O regulamento sanitário internacional (2005) e a vigilância em saúde

AutorDaniel Lins Menucci
Páginas54-87
O
REGULAMENTO
SANITÁRIO
INTERNACIONAL
(2005)
E
A
VIGILÂNCIA
EM
SAÚDE
THE
INTERNATIONAL
HEALTH REGULATION
(2005)
AND
HEALTH WATCH
Daniel
Lins
Menucci^
RESUMO
Aborda-se no presente artigo a participação do Brasil e do Mercado
Comum do Sul
(MERCOSUL)
no processo de revisão do Regulamento Sanitá-
rio
Internacional da Organização Mundial da
Saúde
(OMS),
que teve início
em 1995 e foi finalizado em maio de
2005.
Numa visão retrospectiva a
partir
do
exame
documental e de relatos da experiência do autor, enquanto
testemunha ocular desse processoo analisadas as principais mudan-
ças introduzidas neste instrumento de direito internacional, bem como as
medidas necessárias para a sua implementação em cada país e, especifica-
mente, no Brasil. As conclusões apontam para a necessidade de uma ampla
articulação entre os diversos segmentos do setor de saúde e demais setores
envolvidos
no tráfego e comércio entre países, além da cooperação interna-
cional
e do apoio da própria OMS, objetivando evitar a propagação internacio-
nal de doenças e seus agentes patógenos.
Palavras-chave
Direito Internacional; Doenças Transmissíveis; Organização Mundial
da
Saúde
(OMS);
Vigilância Epidemiológica; Vigilância Sanitária.
(*) Sanitarista, Professor Adjunto da Universidade Federal de Pernambuco, Assessor do Ministério da
Saúde/ANVISA,
Doutor, Mestre e Especialista na
área
de saúde mental, saúde do trabalho e saúde
coletiva/vigilância
sanitária de portos, aeroportos e fronteiras. Integrante da delegação brasileira e
umdos pontos focais do Brasil nos fóruns do Mercosul e da Organização Mundial da
Saúde
para a
revisão do Regulamento Sanitário Internacional, desde o ano de
2000
até a 58§ Assembléia Mundial da
Saúde, em maio de
2005.
E-mail:
óar\\e\.menucci@saude.gov.br. Recebido em
9.5.06.
Aprovado em
30.5.06.
ABSTRACT
This article approaches the participation of Brazil and the Common
Market of the South
(MERCOSUL)
in the process of revision of the International
Health Regulation of the World Health Organization (WHO) that had begin-
ning
in 1995 and was finished in May of
2005.
Through a retrospective, from
the documentary examination and from the experiences of the author, an
eyewitness of this process, the main changes introduced in this instrument
are analyzed, as well as the necessary measures for its implementation in
each country and, specifically, in Brazil. The conclusions point to the necessi-
ty
of a large articulation between the different segments of the health sector
and others
areas
involved with the traffic and trade between countries, beyond
the international cooperation and of the support of the OMS itself, with the
objective of preventing worldwide propagation of diseases and its patogen
agents.
Key words
Epidemiologic Watch; International Law; Sanitary Watch; Transmissi-
ble Diseases; World Health Organization
(WHO).
1.
INTRODUÇÃO
Podemos
atribuir a um
agente
patogênico,
como
os vírus, uma origem
geográfica determinada, e até
nomear
doenças a partir do lugar
onde
sur-
gem, mas não podemos lhe atribuir uma residência fixa, principalmente
nes-
te mundo globalizado!
Este trabalho nasceu a partir do convite da profa.
Sueli
G.
Dalian,
em
nome do Centro de Estudos e Pesquisa de Direito Sanitário
(CEPEDISA)
e do Núcleo de Pesquisa em Direito Sanitário (Nap-Disa), da Universidade
deo Paulo. O convite pautou-se na intenção de redigir um artigo sobre o
"novo"
Regulamento Sanitário Internacional
(2005),
haja vista nosso interes-
se pelo tema e por termos participado, desde 1998, do processo de revisão
deste instrumento de direito internacional.
Pretendemos aqui explorar os antecedentes históricos e as razões da
existência e da necessidade de revisão do Regulamento Sanitário Internacional
(RSI),
enquanto marco normativo internacional da Organização Mundial da
Saúde
(OMS),
que visa prevenir e controlar a propagação internacional
de doenças, e suas implicações para a vigilância em saúde, bem como des-
crever o processo de revisão inclusive quanto à participação do
MERCOSUL
neste processo.
Trata-se, portanto, de uma análise de alguém que participou como
testemunha ocular deste processo desde 1998, como parte da equipe e da
coordenação nacional da vigilância sanitária em
portos,
aeroportos e
frontei-
ras do Ministério da Saúde/Agência Nacional de Vigilância Sanitária à épo-
ca, e como um dos pontos focais para este tema, designado pelo governo
brasileiro
junto aos fóruns do
MERCOSUL
e da OMS.
O Regulamento Sanitário Internacional visa à adoção de medidas harmô-
nicas entre os Estados-membros da OMS com vistas a impedir a propagação
internacional
de doenças e seus agentes causadores, evitando-se, ao mesmo
tempo,
interferir desnecessariamente no tráfego e no comércio mundial.
Essa é uma missão
difícil
em um mundo globalizado, no qual se estima
que a marinha mercante de carga geral, responsável por cerca de 80% do
comércio
internacional, emprega a bordo de seus navios cerca de 1,2 mi-
lhões de trabalhadores. No ano de
2000,
cerca de 10 milhões de pessoas
viajaram em navios de cruzeiros e se espera que este número duplique até
o ano de 2010. Em janeiro de
2005,
a frota mundial da marinha mercante era
constituída
de
46.222
embarcações, sendo que 39% de navios era do
tipo
carga geral, 25% de navios tanques/petroleiros, 13% de graneleiros, 12%
de passageiros e 7% de containeiros. No
Brasil,
como reflexo da abertura da
navegação de cabotagem, na década de 80, para os navios de cruzeiro
de bandeira estrangeira, cerca de 160 mil pessoas fizeram cruzeiro na costa
brasileira
no verão passado, esperando-se que na temporada de
2005/2006
este número chegue a 230 mil passageiros(1).
Cada
vez mais o transporte marítimo internacional vem desempenhan-
do
um papel importante na degradação ambiental, seja pelos resíduos des-
pejados no mar, seja pela redução ou eliminação das barreiras naturais de
proteção dos ecossistemas. Essas ações aumentam a homogeneização da
flora
e da fauna em todo o mundo através do transporte de grande quan-
tidade de água de lastro(2) contida em seus tanques(3), bem como globalizam os
(1) Conforme s/te da Organização Marítima Internacional (www.imo.org) e notícias divulgadas na im-
prensa brasileira (Revista "Boa Viagem", novembro
2005).
(2)
Para
lidar com os problemas causados pela transferência de organismos aquáticos nocivos, exóti-
cos
ou patogênicos, a Organização Marítima Internacional OMI, adotou, em 1997, a Resolução
A.868(20),
estabelecendo diretrizes para o controle e gerenciamento da água de lastro dos navios.o
orientações quanto à escolha do local para captar e descarregar lastro, com a recomendação explícita
de que seja efetuada a troca em águas profundas, em mar aberto e afastado da costa, por métodos
reconhecidos por aquela organização. Em fevereiro de
2004
a OMI complementa estas medidas com a
adoção da Convenção Internacional para Controle e Gerenciamento da Água de Lastro e Sedimentos de
Navios.
Nesta
Convenção está prevista medidas de controle para locais de lastramento e deslástra-
melo, previsão para adoção gradativa de tratamento a bordo, de instalações nos portos, para recepção
e destinação ambientalmente segura de água de lastro e sedimentos nela
contidos,
bem como a troca em
alto
mar. Quanto à segurança sanitária, há indicadores
biológicos
para o controle da eficiência dos métodos
adotados.
(3)
SILVA,
Julieta S.V. da
SOUZA,
Cristina CL. de
Água
de lastro ebioinvasão, Rio de Janeiro: Interciên-
cia,
2004.

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT