(Re)pensar a surdez: conflitos ideológicos e linguísticos presentes no cotidiano dos sujeitos surdos

AutorDandara Santos Diniz e Gabriel Pigozzo Tanus Cherp Martins
Ocupação do AutorGraduanda em Letras Libras pela UFJF/Mestre em Diversidade e Inclusão pela UFF
Páginas513-534
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(RE)PENSAR A SURDEZ: CONFLITOS IDEOLÓGICOS E
LINGUÍSTICOS PRESENTES NO COTIDIANO
DOS SUJEITOS SURDOS
Dandara Santos Diniz1
Gabriel Pigozzo Tanus Cherp Martins2
Sumário: 1. O que se entende por surdez; 1.1 Um breve relato sobre a
história dos surdos; 1.2 A chegada da língua de sinais no Brasil;
2. Língua Brasileira de Sinais - Libras e o(a) surdo(a); 2.1 A surdez em
seu aspecto social e familiar; 3. Desafios; 4. (In)Conclusões; 5.
Referências.
1. O que se entende por surdez
1.1 Um breve relato sobre a história dos surdos
Sem pensar outra lógica temporal, mas fazendo e trazendo alguns
recortes históricos, que constituem a surdez (área do conhecimento) e o
surdo (a partir de uma compreensão de um sujeito sócio antropológico),
propomo-nos a rever fatos que reverberam atualmente nas questões
relacionadas à educação, política, cultura e sociedade. Acredita-se
atualmente que a concepção de surdez é reflexo de acontecimentos
históricos que repercutiram na sociedade e nos sujeitos que atuam e
militam nessa área. Tais acontecimentos demandam de nós uma
reflexão-ação nas práticas cotidianas escolares e sociais frente a esses
sujeitos.
Não pretendemos nos alongar nas exposições destes fragmentos
históricos, pois o que buscamos é destacar alguns períodos e algumas
1 Graduanda em Letras Libras pela UFJF. E-mail: dandaradinizlg@gmail.com.
2 Mestre em Diversidade e Inclusão pela UFF. E-mail: gptcm84@gmail.co m.
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concepções educacionais e sociais para uma melhor compreensão do
processo histórico de constituição dos indivíduos surdos.
Por quase toda a Idade Média, de acordo com Lacerda, pensava-
se que os surdos não eram seres educáveis. Havia uma “teoria” que os
consideravam “imbecis”. Fato colocado à prova, pois, a partir dos anos
de 1600, têm-se os primeiros registros sobre a educação de Surdos,
através de um livro escrito por um padre espanhol, Juan Pablo Bonet,
intitulado “Redução das Letras e Arte de Ensinar a Falar os Mudos”, este
datado de 1620. O método consistia em ensinar os surdos a escrita e a
leitura com o apoio de um alfabeto manual, mesmo sendo defensor do
oralismo. Neste período, somente os surdos oriundos de famílias
abastadas eram educados. As “aulas” eram individuais e os “professores”
eram tutores destas crianças, geralmente médicos e religiosos. O objetivo
era fazer com que esses sujeitos aprendessem a ler, escrever e a falar para
que pudessem almejar um lugar na sociedade ouvinte e não perderem
nenhum direito à herança e aos bens familiares.
Um segundo momento da educação de surdos inicia-se no final
do século XVII, período em que são encontradas as primeiras escolas
para surdos na Europa, em países como França (gestualista), Alemanha
e Inglaterra (oralistas).3 É nesse período que há um acirramento entre as
duas concepções, cada uma apresentando à sociedade da época os
resultados de suas pesquisas, ensino e treinamento. Faz-se mister
destacar que a Europa vivia sob o paradigma do “Homem-máquina” de
Descartes, que perdurou durante três séculos, XVI, XVII e XVII, quando
se defendia a ideia de que os órgãos corporais eram comparáveis a uma
engrenagem de uma máquina.
Esse paradigma trouxe para a educação de surdos uma concepção
de medicalização da surdez, ou seja, se o homem é comparado a uma
3 ROCHA, Solange. Memória e História: a indagação de Esmeralda. Rio de Janeiro:
Arara Azul, 2010, p. 14.
Oralista é a pessoa que defende o desenvolvimento da linguagem oral pelo surdo como
prioridade. Para que possamos reconhecer a posição oposta a essa formulação,
utilizamos o termo gestualista, a fim de identificar aqueles que defendem o
desenvolvimento da Língua de Sinais como prioridade.

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