A reforma da lei reformando o juiz

AutorLuiz Otávio Linhares Renault, Márcio Túlio Viana, Leonardo Tibo Barbosa Lima, Raquel Portugal Nunes
Páginas132-153
132
A REFORMA DA LEI REFORMANDO O JUIZ
THE LEGAL REFORM RE-FORMING THE JUDGE
Luiz Otávio Linhares Renault1
Márcio Túlio Viana2
Leonardo Tibo Barbosa Lima3
Raquel Portugal Nunes4
RESUMO: Ao aplicar a lei, o juiz escolhe. Sua sentença, em certa medida, não é pura descoberta, mas também
invenção. Querendo ou não, ela afeta não apenas a vida do autor e do réu, mas a vida da própria norma.
Inversamente, porém, também a norma pod e afetar o juiz. Este texto, apoiado na tese de Ortega y Gasset de que
a pessoa é a pessoa e suas circunstâncias, enfoca essas duas hipóteses, enfatizando a segunda. Seu principal
objetivo é mostrar, em formato ensaístico, como a reforma trabalhista vem afetando o juiz do trabalho e as suas
decisões.
PALAVRAS-CHAVE: Juiz do trabalho; Reforma trabalhista; Interpretação; Flexibilização.
SUMÁRIO: 1. Introdução. 2. O juiz e as suas circunstâncias. 3. A nova lei e as suas circunstâncias. 4. Como a
lei pode afetar o juiz. 4.1. O quadro geral. 4.2. Situação na primeira e segunda instâncias. 4.2.1. Na primeira
instância. 4.2.2. Sobre o volume de processos e outras questões. 4.2.3. Na segunda instância. 5. Como o juiz
pode afetar a lei. 5.1. Aspectos negativos. 5.2. Aspectos positivos. 6. Conclusões. 7. Referências bibliográficas.
ABSTRACT: In applying the law, the judge makes a choice. His decision is, to an extent, not only a discovery
but an invention. A judge's decision will affect not only the lives of plai ntiff and defendant but that of the norm
itself. Concurrently, Legal Norm may affect the judge as well. This essay, based on Ortega e Gasset theory that
the person is the person and his ou hers circustances, focuses on these two hypothesis, with a particular focus on
the latter. Its main aim is that of demonstrating how the Labour Reform has been affecting Labour Law judges
and their decisions.
KEYWORDS: Labour law judge; Labour reform; interpretation; flexibility.
SUMMARY: 1. Introduction. 2. The judge and his circumstances. 3. The new law and its circumstances. 4. How
the law can affect the judge. 4.1. General context. 4.2. Situation in the first and second instances. 4.2.1. In the first
instance. 4.2.2. About process amount and other issues. 4.2.3. In the second instance. 5. How the judge can affect
the law. 5.1. Negative aspects. 5.2. Positive aspects. 6. Conclusion. 7. References.
1 INTRODUÇÃO
Desde os bancos da Faculdade, aprendemos que o Direito, em teoria, é pura ciência.
Mais tarde, com o passar da vida, observamos que a prá tica do Direito, por mais científica
que pretenda ser, talvez seja, também, uma espécie de arte.
Artigo enviado em 24/07/2019.
Artigo aprovado em 20/09/2019.
1 Desembargador do TRT da 3ª Região. Ex-professor do Programa de Pós-graduação da PUC Minas.
2 Desembargador aposentado do TRT da 3ª Região. Professor do Programa de Pós-graduação da PUC Minas.
3 Juiz do Trabalho Substituto do TRT da 3ª Região. Professor de Direito e Processo do Trabalho.
4 Mestra em Direito do Trabalho pela UFMG. Assessora do Ministério Público Federal em Minas Gerais.
133
Aliás, Carnelutti, em obra clássica - um pequeno livreto intitulado “Arte do Direito”
já escrevia:
Percebi, finalmente, que estudar o Direito e a Arte significa atacar de dois ângulos diversos
o mesmo problema. A Arte, como o Direito, serve para ordenar o mundo. O Direito, como
a Arte, estende uma ponte do passado ao futuro.5
São quase infinitas as variáveis que afetam o legislador, o intérprete e o aplicador da
norma. E o que cada um deles pensa, sente e faz reflete o seu modo de ver o mundo e o de se
posicionar diante dele. Cada qual interpreta o mundo a partir de onde tem os seus pés e os
seus olhos. Mundos interior e exterior. Imersão em si e de si, com projeção do eu interior
sobre o exterior.
Tal como um pintor ou musicista, o juiz retrata a realidade sob o seu ponto de vista
e, em certa medida, torna-se também coautor. Afinal, como nos ensina Leonardo Boff, “todo
ponto de vista é a vista de um ponto...” 6.
Carnelutti percebeu também esta sutileza - e talvez, quem sabe, certa inversão, pouco
perceptível, de papéis ao dizer: “ao invés de considerar os intérpretes como artistas, a
verdade é que todos os artistas nada mais são do que intérpretes”7.
No entanto, se o olhar de cada um sobre o Direito se sujeita a mil e uma afetações, o
inverso também acontece. A própria norma pode influir no olhar de cada um, condicionando o
seu modo de pensar e as suas atitudes.
Haveria contradição? Talvez sim; talvez não. Mas a verdade é que seria uma adorável
ingenuidade, como nos ensina Carnelutti, pensar que o homicídio ou o furto fossem o que
lemos no Código, e não o que sofremos na vida. Logo:
(...) a semelhança da arte do Direito com a arte musical, denunciada pela necessidade do
intérprete, confirma-se na oposição da suma ilimitação do fim com a suma limitação do
meio representativo; e o conhecimento do Direito não se pode obter sem descobrir como
resolver esta contradição8.
Refletiremos, sucintamente, sobre essas duas hipóteses, mas com ênfase na segunda. E
o pano de fundo será a recente reforma trabalhista, que aliada a outros fatores parece estar
moldando, ou ajudando a moldar uma nova espécie de juiz.
2 O JUIZ E AS SUAS CIRCUNSTÂNCIAS
5 CARNELUTTI, Francesco. Arte do Direito: seis meditações sobre o Direito. Salvador: Livraria Progresso
Editora, 1957, p. 7.
6 BOFF, Leonardo. A águia e a galinha: uma metáfora da condição humana. Rio de Janeiro: Editora Vozes,
1998, p. 9.
7 CARNELUTTI, Francesco. Op. cit., p. 61.
8 Ibidem, p. 63.

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT