Representação e representatividade: uma análise da mobilização feminina em pleitos apresentados na câmara dos deputados
Autor | Bianca Oliveira Gonçalves Gomes |
Páginas | 51-90 |
REPRESENTAÇÃO E REPRESENTATIVIDADE: UMA ANÁLISE
DA MOBILIZAÇÃO FEMININA EM PLEITOS APRESENTADOS
NA CÂMARA DOS DEPUTADOS
bianca Oliveira GOnçalves GOmes
Resumo
O artigo tem por objetivo discutir a mobilização entre as deputadas fede-
rais na defesa de pleitos que impactam direitos ligados ao gênero. Em um
primeiro momento, foi realizada uma revisão bibliográfica sobre represen-
tação e representatividade no Legislativo. Em seguida, foram analisadas as
barreiras para a participação política feminina e a reprodução das estru-
turas de dominação nas instituições, mais especificamente na Câmara dos
Deputados. Para isso, o trabalho também recorreu a uma ampla bibliogra-
fia de gênero, participação feminina na política e pertencimento partidá-
rio, bem como mapeou o funcionamento da Câmara dos Deputados. Por
fim, a partir do levantamento das proposições indicadas pela Secretaria
da Mulher como sendo de interesse das mulheres e votadas pelo Plená-
rio da Câmara no período de 01/02/2015 a 13/11/2022, a hipótese de que
as mulheres com capital político suficiente para se eleger à Câmara dos
Deputados reproduzem o espectro ideológico dos homens ocupantes do
mesmo cargo foi testada e os resultados foram analisados.
Palavras-chave
Representação política de mulheres; Representação e Representatividade;
Legislativo.
Abstract
This paper aims to discuss the mobilization among congresswomen in the
defense of gender-related rights. First, it was made a literature review
on representation and representativeness in the legislative branch. Afte-
rwards, the obstacles to women’s political participation and the replication
of institutional structures of dominance were explored specifically in the
Brazilian Chamber of Deputies scenario. For this purpose, the work also
uses a broad bibliography on gender, female participation in politics, and
political party affiliation. Finally, by mapping the propositions indicated by
the Women’s Secretariat as being of interest to women and voted by the
plenary of the Chamber of Deputies between 02/01/2005 and 11/13/2022,
Coleção Jovem Jurista 2023
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the hypothesis that women with enough political capital to hold a seat in
the Brazilian Chamber of Deputies replicate the ideological spectrum of
men in the same position was tested and the results were analyzed.
Keywords
Women representation; Representation and representativeness; Parliament.
1. INTRODUÇÃO
O presente trabalho tem como objetivo analisar a dinâmica da atuação
feminina na Câmara dos Deputados, buscando identificar (i) a existên-
cia ou não de mobilização ou coesão1 entre as deputadas relativamente
aos pleitos que impactam direitos ligados ao gênero; e (ii) a existência de
comportamentos díspares nos votos de parlamentares mulheres e homens
nesses temas.
A hipótese orientadora da pesquisa é a de que, apesar do aumento
da participação política de mulheres, as parlamentares com capital polí-
tico necessário para se eleger à Câmara dos Deputados2 reproduzem, em
regra, o espectro ideológico dos homens ocupantes do mesmo cargo.
Assim, não há uma diversidade de representatividade efetiva, a qual se
pretendia alcançar com o aumento de mulheres na política.
Este trabalho se insere na discussão de participação política e repre-
sentatividade, uma vez que questiona a correlação entre o aumento de
representantes de determinado grupo e a efetiva expressão dos interesses
desse grupo na figura de tais representantes. Isto é, a presença de repre-
sentantes advindos de grupos subalternos nos espaços de decisão real-
mente garante uma pluralidade na tomada de decisão?
Nesse sentido, é importante distinguir as diferentes formas de repre-
sentação, bem como a diferença entre representação e representatividade.
Segundo Bobbio (1998), o termo representação pode ser entendido, a par-
tir da semântica, como “substituir; agir no lugar de ou em nome de alguém
ou alguma coisa”. No sentido político, a representação seria a possibili-
dade de controlar o poder político e escolher por aqueles que não podem
exercer pessoalmente o poder. Bobbio apresenta, então, três modelos da
representação: (i) como delegação; (ii) como confiança; e (iii) como “espe-
lho” ou a chamada representatividade sociológica.
1 Para isso, considerei como indicador o voto favorável às proposições que beneficiam
o gênero feminino, conforme seleção feita pela própria Bancada Feminina/Secretaria
da Mulher, como explico adiante.
2 Céli Pinto (2001) destaca o capital político como sendo um dos fatores determinantes
para a eleição de mulheres no Brasil.
RepResentação e RepResentatividade: Uma análise da mobilização Feminina
em pleitos apResentados na CâmaRa dos depUtados
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No primeiro modelo, o representante é um mero executor da vontade
de seus representados. O segundo modelo atribui uma posição de autono-
mia, limitada apenas pela busca do interesse comum. O terceiro modelo,
por sua vez, entende que o organismo representativo é um microcosmos
da sociedade e, como tal, o corpo político deve reproduzir, em alguma
medida, as características dos seus representados.
Também podemos falar do representante enquanto fiduciário, que,
apesar de ser um porta-voz dos interesses de seus representados, não
possui obrigação de consultar a população. Isso porque, segundo Burke
(BURKE apud PITKIN, 2006), esse representante seria mais capacitado
para defender o interesse nacional de forma independente à vontade de
seus representados. Nesse caso, a representação seria estabelecida por
um conjunto de interesses e “uma simpatia de sentimentos e desejos entre
aqueles que agem em nome de uma imagem qualquer do Povo e o Povo
em cujo nome eles atuam” (BURKE apud PITKIN, 2006).
Por outro lado, John Stuart Mill (1981) defende que o representante
terá cumprido suas responsabilidades se garantir que os cidadãos em
situação de desvantagem frente à maioria não sejam penalizados ou
excluídos da deliberação. Essa responsabilidade do representante cor-
responde ao desenho do governo representativo defendido pelo autor,
que deve buscar exprimir a vontade fiel de todos os segmentos de uma
população.
Em uma terceira via, Pitkin (1983) afirma que não se pode polarizar o
papel da representação. Isso porque se optarmos por reforçar o papel ins-
titucional do representante perderíamos o conteúdo normativo da repre-
sentação enquanto atividade que visa beneficiar o representado. Porém
poderíamos ter um esvaziamento do conteúdo político e institucional da
atividade de representação caso a opção fosse por favorecer apenas o
representado.
Apesar das diversas teorias de representação, Bobbio aponta que
“um modelo realista e atual não pode desprezar inteiramente nem par-
cialmente a representação sociológica, pois que, além de um certo limite,
poderia ser colocado em crise todo o edifício da representação” (BOBBIO,
1998, p. 1104).
Assim, mesmo distinguindo representação e representatividade, há
uma necessidade de representantes que não apenas defendam o interesse
do representado, mas com quem os representados consigam se identifi-
car de forma que possam se sentir presentes na organização política. Caso
contrário, o corpo político pode perder sua legitimidade.
Dessa forma, o presente trabalho não questiona essa importância
do papel subjetivo da representação. Também não questiona o valor
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