A recuperação da empresa em crise no direito francês

AutorJorge Lobo e Sérgio Pimentel
Páginas148-153

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I-Introdução

A recuperação da empresa em estado de crise económica vem, já há algum tempo, sendo a principal preocupação dos estudiosos do Direito Concursal estrangeiro, os quais, de início, apenas atentos à prote-ção dos direitos dos credores, estão, atual-mente, empenhados em salvaguardar as empresas viáveis.

Nessa linha, a França promoveu uma total reformulação em sua legislação fali-mentar, em especial com a edição da Lei 84-148, de 1.3.84, e da Lei 85-98, de 25.1.85, que substituíram os combalidos institutos da concordata e da falência pelos inovadores procedimentos da recuperação e liquidação judiciais, em que se procura garantir ao máximo a sobrevida da empresa, muitas vezes até mesmo em detrimento de seus credores.

Tais mudanças versaram basicamente sobre três aspectos:

  1. a prevenção das dificuldades das empresas;

  2. a previsão de institutos de caráter extrajudicial para prevenir e equacionar essas dificuldades; e

  3. a instituição de procedimentos judiciais para recuperação e liquidação das empresas.

II-A prevenção das dificuldades

A Lei 84-148, de 1.3.84, trata da prevenção das dificuldades das empresas, através (a) de informações sobre as atividades empresariais e (b) da concessão de financiamentos.

A prática tem demonstrado que grande parte dos problemas enfrentados pelas empresas poderiam ser eliminados caso houvesse informações suficientes sobre sua situação económica e financeira, daí porque a lei buscou melhorar a informação já existente, (1) prevendo a obrigatoriedade, nos grupos de sociedade, da publicação, em documento único, das contas de todas as empresas do grupo, (2) garantindo maior independência do comissaire aux comptes encarregado da auditoria nas contas da empresa, e, (3) estabelecendo a obrigatoriedade de depositar as contas anuais da sociedade em cartório, garantindo maior publicidade à informação.

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Porém, não se ateve o legislador francês à previsão de informações voltadas para o passado, pois criou dispositivos que permitem aos interessados tomar conhecimento de dados atualizados sobre a situação financeira da sociedade, que, projeta-dos, permitem uma avaliação segura sobre as perspectivas futuras.

A grande inovação da Lei 84-148 consiste no caráter preventivo das informações, dadas a conhecer ao comissaire aux comptes, a um representante dos empregados e ao conselho de vigilância (conseil de surveillance), que têm o dever de sobre elas manter sigilo, para evitar quaisquer tipos de abalo à credibilidade da empresa. Estas informações consubstanciam-se (1) em demonstrativos do ativo realizável e disponível e do passivo exigível (terminologia criticada pela doutrina francesa, porquanto não há que se falar em passivo exigível sem cessação de pagamentos, nem se compreende o que o legislador quis dizer com ativo realizável, cfr. Yves Guyon, Droit des Affaires, Ed. Económica, 3a ed., 1991, p. 49), (2) em um quadro de financiamento contendo os recursos disponíveis, e, (3) nos gastos realizados no exercício anterior, além da divulgação de um plano de financiamento, quando houver. Para garantir o sigilo, tais informações preventivas somente são reveladas aos acionistas por ocasião das assembléias-gerais (do contrário, nas companhias que contarem com um número grande de acionistas, poderia haver a divulgação precipitada de informações que porventura aumentasse as dificuldades existentes). É certo que, divulgados os dados na assembléia-geral, não mais se pode falar em sigilo, posto que o universo de pessoas abrangidas inviabiliza qualquer pretensão neste sentido.

A existência deste tipo de contabilidade preventiva é obrigatória nas empresas ditas importantes (que tenham movimentação anual superior a 120 milhões de francos ou empreguem mais de 300 trabalhadores) e facultada às demais, que podem, inclusive, aderir a grupos de prevenção encarregados da análise, juntamente com a Banque de France, das dificuldades encontradas.

A Lei 84-148 instituiu, também, um especial procedimento de aumento de capital, para reforço dos fundos das empresas, notadamente com a criação de novos valores mobiliários, como os ditos compostos ou inominados, mesclando as características de outros títulos (direito de voto, direito a dividendos prioritários etc), cuja emissão recebe incentivos fiscais ou certificados de investnclusive, aderir a grupos de prevenção encarregados da análise, juntamente com a Banque de France, das dificuldades encontradas. A Lei 84-148 instituiu, também, um especial procedimento de aumento de capital, para reforço dos fundos das empresas, notadamente com a criação de novos valores mobiliários, como os ditos compostos ou inominados...

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