Recursos

AutorPaulo Bandeira
Páginas95-114

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Independentemente dos discursos doutrinários, o que não é objeto deste trabalho, o fato é que a principal característica do recurso é a voluntariedade (posição quase unânime da doutrina), qual seja, a vontade, a disposição do perdedor em recorrer. É bem verdade que a União, os Estados, os Municípios e outros entes têm à sua disposição um instituto específico: o duplo grau de jurisdição ou remessa necessária. Assim, se a Fazenda Pública perde uma demanda, mesmo que o procurador (Advogado que representa a Fazenda) não recorra, os autos sobem para o Tribunal para que seja novamente reapreciado. Aliás, será que todos são, de fato, iguais perante à lei? Ora, por que a Fazenda dispõe desse privilégio? Nelson Nery Júnior afirma que "o reexame previsto no art. 475 do CPC não se inclui na proteção do duplo grau de jurisdição, nem o caracteriza". Na verdade, afirma o autor, "não se trata de recurso, por faltarem-lhe os pressupostos de tipicidade, voluntariedade, dialeticidade, interesse em recorrer, legitimidade, tempestividade e preparo". Afirma, ainda, que "infringe os princípios da isonomia e do devido processo legal".71Não seria demais lembrar que a Fazenda já dispõe dos benefícios, quanto aos prazos do art. 188 do CPC, seja para contestar, seja para recorrer. Que se ampliem, então, tais prazos para os recursos. O que não se pode admitir é que, em detrimento do benefício das partes, a Fazenda disponha de tantas benesses.

Para não confundir o leitor, lembramos que tal dispositivo encontra-se no art. 475 e em seus incisos - não há como se confundir, repise-se com o art. 475, letras "A" e "R", que trata da liquidação e cumprimento da sentença.

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Afastando-se a exceção acima, pode o desfavorecido recorrer de todas as decisões que a lei considere passíveis de recurso. Vocês se lembram do despacho do Juiz que não admite recurso? Aqueles que tratam da rotina cartorária, como a remessa dos autos ao contador judicial? Isso se encontra no art. 504 do CPC. Quanto às outras decisões, desde que, de alguma forma, mudem o curso do processo, são suscetíveis de recur-sos, principalmente, os seguintes:

A - Apelação

É o recurso cabível contra sentença, conforme art. 513 do CPC. O desfavorecido no processo, aquele que se sinta injustiçado, poderá apelar, e o fará de forma que os desembargadores do Tribunal de Justiça ou do Tribunal Regional Federal (nas hipóteses do art. 109 da Constituição Federal) tomem conhecimento de suas razões para o apelo. Assim, tal como a Petição Inicial, há alguns requisitos a serem atendidos para se elaborar uma petição de apelação. De plano, urge destacar que existe um prazo, ou seja, tem de ser tempestiva, e o lapso temporal é de quinze dias (nos Juizados Especiais Cíveis - Lei nº 9.099/95 - o prazo é de dez dias), sob pena de, se ocorrer preclusão, haverá perda do direito de se praticar o ato. Neste caso, have-rá a preclusão temporal. Outras modalidades existem como a preclusão lógica e a consumativa. Para se apelar, faz-se necessário recolhimento de valores a favor da Justiça, que nesta fase recebem a denominação de "preparo", sob pena de deserção, que é a pena a ser aplicada pela desídia (abandono, desleixo) do Recorrente, conforme preceitua o § 2º do art. 511 do CPC. É bem verdade que muita gente é beneficiária da gratuidade de Justiça, na forma da Lei nº 1.060/50; a apelação não é dirigida ao Tribunal. Há um trâmite burocrático a ser seguido. Assim, ela é dirigida ao próprio Juiz que prolatou a sentença, o qual, verificando os requisitos de admissibilidade (em regra, tempestividade e preparo), abrirá oportunidade para que o apelado

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fale, a fim de atender ao princípio constitucional do contraditório, são as chamadas contra-razões. Apresentadas ou não estas, os autos serão enviados ao tribunal para que um colegiado reexamine a questão, à luz dos argumentos do apelante. Além dos requisitos anteriores, no Tribunal serão verificados outros, mais específicos.

É bom que se diga que o Juiz de primeira instância, o prolator da sentença, também conhecido como Juízo a quo, não pode modificar sua decisão. Isso é tarefa do tribunal, por inter-médio de seus desembargadores. Pode, sim, corrigir algum erro material quanto à redação do texto ou, até, suprir eventual omissão, contradição ou obscuridade, por meio de embargos de declaração, no prazo de cinco dias, a contar da publicação da sentença. Não pode, contudo, tornar procedente o que era improcedente e vice-versa.

"Art. 463 - Ao publicar a sentença de mérito, o Juiz cumpre e acaba o ofício jurisdicional, só podendo alterá-la:

  1. Para lhe corrigir, de ofício ou a requerimento da parte, inexatidões materiais, ou lhe retificar erros de cálculo;

  2. Por meio de embargos de declaração."

    Chegando os autos ao tribunal, haverá nova distribuição, caindo em uma das dezenas de Câmaras (colegiados), sendo, na sequência, sorteado um relator, que será o desembargador responsável pela leitura mais refinada do recurso, e pelo voto, bem como um revisor, a fim de rever a apreciação do primeiro desembargador. Por fim, em data previamente designada, have-rá uma sessão colegiada, pública (ressalvadas as hipóteses do art. 155 que preveem o segredo de Justiça), em que estarão presentes os Desembargadores, Advogados e, querendo, as partes.

    O recurso, então, será julgado, podendo o patrono da causa fazer uso da palavra (sustentação oral), utilizando-se de um tempo, se quiser, para expor os motivos do recurso. Na sequência, o relator votará, e os outros, o revisor e um terceiro,

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    denominado vogal, também opinarão. A decisão desse colegiado recebe a denominação de acórdão.72Havendo unanimidade, restará à parte vencida, querendo, embargar de declaração (quando houver equívocos) ou, em situações excepcionais, recorrer aos Tribunais Superiores, em Brasília. Repete-se: somente em situações especiais ou extraordinárias.

    O recorrente, ao dirigir sua pretensão ao tribunal, pretende, é claro, ouvir a opinião de, pelo menos, três pessoas mais experientes (em tese). Ocorre que, dentro do que se convencionou chamar "reforma do judiciário" e, em busca de maior rapidez nas decisões, um dispositivo do CPC73permite, em certas hipóteses, que um só Desembargador, de forma isolada (monocraticamente) decida a questão, negando seguimento ao recurso. Esta decisão impede que o recurso de Apelação seja levado a uma sessão pública, a fim de ser apreciado pelos outros magistrados pode, e deve, ser atacada por outro Recurso, por alguns chamado de Agravo Inominado, de forma a levar o inconformismo a tal sessão de julgamento. A não interposição deste recurso, no prazo exíguo de cinco dias, causará problemas em momento posterior, quando da apreciação de eventuais Recursos (Especial e Extraordinário), uma vez que não teriam sido esgotados todos os recursos. Podemos, efetivamente, chamar isso de celeridade processual?

    B - Embargos de declaração

    Os embargos de declaração servem para que uma sentença ou acórdão, contraditórios, omissos ou obscuros sejam devidamente esclarecidos.

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    Para visualizar melhor o conceito, observe o seguinte trecho de uma sentença: "... ainda que não exista no ordenamento jurídico previsão para indenização por dano moral, condeno o réu ao pagamento do dano moral no valor de...". Faz sentido para você? Claro que não. Este texto dificulta até eventual recurso de apelação. Desse modo, essa contradição deve ser sanada, corrigida, e isso deve ser feito por meio dos embargos de declaração.

    A propósito, hoje, mais do que sanar eventuais equívocos, esse instrumento serve também para que a parte questione ou pré-questione o magistrado, em caso de eventual violação ao dispositivo de lei ou da Carta Magna, bem como divergências jurisprudenciais. Ainda que a interposição de embargos não surta efeito imediato, mostrar-se-á útil no futuro, caso haja pretensão em enviar os autos para instâncias superiores, em Brasília. Dessa forma, a questão já terá sido abordada, não podendo os Ministros (magistrados dos Tribunais Superiores) alegarem que o fato não foi examinado de forma exaustiva, nos tribunais ou até em primeira instância.

    Não há necessidade de recolhimento de custas (preparo) para interposição de tal recurso.

    Os embargos de declaração, portanto, têm natureza de recurso, tanto que dessa forma estão dispostos no Código de Processo Civil, nos arts. 535 a 538, in verbis, e fazem parte do elenco taxativo do art. 496:

    "Art. 535. Cabem embargos de declaração quando:

  3. Houver, na sentença ou no acórdão, obscuridade ou contradição;

  4. For omitido ponto sobre o qual devia pronunciar-se o Juiz ou Tribunal.

    Art. 536. Os embargos serão opostos, no prazo de 05 (cinco) dias, em petição dirigida ao Juiz ou relator, com indicação do ponto obscuro, contraditório ou omisso, não estando sujeitos a preparo. (grifo ora aposto).

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    Art. 537. O Juiz julgará os embargos em 05 (cinco) dias; nos tribunais, o relator apresentará os embargos em mesa na sessão subsequente, proferindo voto.

    Art. 538. Os embargos de declaração interrompem o prazo para a interposição de outros recursos, por qualquer das partes. Parágrafo único. Quando manifestamente protelatórios os embargos, o Juiz ou o Tribunal, declarando que o são, condenará o embargante a pagar ao embargado multa não excedente de 1% (um por cento) sobre o valor da causa. Na reiteração de embargos protelatórios, a multa é elevada a até 10% (dez por cento), ficando condicionada a interposição de qualquer outro recurso ao depósito do valor respectivo."74Uma vez interpostos os embargos, o prazo para outro recurso (apelação, por exemplo) será interrompido, ou seja, depois de julgados os embargos de declaração, será devolvido ao apelante no prazo de 15 (quinze) dias para apelar. Relevante destacar que nos Juizados (Lei 9.099/95) haverá suspensão do prazo.

    Há uma nítida diferença entre suspensão do prazo e inter-rupção. No primeiro caso, conta-se o prazo até a interposição do recurso, voltando à contagem após o julgamento. É...

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