Reflexões sobre a noção de qualidade de vlda

AutorAnne Fagot-Largeault
Páginas82-107
REFLEXÕES SOBRE A
NOÇÃO DE QUALIDADE DE VlDA>
REFLECTIONS ON THE CONCEPT OF LIFE QUALITY
Anne Fagot~Largeault(*v
RESUMO
A discussão sobre
a
"qualidade
da
vida"
é um dos
temas marcantes
do
nosso
tempo, provocando reflexões
de
natureza teórica
e
também influindo
sobre decisões
de
ordem prática.
A
própria noção
de
"qualidade
da
vida"
tem
sido
objeto
de
muitas polêmicas,
que
ganham complexidade quando
no to-
cante
à
vida
se
procura estabelecer
a
melhor relação quantidade-qualidade.
É preferível proporcionar maior quantidade
de
vida,
ou
seja, vida mais
lon-
ga, independentemente
da
qualidade,
ou
será melhor abreviar
a
duração
da
vida
se a
qualidade
for
inferior? Essas questões,
já
suscitadas
sob a
pers-
pectiva
do
"dilema médico", ganharam enorme importância pela influência
que exercem hoje sobre
as
decisões
no
âmbito
da
saúde pública
e
sobre
a
definição
e
implementação
de
políticas públicas.
"A
saúde
é
direito
de
todos
e dever
do
Estado",
mas os
recursos disponíveis para
os
cuidados
de
saúde
o limitados
e
muitos deverão
ser
excluídos: qual
o
critério para escolher
os beneficiários?
Para
os
moralistas
"utilitaristas"
os
critérios predominantes
devem
ser de
ordem prática,
ao
passo
que os
deontologistas
m uma no-
ção
de
"dever ético"
que se
sobrepõe
a
considerações
de
conveniência.
Pe-
rante questões como
a
legalização
do
aborto
e da
eutanasia, como também
na definição
das
políticas
de
saúde, será possível
a
conciliação dessas cor-
rentes?
E
possível falar-se numa "convergência" dessas moralidades?
Sem
qualquer dúvida,
a
discussão
do
tema
é
necessária.
Palavras-chave
Expectativa
de
vida
qualidade
de
vida
dilemas morais
deonto-
logia
ética
utilitarista.
(**)
Artigo originalmente publicado
na
revista
Archives de philosophie du
droit.
Paris, Sirey,
t. 36,
1991 e
agora
traduzido
e
publicado
com
autorização
da
autora.
O
Professora
da
Universidade
de
Paris
X,
Nanterre.
ABSTRACT
Discussion
around "quality of
life"
is one of the most remarkable the-
mes nowadays, occasioning theoretical reflections and also influencing prac-
tical
decisions. The very notion of "quality of
life"
has
been
figuring as a pole-
mical subject, the most complex arguments arising whenever the best relati-
onship
quantity-quality is sought as concerned to
life.
Is it preferrable to pro-
vide more quantity of
life,
i.e., longer
life,
regardless of quality, or is it better
to
abbreviate life span if its quality is worse?
These
questions, already raised
under the perspective of "medical dilemma",
became
relevant to a very great
extent for their influence on decisions involving public health and public
poli-
cies definition and implementation. "Health is a right of all and a duty of the
State", but healthcare available resources are limited and many shall be ex-
cluded:
which is the criterion to choose the ones to benefit? For
"utilitarian"
moralists,
practical criteria must prevail, while deontologists support a
con-
cept of "ethical duty" over convenience consideration. Is it possible for these
trends to conciliate when faced with such questions as legalizing (or not)
abortion
and euthanasia, or in the health policy decision-making process? Is
it
possible to conceive a convergence of these moralities? Undoubtedly, the
theme requires further discussion.
Key words
Life expectancy - quality of life - measure - moral dilemmas - deontolo-
gical
ethics -
utilitarist
ethics.
A noção de "qualidade da vida" está no ar. As reflexões que seguem
abordam a questão sob o enfoque medico ("health-related quality of
life":
H.Q.L.)
"saúde relacionada com a qualidade de vida:
H.Q.L.".
Um exemplo,
no tratamento de doenças crônicas,o é mais suficiente provar que uma
terapêutica nova é eficaz e desprovida de toxicidade. É preciso comprovar
que comparando a eficácia e toxicidade àquelas do tratamento padrão, o
novo tratamento propicia aos doentes uma melhor qualidade de vida. Assim
a hipertensão
(H.T.A.)
é facilmente controlada por toda espécie de medica-
mentos pouco tóxicos nas doses eficazes, mas seus efeitos colaterais (pesa-
delos,
diminuição de desempenho sexual, estado depressivo)o freqüente-
mente mal suportados, provocando abandono do tratamento.
Grandes
es-
forços
foram despendidos há dez anos (ex. 11), com a ajuda da indústria
farmacêutica, para descobrir quaiso os esquemas terapêuticos que tra-
tam da hipertensão de forma tecnicamente satisfatória, sem deteriorar a qua-
lidade de vida.
Observaremos, para começar, que
fazer
intervir as considerações de
quantidade-qualidade de vida para ajudar a resolver um "dilema" médico
o é uma novidade. O que é relativamente novo nas nossas sociedades
democráticas é o esforço feito para tornar essas considerações explícitas,

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