Sobre a responsabilidade civil do estado, nas obras públicas

AutorCarlos Pinto Del Mar
Páginas491-499

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A responsabilidade civil do Estado não poderia deixar de ser referida neste trabalho, embora seja tema a ser aprofundado na doutrina do Direito Administrativo.

Conforme a doutrina de Bandeira de Mello, é necessário distinguir três situações diferentes:

  1. casos em que a atitude comissiva do Estado gera o dano, em que se tem responsabilidade objetiva. É hipótese em que o Estado não tem como fugir da ação estatal. Este fato já é bastante, por si mesmo, para pedir a reparação do dano;

  2. casos em que a omissão do Estado gera um dano ao particular, ou seja, aquelas hipóteses do chamado “faute du service”, em que o serviço não funcionou, ou funcionou tardiamente ou ainda funcionou de modo incapaz de obstar a lesão. Esta hipótese é de responsabilidade subjetiva, justamente porque, se houve omissão, não pode ser o autor do dano, restando a obrigação do Estado de impedir o dano;

  3. e os casos em que, por atividade do Estado, cria-se situação que propicia o dano, porque expõe alguém ao risco. São os casos em que se tem guarda de coisas ou pessoas perigosas860.

A responsabilidade objetiva do estado

A Constituição Federal disciplina a responsabilidade civil do Estado no § 6º do seu artigo 37, que tem a seguinte redação: “As pessoas jurídicas de Direito Público e as de Direito Privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo e culpa”861.

Com base no dispositivo constitucional acima citado, o sistema jurídico adota como regra a responsabilidade objetiva do Estado, isto é, sem que seja necessário comprovar a sua culpa na conduta (o elemento subjetivo): basta que o lesado

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comprove (I) a conduta, (II) o resultado danoso e (III) o nexo de causalidade entre a conduta e o resultado, para que surja a responsabilidade estatal.

Basicamente, duas são as teorias de responsabilização objetiva do Estado: a “Teoria do Risco Administrativo” e a “Teoria do Risco Integral”.

A Constituição Federal adotou a teoria do risco administrativo como fundamento da responsabilidade objetiva da Administração Pública e atribui ao Estado a responsabilidade pelo risco criado pela sua atividade administrativa, como forma democrática de repartir os ônus e encargos sociais por todos aqueles que são beneficiados pela atividade da Administração Pública.

Assim, se a atividade administrativa do Estado é exercida em prol da coletividade, se traz benefícios para todos, é justo que todos respondam pelos seus ônus, a serem custeados pelos impostos862. Trata-se de socialização da responsabilidade civil do Estado, de tal forma que, por intermediação de todos, responde-se proporcionalmente pelos danos que esse mesmo Estado, em qualquer uma das suas faltas e em qualquer âmbito do Poder (Judiciário/Legislativo/Executivo), venha causar ao direito individual, ou seja, do particular.

A Constituição, porém, condicionou a responsabilidade objetiva do Poder Público ao dano decorrente da sua atividade administrativa, isto é, aos casos em que houver relação de causa e efeito entre a atuação do agente público e o dano. Sem essa relação de causalidade não há como e nem por que responsabilizá-lo objetivamente.

A responsabilidade subjetiva do estado

Indaga-se, na doutrina jurídica, se subsiste no Direito brasileiro alguma hipótese de responsabilidade subjetiva das pessoas jurídicas de direito público.

Cavalieri Filho apresenta três correntes distintas863. A primeira sustenta que, após o advento do Código Civil de 2002, não há mais espaço para a responsabili-dade subjetiva das pessoas jurídicas de direito público, porque o artigo 43 do novo Código Civil, que praticamente repete o teor do artigo 37, § 6º da Constituição, trouxe para a legislação civil infraconstitucional a teoria do risco administrativo, para embasar a responsabilidade civil do Estado, revogando o artigo 15 do

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Código Civil de 1916, que servia de suporte legal para a responsabilidade subjetiva. Assim, quer pela ausência de norma legal neste sentido, quer em razão de regras explícitas e específicas em sentido contrário (que determinam a incidência da responsabilidade civil objetiva, baseada na teoria do risco), não haveria mais espaço para sustentar a responsabilidade subjetiva das pessoas jurídicas de direito público. Nesse sentido, a doutrina de Willeman864.

A segunda corrente, capitaneada por Celso Antônio Bandeira de Mello865, sustenta que subsiste e é subjetiva a responsabilidade da Administração, sempre que o dano decorrer de uma omissão do Estado. Pondera que, nos casos de omissão, o Estado não agiu, não sendo, portanto, o causador do dano, pelo que só estaria obrigado a indenizar os prejuízos resultantes de eventos que teria o dever de impedir.

E a terceira, uma corrente intermediária, adotada por Cavalieri Filho, para a qual a responsabilidade subjetiva do Estado, embora não tenha sido de todo banida da nossa ordem jurídica, só tem lugar nos casos de omissão do Estado, porém, em casos de omissão genérica da Administração, e não em qualquer caso de omissão. E sustenta que o fato de não ter sido reproduzido no Código Civil de 2002 o artigo 15 do Código Civil de 1916 não permite concluir que a responsabilidade subjetiva do Estado tenha sido banida de nossa ordem jurídica, pois é a regra básica, que persiste independentemente de existir ou não norma legal a respeito: todos respondem subjetivamente pelos danos causados a outrem, por um imperativo ético-jurídico universal de justiça. Destarte, não havendo previsão legal de responsabilidade objetiva, ou não estando esta configurada, será sempre aplicável a cláusula geral da responsabilidade subjetiva se configurada a culpa, nos termos do artigo 186 do Código Civil. E arremata Cavalieri Filho destacando que a regra, com relação ao Estado, é a responsabilidade objetiva fundada no risco administrativo, sempre que o dano for causado por agente público nessa qualidade, sempre que houver relação de causa e efeito entre a atuação administrativa e o dano866.

Para Celso Antônio Bandeira de Mello, “é necessário que o Estado haja incorrido em ilicitude, por não ter acorrido para impedir o dano ou por haver sido insuficiente neste mister, em razão de comportamento inferior ao padrão legal exigível”. E acrescenta:

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Não há resposta a priori quanto ao que seria o padrão normal, tipificador da obrigação a que estaria legalmente adstrito. Cabe indicar, no entanto, que a normalidade da eficiência há de ser apurada em função do meio social, o estádio de desenvolvimento tecnológico, cultural, econômico e da conjuntura da época, isto é, das possibilidades reais médias dentro do ambiente em que se produziu o fato danoso. Como indício destas possibilidades há que levar em conta o procedimento do Estado em casos e situações análogas e o nível de expectativa comum da sociedade (não o nível de aspirações), bem como o nível de expectativa do próprio Estado em relação ao serviço increpado de omisso, insuficiente ou inadequado. Este último nível de expectativa é sugerido, entre outros fatores, pelos parâmetros da lei que o instituiu e regula, pelas normas internas que o disciplinam e até mesmo por outras normas das quais se possa deduzir que o Poder Público, por força delas, obrigou-se, indiretamente, a um padrão mínimo de aptidão867.

E exemplifica:

Ademais, solução diversa conduziria a absurdos. É que, em...

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