Regulação jurídica, políticas públicas municipais e responsabilidade social das empresas

AutorSaulo de Tarso Silvestre Sanhueza Manriquez; Fabiane Lopes Bueno Netto Bessa
Páginas39-55

Saulo de Tarso Silvestre Sanhueza Manriquez. Bolsista PIBIC/CNPq do Curso de Direito da Pontifícia Universidade Católica do Paraná, integrante do projeto de pesquisa Desenvolvimento Sustentável, Responsabilidade Social das Empresas e Cidades. email: lidknorpel@yahoo.com.br

Fabiane Lopes Bueno Netto Bessa. Doutora em Direito das Relações Sociais (UFPR), Mestre em Direito Público (UFPR), professora do Programa de Pós-Graduação em Direito Econômico e Socioambiental da PUC-Paraná, professora convidada do ISAE-FGV, coordenadora do projeto de pesquisa Desenvolvimento Sustentável, Responsabilidade Social das Empresas e Cidades, procuradora licenciada e ex-diretora da Escola Superior da Procuradoria da Fazenda Nacional no Paraná. email: fabiane.bessa@uol.com.br.

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1 Introdução

A cidade é o primeiro núcleo de pertencimento político e social, em torno do qual orbitam as atividades industriais, comerciais, financeiras e de prestação de serviços – tornando-se local privilegiado de crescimento econômico, de concentração de serviços públicos (hospitais, universidades, etc.) e, em alguns casos, conseqüentemente, forte núcleo de atração migratória. É nela que se exercem os direitos e se cumprem os deveres: onde se constrói a cidadania.

Alertando sobre a crescente importância das questões urbanas, como tópico essencial na abordagem do desenvolvimento humano em termos globais, e registrando que, em 1990, das trinta maiores metrópoles mundiais vinte estavam em países subdesenvolvidos (entre os quais, a Índia, China, Paquistão, Brasil e México) a Conferência Mundial das Nações Unidas sobre os Assentamentos Humanos, (Habitat II – Istambul) ocorrida em 1996, e o Relatório sobre o Desenvolvimento Humano elaborado no mesmo ano pelo Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) - estimaram que em 2025, o percentual de habitantes em assentamentos humanos urbanos (que em 1975 era de 37,73% da população mundial) ultrapassaria os 61,07%. A projeção para o Brasil, segundo este estudo, é de que em 2020, 88,94% da população viverá em centros urbanos.

Assim, os impactos ambientais (poluição do ar, sonora, visual), sociais (violência urbana, déficit habitacional, alta concentração de desempregados e de demandas por serviços e equipamentos públicos) e econômicos (concorrência entre cidades, guerras fiscais, influência do poder econômico nas políticas públicas) que hoje são realidades do meio urbano, poderão se estender a 61% da população mundial e quase 90% da população brasileira – como conseqüências das políticas públicas, da regulação econômica e da articulação (ou desarticulação) dos esforços voltados ao desenvolvimento sustentável, por parte dos governos, do mercado e da sociedade civil.

A abordagem dessas questões vem ganhando força nas últimas décadas, em virtude do aumento prodigioso da população urbana, bem como pela crise do modelo econômico baseado no uso de matrizes energéticas não renováveis e no desrespeito ao meio ambiente e à dignidade da pessoa humana, por parte de umaPage 41 parcela significativa de agentes econômicos e mesmo do Poder Público1 – justificando-se, assim, o estudo e a reflexão sobre as relações entre a atuação empresarial e as políticas públicas municipais na promoção do desenvolvimento sustentável.

A questão ambiental, que começou a ser discutida internacionalmente da década de 70 do século que há pouco se encerrou, teve como um de seus principais marcos a Conferência ocorrida em 1992 no Rio de Janeiro, cujo tema central foi o desenvolvimento sustentável e que teve como um de seus principais documentos a Agenda 21. Esta foi o ponto de partida para a formulação das Agendas 212 nacionais, estaduais e municipais. No caso do Brasil, a questão do desenvolvimento sustentável pensado sob o ponto de vista das cidades foi um entre os 6 temas da Agenda 21 Brasileira: Cidades Sustentáveis – que traduz, inclusive, a perspectiva mundial de enfrentamento da questão: “pensar globalmente, agir localmente”3 .

Entre as premissas definidas para o desenvolvimento deste tema estão: diálogo entre a Agenda 21 brasileira e as atuais opções de desenvolvimento, gestão integrada e participativa, foco na ação local, mudança do enfoque das políticas de desenvolvimento e preservação ambiental (substituição gradual de instrumentos de caráter punitivo por instrumentos de incentivo e auto-regulação dos agentes sociais e econômicos) e informação para a tomada de decisão.

Considerando que a própria idéia de desenvolvimento sustentável vincula-se, conforme mais adiante será analisado, ao atendimento a pelo menos três aspectos – o econômico, o social e o ambiental – sua promoção pressupõe a atuação integrada entre C, e sua abordagem deve ser multidisciplinar, pois, com bem observa Lopes (2001, p. 15): “Nenhum dos problemas concretos que na vida real se imponham é de ordem estritamente disciplinar; apenas por razões de arrumação e de simplificação, o conhecimento tem sido academicamente compartimentado.”

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Portanto, a construção de um Direito dinâmico e harmônico com a evolução social, deve necessariamente beber em fontes outras que não a própria, sob pena do ordenamento jurídico se ver esvaziado em sua retórica, distanciando-se cada vez mais da realidade social.

2 Regulação jurídica, políticas públicas municipais e desenvolvimento sustentável

Identificar os pontos comuns ou complementares entre a atuação do Estado, das empresas e da sociedade num esforço de coordenado de promoção do desenvolvimento sustentável é o ponto central deste estudo.

Para tanto, faz-se necessária a prévia estruturação das bases conceituais que permeiam tal reflexão, razão porque se mostra essencial o entendimento dos temas que lhe dão suporte: desenvolvimento sustentável, regulação jurídica, políticas públicas, competência municipal e responsabilidade social das empresas – os quais serão objeto de estudo no desenvolvimento deste trabalho.

2. 1 desenvolvimento, sustentabilidade, desenvolvimento sustentável

Existem várias teorias que visam estabelecer um marco conceitual sobre o termo desenvolvimento.

Veiga (2005) observa que dentre elas, destacam-se as que consideram o desenvolvimento uma ilusão, uma quimera. Uma das expressões desse pensamento é o sociólogo italiano Giovani Arrighi, que vê com bastante ceticismo a possibilidade de mobilidade ascendente na rígida economia capitalista, considerando irrisórias as chances dos países periféricos (pobres) elevarem-se ao nível dos países semiperiféricos (emergentes) e estes ao nível dos países centrais (ricos). Outro autor que adota entendimento semelhante é Celso Furtado na sua obra “O mito do desenvolvimento econômico”, cujo cerne, segundo Veiga (2005, p. 28) é a irrefutabilidade de “que as economias periféricas nunca serão desenvolvidas, no sentido de similares às economias que formam o centro do sistema capitalista”.

A maneira mais comum e antiga de entender o desenvolvimento é aquela que o associa ao crescimento econômico, ou que simplesmente trata ambos como sinônimos. Nesse sentido, observa Veiga (2005, p. 19):

Até o início dos anos 1960, não se sentiu muito a necessidade de distinguir desenvolvimento de crescimento econômico, pois as poucas nações desenvolvidas eram as que se haviam tornado ricas pela industrialização. De outro lado, os países que haviam permanecido no subdesenvolvimento eram os pobres, nos quais o processo de industrialização era incipiente ou nem havia começado. Todavia, foramPage 43 surgindo evidências de que o intenso crescimento econômico, ocorrido durante a década de 1950 em diversos países semi-industrializados (entre os quais o Brasil), não se traduziu necessariamente em maior acesso de populações pobres a bens materiais e culturais, como ocorrera nos países considerados desenvolvidos. A começar pelo acesso à saúde e à educação. Foi assim que surgiu o intenso debate internacional sobre o sentido do vocábulo desenvolvimento. Uma controvérsia que ainda não terminou, mas que sofreu um óbvio abalo esclarecedor, desde que a ONU passou a divulgar anualmente um índice de desenvolvimento que não se resume à renda per capita ou à renda por trabalhador.

O advento do Índice de Desenvolvimento Humano (IDH), em 1990, significou uma ruptura nos critérios de aferição de desenvolvimento, haja vista que o descaracteriza como sinônimo de crescimento econômico, na medida em que avalia três critérios, a saber: educação, renda e longevidade, passando com isso o crescimento econômico, a ser entendido por muitos estudiosos do tema, como um meio de serventia ao desenvolvimento.

Pode-se dizer que o IDH traz no seu bojo a idéia de crescimento, posto que o critério “renda”, é calculado com base no PIB per capita, mas, na medida em que avalia os critérios da educação4 e da longevidade5, impede que o crescimento seja tomado por sinônimo de desenvolvimento.

O crescimento deve vir acompanhado de um aumento na esperança de vida da população, de um baixo índice de mortalidade infantil e de bons níveis de saúde e salubridade para todo o corpo social avaliado6 pois, como bem observa Amartya Sen (2000, p. 29): “o crescimento econômico não pode sensatamente ser considerado um fim em si mesmo”.

Essa concepção não é nova: riqueza, relações comerciais e dinheiro, sempre foram objetos de ponderação ao longo da história da humanidade. Um exemplo disso é o pensamento aristotélico que entende que “[...] a riqueza não é, obviamente, o bem que procuramos: trata-se de uma coisa útil, nada mais, e desejada no interesse de outra coisa”...

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