O recurso de agravo e a lei no11.187/05

AutorFlávia Pereira Hill
CargoMestranda em Direito Processual pela UERJ. Pós-graduada em Direito Processual pela Universidade Gama Filho. Tabeliã.
Páginas168-190

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1. Introdução:

No Direito Romano, tanto no período da legis actiones quanto no período formulário, as decisões interlocutórias (interlocutiones) não eram recorríveis. Isso porque, em ambos os períodos, a decisão era proferida por juiz privado, escolhido pelas partes, cumprindo ressaltar, ainda, quanto ao período formulário2, que o pretor elaborava a "fórmula" e, posteriormente, as provas eram produzidas perante o iudex, escolhido pelas partes. Inexistia hierarquia entre ambos, o que inviabilizava a existência de agravo de instrumento, dada a ausência da estrutura hierárquica necessária para tanto, notadamente a existência de juízes de graus de jurisdição diversos3. Com efeito, a origem do agravo remete à figura do Rei, uma vez que as queixas dos súditos – denominadas "querimas" ou "querimônias" - eram a ele dirigidas, que as avocava para si, a fim de examinar a justiça da decisão. As querimas deveriam ser acompanhadas de "cartas testemunháveis", elaboradas pelo escrivão ou "estormentos públicos", elaboradas pelo tabelião, que atestavam a verdade das alegações tecidas pelo requerente. Em um primeiro momento, as querimas eram examinadas diretamente pelo Rei e, ao depois, este passou a encaminhá-las à autoridade jurisdicional superior.

A nomenclatura "agravo" originou-se do uso incorreto da palavra. Isso porque os indivíduos dirigiam ao juiz as querimas, a fim de tentar reverter o agravo sofrido. No entanto, correntemente, diziam que haviam submetido o seu "agravo" ao Rei e, com isso, a medidaPage 169processual adotada acabou por substituir o resultado que se buscava remediar, restando consagrada a expressão "agravo" pelo uso.

O agravo, com as características com que hoje se apresenta, teve a sua primeira previsão nas Ordenações Manuelinas, de acordo com o ilustre jurista Moacyr Lobo da Costa4.

Aportando em momento posterior, temos que o Código de Processo Civil de 1939 previu três regimes de agravo: de instrumento, de petição e no auto do processo. No aludido compêndio, o legislador previu, casuisticamente, as hipóteses em que cada qual dos regimes deveria ser adotado pelo recorrente. No artigo 8425, estavam previstas as hipóteses de cabimento do agravo de instrumento, sendo certo que o agravo no auto do processo, que equivaleria, mutatis mutandis, ao atual agravo retido, tinha as suas hipóteses de cabimento previstas no artigo 8516.

O agravo de petição, por sua vez, se destinava a reformar a chamada "decisão terminativa", que extingue o processo sem examinar o mérito, e se processava nos próprios autos principais, consoante dispunha o artigo 8467 do Diploma de 1939.

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O Código de Processo Civil de 1973, diversamente do Diploma anterior, optou por adotar, em sua redação original, o agravo de instrumento como regra geral.

No entanto, verifica-se que as reformas implementadas desde então, no texto do Código de 1973, caminharam no sentido de restringir as hipóteses de cabimento do agravo de instrumento, até culminar com a Lei Federal nº 11.187/05, que, adotando posicionamento diametralmente oposto, instituiu o agravo retido como regra geral, conforme será exposto em momento posterior do presente trabalho.

Com efeito, a fim de elaborar um breve panorama das sucessivas Reformas do Código de Processo Civil de 1973 em matéria de agravo, poder-se-ia separá-las, sucintamente, em quatro fases:

  1. fase: redação original do CPC/1973. Características:

    Impugnação dirigida ao juiz prolator da decisão agravada;

    A retenção ou não do agravo derivaria exclusivamente de uma opção do

    Prazo para agravo de 5 dias;

    Formação do instrumento contava com a participação do cartório e do agravado;

    Havia possibilidade de juízo de retratação, que, se fosse exercido, permitia que o agravado aproveitasse o recurso já interposto em seu favor.

  2. fase: 1ª reforma (lei nº 9.139/1995). Características:

    Endereçamento do agravo para o Tribunal;

    Imposição do agravo retido em situações isoladas;

    Possibilidade de apresentação oral de agravo retido contra decisão proferida em audiência;

    Alargamento do prazo para agravo para 10 dias;

    Carreou ao agravante o ônus de formar o instrumento;

    Outorgou ao relator poderes para antecipar a tutela recursal e suspender os efeitos da decisão agravada;

    Incentivou que o relator julgasse liminar e monocraticamente os agravos manifestamente inviáveis;

    Dispôs que se dê por prejudicado o agravo, na hipótese de exercício do juízo de retratação.

  3. fase: 2ª reforma, intitulada ?Reforma da Reforma? (lei nº 10.352/01). Características:

    Ampliação das hipóteses de retenção impositiva do agravo;

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    Imposição sanção de não-conhecimento do agravo no caso de o agravante não comunicar ao prolator da decisão acerca da interposição do agravo, se o agravado suscitar a questão;

    Incentivou-se ainda mais o julgamento monocrático e liminar pelo relator;

    Autorizou-se o relator a converter o agravo de instrumento em agravo retido.

  4. fase: Lei nº 11.187/2005. Características:

    Transformação do agravo retido em regra e agravo de instrumento em exceção.

    Imposição do agravo retido e oral, a ser interposto imediatamente, contra decisões proferidas em AIJ;

    Ordem para que o relator determine a retenção dos agravos de instrumento em dissonância com as hipóteses legais;

    Autorização para que o agravado apresente, além das peças do processo, documentos inéditos;

    Irrecorribilidade das decisões do Relator sobre retenção do agravo, antecipação da tutela recursal e concessão de efeito suspensivo.

2. Princípios norteadores da recente reforma

A partir do exame dos lineamentos da Reforma introduzida pela lei federal nº 11.187/05, traçados no item anterior, verifica-se que o legislador norteou-se, especialmente, pelos seguintes princípios processuais.

Princípio da celeridade, na medida em que, ao tornar o agravo retido a regra geral, visou o legislador a condensar o reexame das questões incidentais em um mesmo momento processual, notadamente por ocasião do julgamento da apelação, e evitar que o Tribunal seja chamado a julgar, separadamente, diversos recursos de agravo ao longo do processo, procurando, com isso, reverter o que se tem chamado de "crise de tempestividade da prestação jurisdicional"8. Com efeito, a sistemática anterior à reforma ocasionava um maior dispêndio de tempo, inclusive porque, não raro, a parte agravante requeria a concessão de efeito suspensivo ao agravo ou, ainda que este não fosse concedido, as partes acabavam por aguardar o julgamento do recurso para, verdadeiramente, impulsionar o processo. Digno de destaque que o prestígio do legislador ao princípio da celeridade se coaduna com a garantia da razoável duração do processo, assegurada pela Constituição Federal no artigo 5º, inciso LXXVIII, em razão da recente Emenda Constitucional nº 459.

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De igual sorte, o princípio da economia processual norteou o legislador, eis que a recente Reforma buscou instituir procedimentos mais simples, desburocratizando-os.

É autorizado concluir, outrossim, que o princípio a oralidade igualmente orientou as alterações implementadas, como, por exemplo, ao ser prevista a interposição de agravo retido obrigatoriamente oral contra decisão proferida em audiência de instrução e julgamento, por força da nova redação dada ao artigo 522, §3º, do CPC.

3. Agravo retido como regra geral
3. 1) Hipóteses de cabimento do agravo de instrumento

A Lei Federal nº 11.187/05, alterando a redação dada ao artigo 522, caput, do CPC, tornou o agravo retido a regra geral no que tange à recorribilidade das decisões interlocutórias em nosso sistema.

Cumpre destacar que o eminente processualista Athos Gusmão Carneiro minimiza o impacto surgido com a alteração legislativa em comento. De fato, o autor reconhece que o termo "converterá", adotado na redação atual, é bastante forte, mas entende que o relator sempre dispôs do poder-dever de converter o agravo de instrumento em retido, quando não fosse urgente a tutela recursal pretendida. Segundo o ilustre jurista, o Relator nunca possuiu autêntica discricionariedade10 nessa avaliação, mas pôde apenas lançar mão de certo grau de flexibilidade que, segundo afirma, seria inerente ao exame de conceitos jurídicos indeterminados, como é o caso, por exemplo, do conceito de "lesão grave e de difícil reparação", expressão utilizada pelo legislador da reforma e que há existia em nosso Código. Pretende o citado jurista, com isso, afirmar que, agora não mais do que antes, cabe ao juiz, sempre que presentes os requisitos legais, converter o agravo de instrumento em retido, não havendo, por isso, profunda alteração, quanto a esse ponto, em decorrência da recente Reforma11.

No entanto, a maior parte da doutrina, a nosso ver, com razão...

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