios do World Trade Center na cidade de Nova York e contra o Pentágono, na capital americana), criando mais preocupações em diversas atividades, como aviação civil e seguros. Isso também pode ser verificado em relação à Europa, ainda mais após os atentados a bomba ocorridos em Madri, em 11 de março de 2004 (explosões ocorridas em estações de trem), gerando cada vez mais preocupações quanto a segurança, meios de transporte e correspondentes seguros.

Não só uma mera análise inicial será suficiente em determinadas situações. Dependendo das circunstâncias, será recomendável monitorar os elementos que possam influenciar o sucesso do investimento e, mesmo após seu término, a análise de um risco pode vir a ser de importância para os investidores: a repatriação de um investimento ou distribuição de bens restantes a socios de umajoint-venture podem ser afetados por impossibilidade de conversão e remessa de moeda, por exemplo.

Este artigo pretende discorrer sobre o papel e influência que ratings a respeito de um investimento (principalmente cross-border) ou de um país em que se objetive localizar um projeto podem ter no proces-

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so decisorio sobre investir ou não em determinada atividade num dado país.1 .

II-Agências de classificação ("rating agencies")2

As agências de classificação (as rating agencies ou credit rating agencies)são instituições que proporcionam uma grande variedade de serviços a investidores, Bancos e outras entidades, serviços esses que consistem, principalmente, no fornecimen-; to de opiniões abalizadas quanto às características de um investimento, de um país ou de outro elemento por elas analisado. Assim, uma das principais atividades das rating agencies é proporcionar, ao investidor é à outros interessados, uma análise e opinião a respeito, por exemplo, de um projeto (apontando os itens que possam contribuir para seu sucesso ou fracasso); quais países apresentam riscos maiores para desenvolvimento satisfatório de uma operação etc. Numa analogia singela, pode-se dizer que revistas especializadas em automóveis prestam serviço semelhante àquele da agência de classificação. Tais publicações analisam as diversas características de um carro, tais como rendimento e potência do motor, consumo de combustível, estabilidade, conforto, tecnologia, desempenho dos freios e assim por diante para, ao final, chegar-se a uma opinião sobre as principais qualidades, vantagens e desvantagens do carro. Vale ressaltar que a atividade das agências de classificação pode ser feita a partir da análise de dados de conhecimento público (principalmente no caso de análise do risco-país3), ou através de dados fornecidos pelas partes envolvidas em um financiamento ou pela empresa que deseja ter seu rating analisado e informado,ao mercado. - , t ; 'r* A contratação dos serviços de umá rating agency ou de outra instituição que forneça informações e serviços similares pode ser extremamente recomendável, principalmente nos casos de investimentos de grande monta ou de alta complexidade. Há um custo envolvido na obtenção dos serviços de uma agência de classificação e incorrer em tal custo pode não ser factível toda vez que um investidor considere um projeto. Desta forma, informações tornadas públicas por certas agências classificatórias, entidades financeiras ou por associações comerciais podem constituir uma alternativa aos serviços prestados por uma rating agency. Além disso, estudos feitos internamente pelo próprio investidor são importantes. Um Banco, por exemplo, não necessariamente contratará os serviços de uma agência de classificação para analisar e fornecer opinião a respeito de todos os contratos de financiamento por ele promovidos. Porém, Bancos costumam apresentar sistemas internos de classificação das operações de que participa de forma não-eventual, baseados em fatores relacionados não somente a risco-país e a risco-político, mas também a riscos representados pela categoria de cliente (cabendo, aqui, mais um sistema de classificação própria, no sentido de saber qual a qualidade ou o crédito de um determinado cliente), outras pessoas envolvidas na transação (garantidores, por exemplo), capacidade da atividade econômica desenvolvida pelo tomador do empréstimo gerar lucros suficientes para pagar suas dívidas junto ao Banco etc.

Ainda nesse sentido, é interessante observar que grandes corporações - principalmente instituições financeiras - geralmente...

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