Reconhecimento, inclusão e autonomia da pessoa com deficiência: novos rumos na proteção dos vulneráveis

AutorHeloisa Helena Barboza/Vitor Almeida
Páginas1-30
Reconhecimento, inclusão e autonomia da
pessoa com deficiência: novos rumos
na proteção dos vulneráveis
Heloisa Helena Barboza
Vitor Almeida
Sumário: Introdução. 1. A tardia emergência dos direitos huma-
nos das pessoas com deficiência. 2. Da integração à inclusão da
pessoa com deficiência. 3. A adoção do modelo social de deficiên-
cia e seus efeitos. 4. O reconhecimento como fator indispensável
à inclusão. 5. Desafios jurídicos à efetividade da inclusão. Conclu-
são. Referências.
INTRODUÇÃO
A questão da deficiência humana não recebeu atenção maior do
legislador constituinte de 1988, não obstante tenha este contem-
plado algumas situações de vulneração, como as da infância, ado-
lescência e envelhecimento, conferindo-lhes proteção especial. Os
dispositivos dedicados às pessoas com deficiência procuram dar-
lhes proteção no trabalho e tem feição assistencialista, voltada à ha-
bilitação e reabilitação para fins de sua integração à vida comunitá-
ria. Contudo, a incorporação à ordem constitucional brasileira da
Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Defi-
ciência e seu Protocolo Facultativo, por força do Decreto nº 6.949,
de 25 de agosto de 2009, revolucionou o tratamento da questão, ao
colocá-la no patamar dos direitos humanos e aoadotar o denomina-
do modelo social de deficiência.
Os fortes impactos da Convenção de 2008 no ordenamento ju-
rídico só foram sentidos efetivamente após a edição da Lei nº
13.146, de 06 de julho de 2015, que institui a Lei Brasileira de In-
1
clusão da Pessoa com Deficiência – também denominada de Esta-
tuto da Pessoa com Deficiência (EPD). Destinado expressamente
a assegurar e promover, em condições de igualdade, o exercício dos
direitos e das liberdades fundamentais por pessoa com deficiência,
visando à sua inclusão social e cidadania, o EPD cria os instrumen-
tos necessários à efetivação dos ditames constitucionais, dentre os
quais se inclui profunda alteração do regime de capacidade jurídi-
ca, previsto no Código Civil, cujas consequências se alastram prati-
camente por todo ordenamento jurídico.1
Embora tenha o EPD largo alcance, atingindo a um só tempo
diversas normativas infraconstitucionais, constata-se que sua efeti-
vidade está vinculada ao reconhecimento, como concebido por
teóricos contemporâneos, como Charles Taylor, Axel Honneth e
Nancy Fraser. Na verdade, o reconhecimento, nessa perspectiva fi-
losófica, constitui elemento integrante e necessário do processo de
inclusão da pessoa com deficiência. Sem o reconhecimento social,
as determinações constitucionais e sua regulamentação legal cor-
rem o risco de se tornarem normas programáticas, o que perverte-
ria o objetivo central do modelo social.
Assim sendo, a interpretação do EPD e, principalmente, sua
aplicação devem, sempre que possível, ter função promocional do
reconhecimento social, uma vez que a afirmação dos direitos hu-
manos das pessoas com deficiência constitui uma inegável conquis-
ta do alvorecer do século XXI. Sob essa perspectiva, muitos são,
sem dúvida, os desafios jurídicos a serem enfrentados. A proposta
deste trabalho é analisar, ainda que brevemente, o conceito filosó-
fico do reconhecimento em face da trajetória da questão da defi-
ciência no Brasil, para demonstrar sua importância no processo de
inclusão social da pessoa com deficiência e efetivação de seus direi-
tos humanos fundamentais, sobretudo do direito à autodetermina-
ção na esfera existencial para o exercício dos atos da vida civil, de
2
1 Sobre o assunto permita-se remeter a BARBOZA, Heloisa Helena; ALMEIDA
JUNIOR, Vitor de Azevedo. A capacidade civil à luz do Estatuto da Pessoa com Defi-
ciência. In: MENEZES, Joyceane Bezerra de (Org.). Direito das pessoas com defi-
ciência psíquica e intelectual nas relações privadas: convenção sobre os direitos da
pessoa com deficiência e Lei Brasileira de Inclusão. Rio de Janeiro: Processo, 2016.
p.249-274. Cf., ainda, Id. A (in)capacidade da pessoa com deficiência mental ou inte-
lectual e o regime das invalidades: primeiras reflexões. In: EHRHARDT JR., Marcos
(Org.). Impactos do novo CPC e do EPD no direito civil brasileiro. Belo Horizonte:
Fórum, 2016. p.205-228.

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