Estudos Sobre a Directiva 2008/122/CE (Proteção do consumidor relativamente a determinados as pectos dos contratos de utilização periódica de bens, de aquisiçã de produtos de férias de longa duração, de revenda e de troca)

AutorRafael A. M. Paiva
CargoAdvogado no Brasil e em Portugal. Mestre e doutourando em Direito Civil pela Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra
Páginas231-251

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1. Introdução

Com a entrada em vigor da Directiva 2008/122/CE, cria-se no âmbito comunitário uma nova realidade em termos legislativos quanto ao tema referente aos direitos de habitação periódica de bens, não somente em virtude das alterações que procede à disciplina que antes regulava a matéria (já que é revogada a Directiva 94/47/CE), mas também porque passa a dar-se tratamento, pela primeira vez em termos de normativos europeus, a certos aspectos dos chamados "novos produtos de férias" ou "produtos de férias de longa duração".

No âmbito interno, a disciplina concernente aos direitos de utilização periódica de bens vem regulada em Portugal pelo DL 275/93, alterado pelo DL 180/99 e pelo DL 22/2002, referente aos direitos reais de habitação periódica e aos direitos de habitação turística. A transposição da directiva em referência para o ordenamento interno português estava programada para ser realizada até 23 de fevereiro de 2011, o que ocorreu no corrente mês de março de 2011.

Cumpre observar que estes estudos foram realizados previamente à alteração do Decreto-Lei 275/93 pelo Decreto-Lei 37/2011, de 10 de março, em Portugal. Aguardando a entrada em vigor do novo normativo português e reservando maiores considerações para o futuro, adverte-se que as remissões ao diploma lusitano deverão ser revistas. Tal não afeta a validade dos presentes estudos, tanto por permanecerem atuais no plano europeu, quanto porque as modificações determinadas pelo legislador comunitário - e por nós analisadas - foram, em geral, seguidas no plano interno de Portugal.

2. Observações e perspectivas à luz da Directiva 2008/122/CE

A seguir, analisaremos as alterações que mudaram consideravelmente a disciplina referente aos direitos de habitação periódica de bens, bem como as inovações que lhe foram acrescidas, a fim de permitir uma melhor compreensão do consumidor acerca de seus direitos e possibilitar um maior esclarecimento acerca de algumas questões controvertidas e de aspectos jurídicos

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relevantes da Directiva 2008/122/CE.

2.1. Noções iniciais

A Directiva 2008/122/CE é publicada com vistas a contribuir para o bom funcionamento do mercado interno e para assegurar um elevado nível de proteção aos consumidores, especialmente no que respeita a quatro contratos: utilização periódica de bens, aquisição de produtos de férias de longa duração, revenda e troca.

Em relação ao âmbito de abrangência da proteção conferida ao consumidor, diga-se que a directiva será aplicável aos referidos contratos sempre que estes forem celebrados entre profissionais e consumidores, conforme dispõe o art. 1.°, n. 2, segundo as definições de "consumidor" e "profissional" expostas no art. 2.°, n. 1, e) e f)1.

As definições dos tipos contratuais objeto de tratamento na directiva em análise se encontram no seu art. 2.°, n. 1, a) a d), cujo teor será transcrito a seguir para dar maior comodidade ao leitor.

Define-se o contrato de utilização periódica de bens como aquele com duração superior a um ano por força do qual o consumidor adquire, a título oneroso, o direito de utilizar um ou mais alojamentos de pernoita por mais do que um período de ocupação.

O contrato de aquisição de produtos de férias de longa duração, por sua vez, é aquele cuja duração é superior a um ano e por força do qual o consumidor adquire, a título oneroso, fundamentalmente o direito de beneficiar de descontos ou outras vantagens a nível de alojamento, por si só ou em combinação com serviços de viagens ou outros.

Já o contrato de revenda conceitua-se como aquele segundo o qual o profissional, a título oneroso, presta assistência ao consumidor na venda ou na compra de um produto de utilização periódica de bens (timeshare) ou de um produto de férias de longa duração.

Finalmente, o contrato de troca aparece definido como aquele por força do qual o consumidor adere, a título oneroso, a um sistema de troca que lhe permite ter acesso a um alojamento de pernoita ou a outros serviços, em troca de conceder a terceiros acesso temporário aos benefícios inerentes aos direitos decorrentes do seu contrato de utilização periódica de bens.

ESTA DIRECTIVA FUNCIONA COMO REDE DE SEGURANÇA, NO SENTIDO DE ABRANGER AS PRÁTICAS QUE NÃO SÃO OBJETO DE LEGISLAÇÃO COMUNITÁRIA SETORIAL

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2.2. Razões de atualização

Logo no Considerando n. (1) da Directiva 2008/122/CE, o legislador comunitário admite que uma das razões da atualização da disciplina é a de impedir o desenvolvimento de produtos destinados a contornar as suas disposições, evidenciando que a contratação de direitos de utilização periódica de bens serviu - como de fato tem servido - de base para muitos abusos em relação ao consumidor. Mais à frente, no Considerando (5), esclarece que os contratos abrangidos pela directiva deverão ser claramente definidos de forma a excluir qualquer possibilidade de contorno às suas disposições.

O Considerando (3) sublinha a necessidade de harmonização da disciplina no âmbito comunitário, o que não deixa de ser entusiasmante, levando-se em conta que, ao contrário da legislação vigente em Portugal, a directiva é aplicável aos contratos realizados "entre profissionais e consumidores", substituindo-se a expressão "adquirentes e vendedores"2.

2.3. Principais alterações ao regime dos contratos de utilização periódica de bens

No que respeita aos contratos de utilização periódica de bens, convém ressaltar, prontamente, que o prazo mínimo de duração do contrato - de três anos, segundo o DL 275/93, que regula tais contratos em Portugal - aparece reduzido a um ano, a fim de evitar a celebração de "pacotes à experiência", cujo prazo de duração costumava ser determinado em 35 meses, não sendo desrazoável deduzir que a estipulação de um prazo apenas um mês mais curto do que o previsto em lei era feita para fugir do regime legal referente aos contratos do chamado time share3.

Mudança significativa e que merece ser mencionada diz respeito ao objeto do direito de utilização periódica de bens. No DL 275/93 (seguindo a linha da revogada Directiva 94/47/CE), os direitos incidiam apenas sobre imóveis, mas a nova directiva comunitária fala em "bens", dando a entender que também os móveis, como as unidades de alojamento localizadas em navios, se encontram abrangidos pelo seu âmbito de aplicação4. Não serão abrangidos pela noção de contratos de utilização periódica de bens, contudo, aqueles respeitantes a reservas múltiplas de alojamento, nomeadamente quartos de hotel, na medida em que as reservas múltiplas não impliquem direitos e obrigações para além das reservas separadas5.

Saliente-se que muitos pontos da disciplina referente aos direitos de utilização periódica de bens, os quais foram alterados pela directiva, referem-se a verdadeiros "pilares" da defesa do consumidor, com destaque para (i) as informações pré-contratuais e a sua integração ao contrato principal, inclusive no que respeita à escolha de línguas, que deverá obedecer à preferência do consumidor; (ii) o

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direito de revogação unilateral do contrato - principal e de outros a ele coligados - durante determinado prazo, que aparece alargado e prorrogável por um maior período na directiva do que no vigente ordenamento interno português; e (iii) a proibição do pagamento de sinal antes do final do prazo para revogação unilateral do contrato, a qual aparece melhor esclarecida na directiva, estendendo-se, por exemplo, à revenda de direitos de utilização periódica de bens. Quanto à publicidade referente aos contratos de utilização periódica de bens, é preciso dizer que as propostas feitas pessoalmente a um consumidor numa promoção ou num evento de vendas deverão mencionar claramente a finalidade comercial e a natureza do evento6.

Assim, o legislador certamente teve em vista a necessidade de afastar as contratações concluídas durante passeios, jantares e outras situações utilizadas para aliciar os consumidores, nas quais este muitas das vezes não tinha a perfeita consciência do contrato que estava a celebrar.

Conforme aludido, os Estados-membros passam a ter de assegurar que as informações pré-contratuais sejam redigidas na língua ou numa das línguas do Estado-membro de residência ou nacionalidade do consumidor, à escolha deste, desde que se trate de uma das línguas oficiais da comunidade7. É importante salientar que tal dever não se restringe somente às informações da fase pré-contratual, mas também incide sobre aquelas que integram o contrato principal, seja ele de utilização periódica de bens, aquisição de produtos de férias de longa duração, revenda ou troca8. De qualquer maneira, repita-se, as informações pré-contratuais consideram-se integradas no contrato, sendo que não podem ser alvo de alterações, salvo acordo expresso entre as partes ou se as alterações resultarem de circunstâncias inusitadas, imprevisíveis e independentes da vontade do profissional, cujas consequências não poderiam ser evitadas, mesmo com toda a diligência devida9.

Uma observação interessante, no que respeita às informações pré-contratuais, é a de que a Directiva 2008/122/CE estabelece que estas serão fornecidas ao consumidor através de formulários normalizados que constam de seus anexos. A nosso ver, esta medida teve como objetivo facilitar a contratação, tornando-a mais prática e harmónica, mas poderia ter sido mais elogiável, já que, segundo pensamos, é possível identificar nos formulários a falta de algumas informações essenciais para uma decisão esclarecida, por parte do consumidor, acerca da aquisição de direitos de...

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