Recrutamento de profissionais para execução do programa da saúde na família: necessidade de concurso público ou simples contratação temporária

AutorJoão Benjamim Delgado Neto
CargoPromotor de Justiça do Estado da Paraíba
Páginas17-25

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1. Introdução

As políticas públicas na área de saúde desenvolvidas, no início da década de 90, pelo Governo Federal, ocasionaram verdadeira revolução paradigmática nas estratégias de atuação na citada área, superando proposições já ultrapassadas, centradas exclusivamente no tratamento da doença, para focar em “práticas gerenciais e sanitárias, democráticas e participativas, sob a forma de trabalho em equipes, direcionadas às populações de territórios delimitados, pelos quais assumem responsabilidade”1. Tal estratégia/programa, denominado Saúde na Família, conferiu, portanto, uma nova “vestimenta” ao modelo assistencial, mediante a implantação de equipes multiprofissionais em unidades básicas de saúde, as quais se expandiram velozmente, desta feita, consolidando-se como genuína técnica de otimização do SUS em todo o nosso país.

Entretanto, justamente por se tratar de uma estratégia/programa, inúmeros municípios, Brasil afora, vêm admitindo, para sua implementação e execução, os profissionais de saúde exclusivamente por meio de contrato temporário, adentrando, portanto, na mira do Ministério Público o qual tem diuturnamente questionado a constitucionalidade e legalidade das referidas contratações, sob fundamento de burla à exigência constitucional de concurso para ingresso no serviço público.

O presente trabalho, à vista disso, tem por precípuo escopo a análise crítica, à luz das prescrições legais e constitucionais, bem como da doutrina e jurisprudência pertinentes, do adequado regime jurídico dos servidores públicos a serem admitidos para execução do programa/estratégia da saúde na família no âmbito dos municípios.

2. Desenvolvimento
2.1. Programa/estratégia nacional da saúde na família

O Governo Federal, na década dos anos 1990, estabeleceu a estratégia da saúde na família objetivando otimizar a prestação do

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serviço de saúde em todo o país com o foco direcionado na prevenção.

Para a execução desta estratégia de caráter nacional, editou portarias regulamentando o aporte de recursos federais exclusivos aos estados e municípios para implementação e concretização da referida política pública remodeladora.

No que diz respeito ao recrutamento de recursos humanos, também desenvolveu uma “Cartilha” por meio da qual orientou aos gestores municipais a realizarem processo seletivo para escolha dos profissionais, sugerindo vários modelos de triagem, os quais vão desde uma prova objetiva de múltipla escolha até mesmo numa simples análise curricular.

E justamente sobre esta questão repousa o objeto do presente trabalho, isto é, por se tratar de um programa/estratégia, o qual pode ser suspenso ou extinto a qualquer tempo pelo Governo Federal, o recrutamento de recursos humanos, para sua execução, deve ser realizado precariamente ou há a necessidade de provimento de cargos efetivos por meio de concurso público?

Para dirimir tal questionamento, passemos, portanto, à imprescindível análise das disposições constitucionais que regulamentam o ingresso no serviço público.

2.2. Disciplina constitucional para ingresso no serviço público

A Constituição Cidadã de 1988 disciplina, em seu art. 37, inciso II, clara e expressamente, a exigência do concurso, para a admissão no serviço público.

Referido dispositivo revela que, depois da promulgação do texto constitucional de 1988, o primogênito ingresso no serviço público apenas é autorizado mediante aprovação em concurso público, sem a possibilidade da legislação infraconstitucional criar exceções a este postulado, como ocorrido sob a égide das Constituições pretéritas (FERREIRA FILHO, 1990, p. 246).

O Texto Constitucional somente admitiu o afastamento da incidência da regra do concur-so público para provimento originário de cargo público em duas situações, quais sejam, uma relativa aos cargos comissionados, reservados às funções de direção, chefia e assessoramento e que são de livre nomeação e exoneração; a outra, para a contratação por tempo deter-minado, destinada a atender a necessidade de excepcional interesse público.

Contudo, as exceções mencionadas não se constituem em salvaguarda para justificar a inobservância ao princípio da obrigatoriedade do concurso público, já que necessariamente submetidas à previsão e condições a serem regulamentadas pelo legislador infraconstitucional.

É que, para se validar as admissões realizadas sem concurso, estribadas nas exceções, faz-se imprescindível a existência de legislação infraconstitucional que expressamente as estabeleça, como também delimite suas hipóteses fáticas e respectivas condições.

A imposição de norma integrativa, a fim de que o administrador esteja autorizado à realização de contratação por prazo determinado ou em comissão, decorre, nessa lógica de ideias, dos próprios dispositivos constitucionais.

Percebe-se que estes preceitos constitucionais estão explicitamente a pleitear legislação ordinária integradora que demarcará quais serão os cargos de provimento em comissão e estabelecerá os casos de contratação por prazo determinado.

Portanto, ao exigir ato normativo para definir quais sejam os cargos de provimento em comissão e quais os casos de contratação por prazo determinado, o constituinte delegou ao legislador ordinário a estruturação definitiva do serviço público, pois caberá a este saber das conveniências de criar os cargos de provimento em comissão e das necessidades de contratação por prazo determinado, principalmente porque restará ao legislador de cada ente político instituí-los de acordo com as suas próprias peculiaridades.

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Assim, simples compreender que, não obstante a parte inicial do art. 37, II, da Constituição Federal (que exige o concurso para ingresso no serviço público) seja norma constitucional de eficácia plena, posto que não há o que regulamentar neste sentido, a parte final da referida norma e os incisos V e IX, do mesmo artigo (que disciplinam as nomeações em comissão e casos de contratação por prazo determinado) são disposições constitucionais de eficácia limitada, visto que se subordinam à lei ordinária para que sejam plenamente aplicáveis.

Ora, se estes preceitos constitucionais são de eficácia limitada, não ostentando portanto aplicabilidade irrestrita, somente se tornarão operantes se e quando sobrevier dita...

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