Reforma ou Desestruturação Sindical?

AutorIrineu Ramos Filho
CargoAdvogado em Santa Catarina
Páginas9-13

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I Considerações preliminares

A estrutura sindical brasileira não é uma mera cópia da Carta Del Lavoro de Mussolini, que reunia patrões e empregados a partir de corporações fascistas. Em sua origem recebeu valiosas contribuições teóricas de ilustres lideranças oriundas da luta trabalhadora, como Evaristo de Moraes e Joaquim Pimenta. A Constituição de 1988 impôslhe importantes alterações, extinguindo o poder de intervenção do Estado e garantindo outras conquistas de cunho eminentemente democrático. Taxar a atual estrutura pelo adjetivo de fascista é um exagero retórico utilizado por aqueles que intentam, principalmente, fragilizar as organizações dos trabalhadores.

É igualmente equivocada a premissa de que a estrutura sindical brasileira avilta o princípio da representatividade. Essa máxima, talvez utilizada de má-fé, Page 10 é facilmente refutada tendo em vista que a maioria das lideranças políticas que compõem o atual Poder Executivo Federal erigiram-se em meio ao caldo dessa cultura sindicalista.

Por seu turno, é também um enorme exagero culpar a legislação atual pela crise sistêmica que afeta o sindicalismo e as relações entre capital e trabalho. A crise é fruto de uma complexa conjuntura que envolve a evolução histórica das relações entre capital e trabalho em nível mundial, afetada profundamente por causas objetivas e subjetivas demandando soluções particularmente políticas. A crise afeta o sindicalismo do mundo inteiro, possua ele uma estrutura não regulamentada (EUA), contratualizada (Europa) ou legislada (Brasil).

Nosso marco inicial foi a entrada em vigência do Decreto-Lei nº 5.452, de 1º de maio de 1943, em 10 de novembro do mesmo ano, iniciando-se então uma nova era para as relações entre capital e trabalho no Brasil.

A Consolidação das Leis do Trabalho - CLT, como foi batizada, reuniu o volume até então existente de normas jurídico-legais que disciplinavam o exercício do trabalho nos diversos setores da economia nacional à época.

Fortemente marcada por um cunho corporativista, com laços estreitos que a ligavam indelevelmente à burocracia do Estado, a CLT dedicou mais de uma centena de artigos a disciplinar a atuação dos sindicatos bem como a viabilizar os pleitos coletivos das categorias profissionais representadas. Nesse particular, a Justiça do Trabalho, organizada pelo Decreto-Lei nº 1.237, de 02.05.39, e inserida como parte integrante do Poder Judiciário Nacional pelo artigo 157, inciso XIII, da Constituição Federal de 1946, passou a ter papel preponderante nessa operacionalização.

Com o decorrer do tempo, a partir da necessária e inevitável evolução da sociedade brasileira, tornou-se inarredável uma readequação tanto das normas individuais de tutela das relações de trabalho, quanto, e principalmente, das normas coletivas, incluindo aí a disciplina da instituição sindical.

Com a Carta Política de 1988, pelo artigo 8º do Texto Magno, tentou-se imprimir novos contornos para a atuação dos sindicatos em prol da representatividade dos interesses por eles defendidos, mesmo considerando-se que, ao longo das décadas, a CLT foi sendo alterada, em muitos aspectos de maneira incisiva. Mas as reformas não se demonstraram suficientes ante o advento das novas e imutáveis realidades sociais emergentes, representadas principalmente pelos fenômenos da globalização, da difusão tecnológica e científica, do crescimento demográfico e da crescente escassez dos recursos naturais disponíveis.

Esse caldo de cultura deu ensejo a uma indelével necessidade de mudança a partir da qual, partindo dessa perspectiva, erigiu-se como principais bandeiras de luta em prol da reforma sindical, dois aspectos: a contribuição sindical e a unicidade de representação sindical.

A estrutura sindical brasileira atual teve seu momento histórico de inspiração na década de 30, quando vigia o Estado Novo. Naquela época, fervilhavam os movimentos político-sociais, demandando das forças estatais uma solução que pudesse ordená-los tanto em suas reivindicações quanto em seu modus operandi. Decorrente disso, a organização sindical foi concebida por rmeio, basicamente, de três dispositivos legais: Decreto-Lei nº 19.770, de março de 1931; Decreto nº 24.694, de julho de 1934 e Decreto-Lei nº 1.402, de julho de 1939. Não obstante esses diplomas legais, o artigo 138 da Constituição da República de 1937 estabeleceu os princípios que deveriam reger a disciplina sindical. Esse dispositivo constitucional foi uma adaptação quase literal da III Declaração da Carta Del Lavoro italiana, datada de 1927 e mandada elaborar sob as ordens de Mussolini.

O ápice da normatização e da disciplina sindicais surgiu com a sistematização conferida pela CLT - Decreto- Lei nº 5.452, de 1º de maio de 1943, dotando o Brasil de uma estrutura sindical com raízes corporativas, apenas em parte originadas da concepção fascista italiana, visto terem sido introduzidas muitas alterações relacionadas especialmente com a compatibilidade ao ordenamento jurídico da época, ao perfil sociopolítico do brasileiro de então e às relações entre a sociedade civil e o Governo vigente.

De qualquer forma, os resultados almejados com a estrutura sindical então implantada, embora inconfessos, eram o de proporcionar o controle, através da tutela legal, de todas as relações entre empregados e empregadores, numa estratégia totalitária típica do regime político vivido pelo país à época.

II A proposta de reforma sindical

A proposta de reforma sindical apresentada contém retrocessos objetivos e intrincadas armadilhas. Destaquemos, em síntese, as principais mazelas do modelo proposto:

1 - Centralização sindical na cúpula: a proposta, ao mesmo tempo em que garante reconhecimento das centrais, dá superpoderes às entidades de nível superior. Num de seus artigos encontramos a pérola jurídica de que a central ou confederação poderá "limitar a matéria a ser negociada" pela entidade de primeiro grau ou de base. É o fim, na prática, da autonomia do sindicato e a soberania das assembléias.

2 - Estímulo ao pluralismo sindical: além de estabelecer o princípio do pluralismo sindical, ao criar a aberrante figura da "entidade derivada" - sindicato criado pelas centrais -, o projeto estimula a cisão nas bases, coisa que provocará uma conseqüente fragmentação.

3 - Interferência do Estado: em que pese a vasta retórica em prol da autonomia sindical, o texto apresenta um retrocesso que avilta a evolução político-constitucional da nação brasileira. A proposta confere poderes ao Ministério do Trabalho para "reconhecer a representatividade" das entidades...

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