Uso remunerado de bens públicos: o controle externo dos Municípios em Santa Catarina

AutorMarcelo Henrique Pereira / Daniella Nesi Bittencourt; Ênio Alpini; João José Raimundo; Otto Cesar Ferreira Simão
CargoMestre em Ciência Jurídica (UNIVALI) / Membros do Grupo de Trabalho sobre o uso remunerado de bens públicos do Tribunal de Contas de Santa Catarina, SC.
Páginas657-683

    Mestre em Ciência Jurídica (UNIVALI). Professor de Graduação, campus de Tijucas, Curso de Direito – Disciplinas: Direito Administrativo, Internacional Público, do Consumidor; Pós-Graduação lato sensu em Direito Processual Civil, campus de Itajaí – Disciplina: Tutela Mandamental; Coordenador do Curso de Pós-Graduação lato sensu em Direito Administrativo e Gestão Municipal – campus de Tijucas. Universidade do Vale do Itajaí (UNIVALI). Relator do Grupo de Trabalho sobre o uso remunerado de bens públicos do Tribunal de Contas de Santa Catarina/SC. E-mail: cellosc@floripa.com.br ou harmonia@floripa.com.br.

    Membros do Grupo de Trabalho sobre o uso remunerado de bens públicos do Tribunal de Contas de Santa Catarina, SC.

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1. Considerações Preliminares

A matéria – uso remunerado de bens públicos – é egressa da exegese da legislação constitucional e infra-constitucional, que resulta da evolução histórica da própria utilização de bens públicos por particulares e a respectiva remuneração paga por estes ao Estado, situação que tem suscitado debates ao longo de nossa história republicana.

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Hodiernamente, ainda, o tema alcançou maior relevo, a partir da política de privatização desenvolvida nos últimos anos, a qual vem transferindo grande parte da prestação dos serviços públicos à iniciativa privada, ficando o Estado com o poder de regulação e a fiscalização através das chamadas “Agências Reguladoras”. A (r)evolução da informática, o assustador crescimento da telefonia celular, da televisão a cabo e da internet, etc., têm colocado Estados e Municípios diante de uma realidade que exige poder de organização, de modo que a vida em Sociedade, principalmente nos grandes centros, não seja tomada pelo caos, mas caracterizada pelo bem-estar de todos.

Com a modernidade, a utilização dos “espaços” públicos para a disponibilização de redes de infra-estrutura urbana (telecomunicações, energia, água, saneamento, etc.), em razão das necessidades sociais ligadas aos serviços públicos (telefonia celular, televisões a cabo, infovias para Internet, além das redes de eletricidade, água, esgoto e gás canalizado) exige dos entes públicos atenção e ação, tanto no que pertine à implantação da infra-estrutura necessária esteja de acordo com o processo de planejamento municipal, com a devida e esperada segurança, bem como seja observado, caso a caso, o regime jurídico dos bens públicos.

Assim, serviços que antes eram prestados de forma direta pelo Estado ou através do modelo de descentralização1, como por exemplo, o fornecimento de energia elétrica, telefonia, água, esgoto e gás canalizado, hoje estão sendo prestados por concessionárias ou permissionárias de serviços públicos. Outros serviços, porém, que não demandam um interesse público maior e que sempre estiveram nas mãos da iniciativa privada, cresceram tanto que é inevitável a intervenção estatal para organizar o fornecimento de tais serviços à população, de modo que esses possam ser disponibilizados com segurança, de acordo com a infra-estrutura municipal, evitando as constantes intervenções na vida normal do cidadão.

Importa dizer que quando era o Estado o executor direto destes serviços, não se cogitava da cobrança em razão do uso dos bens públicos. Tal prática, então, restou estimulada a partir do processo de terceirização de serviços públicos.

Logo, diante da crescente onda de privatização dos serviços – atingindo uma gama cada vez maior de cidadãos – e do desenfreadoPage 660 crescimento de serviços que utilizam bens públicos de uso comum do povo, urge um estudo que oriente o Estado e os Municípios tanto no que concerne à adoção de medidas tendentes a normatizar e regular tais serviços sob pena de prejudicar a vida urbana (em níveis satisfatórios) em detrimento do bem-estar da população, quanto no sentido de arrecadar receitas alternativas.

Isto, sem falar, também, na constatação de que grande parte dos serviços públicos no Brasil são deficitários, ocorrendo tais resultados negativos pela incapacidade dos próprios usuários em arcarem com preços e tarifas no nível considerado necessário e suficiente para a cobertura das chamadas despesas operacionais. Neste sentido, ganha corpo a perspectiva de ingresso de receitas não-operacionais – as que não resultam diretamente da contraprestação dos ditos serviços (atividade-fim) – mas que compreendem, v. g., a exploração de espaços publicitários, de empreendimentos imobiliários ou o direito de passagem nas respectivas faixas de domínio.

O presente arrazoado tem por objetivo primordial orientar o Estado e os Municípios e difundir a idéia de organização dos serviços postos à disposição do cidadão, os quais utilizam infra-estrutura municipal e bens públicos de uso comum e especiais ra municipal e bens públicos de uso comum e especiais, seja através de remuneração, seja através de normas de organização e utilização dos referidos bens públicos.

Após a cuidadosa definição das espécies de bens suscetíveis da cobrança por sua efetiva utilização, enquadrar-se-á a possibilidade jurídica da insituição legal da remuneração pelo uso. Em sendo possível a remuneração, abordar-se-á de que maneira isso poderá ser feito e o instrumento jurídico a ser elaborado com a pessoa jurídica interessada (concessão, permissão, autorização, etc.), assim como a natureza jurídica da remuneração (preço público, taxa, etc.). Posteriormente, e como abordagem final, será visto o papel do Tribunal de Contas ao teor do que dispõe a Constituição Federal, no título concernente à atuação do Controle Externo.

2. Da definição de bem público

Bandeira de Mello (2000, p. 751) assim conceitua bem público:

Bens públicos são todos os bens que pertencem às pessoas jurídicas de Direito Público, isto é, União, Estados, Distrito Federal, Municípios, respectivas autarquias e fundações de Direito Público (estas últimas, aliás, não passam de autarquias designadas pela base estru-Page 661tural que possuem), bem como os que, embora não pertencentes a tais pessoas, estejam afetados à prestação de um serviço público.

O conjunto de bens públicos forma o “domínio público”, que inclui tanto bens imóveis como móveis.

Ademais, não é outra a definição alcançada pelo novo Código Civil2 ao dispor os seguintes termos no art. 98. “São públicos os bens do domínio nacional pertencentes às pessoas jurídicas de direito público interno; todos os outros são particulares, seja qual for a pessoa a que pertencerem”.

A Doutrina aduz que os princípios específicos que disciplinam os bens públicos são a imprescritibilidade3, a impenhorabilidade4, a inalienabilidade5 e a impossibilidade de oneração6.

Assim, no sentido amplo adotado pelo administrativisto e na linha do novo e atual Código Civil, tem-se que os bens públicos abrangem todos aqueles pertencente às pessoas jurídicas de direito público e suas respectivas autarquias e fundações (porque estas também de direito público interno). Daí a importância do texto Constitucional para se buscar quais são as espécies de bens pertencentes a cada ente, ou seja, a titularidade dada pela Constituição a cada um dos entes (União, Estados, Distrito Federal e Municípios).

É o que veremos a seguir.

3. Da titularidade dos bens públicos

Da cátedra constitucional, é definida a titularidade dos bens públicos, catalogando os pertencentes à União7, aos Estados e ao Distrito Federal8 e aos Municípios, que, embora não contemplados pelo texto Constitucional, explicitamente sobre terras devolutas, rios e lagos, tiveram assegurados, os bens comuns situados no perímetro urbano, com a função de “promover, no que couber, adequado ordenamento territorial, mediante planejamento e controle do uso, do parcelamento e da ocupação do solo urbano”.9

Cabe, ainda, apor que o ordenamento dos espaços urbanos é função precípua dos municípios10, conforme a cátedra do art. 30 da CF.

Eis, portanto, a titularidade dos bens públicos. Porém, para aprofundar o tema objeto do presente estudo, é de questão medular a classificação dos referidos bens quanto à utilização, consoante os termos traçados pelo Código Civil, consoante se verá.

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4. Da utilização dos bens públicos

Da teoria geral de direito administrativo, há que se distinguir, em termos de categorias de bens públicos, para definir aqueles em que é possível conceder o uso restritivo desses mesmos e, em contrapartida, caracterizar-se o incremento de receitas para os órgãos governamentais.

Em linhas gerais, os bens públicos subdividem-se11 em três modalidades diversas, quais sejam, bens de uso comum do povo uso comum do povo, de uso especial e dominicais. Os primeiros, podemos identificá-los no dia-a-dia, haja vista que são utilizados por todos. São as praças, estradas, ruas, rios e mares. Comentando a respeito de tais bens, Medauar (1999, p. 267), assim preleciona:

Típico desses bens é a utilização geral, realizada por pluralidade de pessoas não individualizadas. Vigora, então, o pleno direito ao uso comum, pois, de regra, independe do consentimento da Administração. Por isso, o estacionamento de veículos pode ser objeto de normas que limitem o tempo de permanência, pois a via pública não se destina a ser garagem de uns em detrimento do uso de todos; o mesmo ocorre com o exercício, em vias públicas, de atividades comerciais de predominante interesse privado.

Os bens de uso especial são...

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