Registros públicos e boa-fé do comprador de imóveis: mudança na jurisprudência do STJ?

AutorBruno Mattos e Silva
CargoConsultor Legislativo do Senado Federal
Páginas54-57

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O Informativo STJ nº 345, de 18 a 22 de fevereiro de 2008, publicou ementa de um julgamento que expressamente afirmou estar alterando a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça referente à fraude à execução: trata-se do Recurso Especial nº 618.625/SC, julgado em 19 de fevereiro de 2008.

1. Uma aquisição imobiliária nula ou ineficaz "contamina" as subseqüentes?

O sistema registral imobiliário brasileiro adota o princípio de que se presume ser proprietário do imóvel a pessoa que nele figura nessa situação. Isso significa que o registro pode ser alterado, caso um interessado demonstre que a pessoa que figura como proprietária do imóvel no registro imobiliário não é a verdadeira proprietária. Por isso se diz que nosso sistema adota o princípio de que o registro é relativo e não absoluto.

Essa questão deixa de ser meramente teórica ou acadêmica quando estamos diante da invalidação ou declaração de nulidade ou ineficácia de um registro pretérito, do qual decorreu o registro atual da pessoa que figura como proprietária.

Os casos mais comuns em que isso acontece são as hipóteses de registro de aquisição de imóvel em fraude à execução, em fraude contra credores, em fraude a herdeiros, ou mediante procuração falsa, o qual, posteriormente, é alienado para terceira pessoa, que adquire a propriedade do imóvel por meio de uma operação aparentemente sem qualquer vício.

A questão, assim, é a seguinte: uma alienação de imóvel passível de invalidação, declaração de nulidade ou de ineficácia, pode "contaminar" as alienações subseqüentes?

2. A jurisprudência predominante do Superior Tribunal de Justiça e a boa-fé do comprador

O Superior Tribunal de Justiça (STJ) até chegou a afirmar, em uns poucos julgamentos, que a validade e eficácia da aquisição da propriedade imobiliária, decorrente do último registro de transferência dessa propriedade, dependeria da validade ou eficácia das aquisições anteriores. Podemos destacar os seguintes precedentes: "Processual Civil. Fraude à Execução. Alienações sucessivas. I - A sentença mantida por esta Corte, no sentido de que houve fraude à execução na alienação do imóvel em questão, contamina as posteriores alienações. Precedente. II - Recurso especial não conhecido."1

"A venda de bem feita por procurador a quem não foram outorgados poderes para realizar o negócio apresenta vício insanável, não sendo possível prestigiar a boa-fé daquele que, em venda sucessiva, adquire o imóvel de pessoa em cujo nome o imóvel foi registrado."2

"Processual Civil. Fraude de execução. Alienações sucessivas. Contaminação. Ineficaz, em relação ao credor, a alienação de bem, pendente lide que pode levar à insolvência do devedor, a fraude de execução contamina as posteriores alienações, independentemente de registro da penhora que sobre o mesmo bem foi efetivada, tanto mais quando, como no caso, já fora declarada pelo juiz da execução, nos próprios autos desta, a ineficácia daquela primeira alienação."3

Esses julgamentos seguiam a orientação do Supremo Tribunal Federal (STF) anterior à Constituição Federal de 1988 (CF/88), quando o STF era competente para apreciar, em recurso extraordinário, a violação à lei federal:

"Compra e venda. Nulidade. Registro imobiliário. Ato ilícito. Terceiro de boa-fé. 1. O registro imobiliário em favor de terceiro não é óbice a que se reivindique o imóvel cuja alienação está viciada originariamente. 2. A restituição das partes ao 'statu quo ante', quando da anulação do negócio jurídico, é imposição inarredável, sem que disso resulte desamparo ao terceiro de boafé, cujas formas de proteção o ordenamento jurídico prevê. Recurso extraordinário conhecido e provido."4

Trata-se de entendimento mantido até hoje pelo Tribunal Superior do Trabalho (TST) a respeito do tema:

"Oportuno ressaltar que os terceiros de boa-fé (elemento subjetivo alheio ao art. 593, II, do CPC) não podem se opor ao negócio feito em fraude à execução Page 55 (que se perfaz unicamente com os elementos objetivos), que restou incontroverso in casu e que não constitui o objeto da presente rescisória, razão pela qual os eventuais prejuízos sofridos pelos adquirentes devem ser solvidos pela via ordinária da ação de regresso contra o alienante (no caso, o Executado), junto à Justiça Estadual Comum."5

Contudo, a jurisprudência largamente majoritária do STJ atualmente é no sentido de que o terceiro adquirente não pode perder a propriedade do imóvel, salvo se demonstrada a sua má-fé:

"Processo Civil. Fraude à execução. Terceiro de boa-fé. A ineficácia, proclamada pelo art. 593, II, do Código de Processo Civil, da alienação de imóvel com fraude à execução não pode ser oposta ao terceiro de boa-fé. Embargos de divergência conhecidos, mas não providos."6

"Direito processual civil. Execução de título extrajudicial. Fraude de execução. Pressupostos. Análise. Penhora não efetivada. Prova da insolvência do devedor. Ônus do credor. - Para que a alienação ou oneração de bens seja considerada em fraude de execução, quando ainda não realizada a penhora, é necessário que o credor faça a prova da insolvência de fato do devedor. - Não há de se falar em presunção de insolvência do devedor em favor do credor, portanto, quando ainda não efetivado o ato de constrição sobre os bens alienados. Isso porque a dispensabilidade da prova da insolvência do devedor decorre exatamente da alienação ou oneração de bens que já se encontram sob constrição judicial. Recurso especial provido."7

"Civil. Sucessão hereditária. Alienação de ascendente a descendentes. Venda posterior a terceiros. Ação de declaração de nulidade das escrituras. CC, art. 1.132. aquisição de boa-fé. Ato anulável. Prova de venda efetuada por valor inferior ao dos bens. Ausência. I. A venda por ascendente aos filhos depende do consentimento de todos os descendentes, nos termos do art. 1.132 do Código Civil, sendo desinfluente o fato de o...

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