Responsabilidade da Administração Pública à Luz da Nova Redação da Súmula n. 331 do TST

AutorAntônio Fabrício de Matos Gonçalves; Camila de Abreu Fontes
Páginas191-202

Page 191

Introdução

As transformações ocorridas ao longo dos anos influenciaram, diretamente, as relações de trabalho. O próprio dinamismo da lógica do mercado, acompanhado do avanço tecnológico representaram fatores preponderantes para a ocorrência de uma mudança dessas relações. Assim, o vínculo tradicional que se formava entre empregado e apenas um empregador, seguido dos contratos por prazo indeterminado, perde, a cada dia, seu espaço, ampliando as possibilidades de contratação.

Nessa celeuma, surge a terceirização, que, hoje, já se tornou uma prática não somente adotada pelas empresas privadas, como também, pela própria Administração Pública.

Pode-se dizer que a terceirização constitui um fenômeno representativo da flexibilização da relação de emprego típica, de maneira a inserir o trabalhador no processo produtivo do tomador de serviços, sem que se estendam a ele os chamados laços justrabalhistas.

Como é cediço, a terceirização, desde o seu surgimento, gerou polêmicas e controvérsias, principalmente, quando estamos diante de uma terceirização na Administração Pública.

Dessa forma, o presente artigo objetiva fazer um minucioso estudo acerca da terceirização no âmbito da Administração Pública, com real enforque na responsabilidade. Ainda nesse contexto, importa uma análise da nova redação da Súmula n. 331 do TST, frente à Lei de Licitações e aos direitos fundamentais do trabalhador.

1. Terceirização

A típica relação de emprego reflete uma relação bilateral - empregador e empregado - marcada pela pessoa física, pessoalidade, subordinação, não eventualidade e onerosidade.

Contudo, as transformações ocorridas na sociedade, seguidas do avanço da tecnologia, das novas formas de produção e organização, do aumento da competitividade, da crise do petróleo, além das crises mundiais, não podendo esquecer-se dos anseios capitalistas, contribuíram para que a relação de emprego tradicional, até então existente, perdesse espaço para a abertura de novas formas de trabalho, estando inclusa a chamada terceirização dos serviços.

O fenômeno da terceirização surgiu no contexto da 2ª Guerra Mundial, dada a vantagem de a empresa concentrar-se na atividade mais importante e delegar a terceiros aquilo que não fosse atividade fim, até porque as indústrias não estavam conseguindo suprir a demanda de armamento necessária naquele momento.

Nesta oportunidade, uma pergunta pode ser feita: o que se entende por terceirização?

A palavra terceirização ou outsourcing (equivalente em inglês) deriva de terceiro, uma vez que se desprende da relação tradicional de emprego. Observa-se com esse fenômeno uma relação trilateral, eis que os sujeitos da terceirização passam a ser: a empresa tomadora ou beneficiária dos serviços prestados pelo empregado; a empresa interposta ou intermediária que contrata o empregado para prestar serviço à tomadora e o empregado contratado pela empresa interposta para prestar serviço à tomadora e não para aquela.

Page 192

[VER PDF ADJUNTO]

Assim, a terceirização é a vinda de uma terceira figura alheia ao contrato de trabalho.

Frisa-se que o vínculo existente entre as duas empresas, a prestadora de serviços e a tomadora, resulta de um contrato civil, por conseguinte, o vínculo de emprego com o trabalhador se configurará apenas com a empresa interposta (prestadora de serviços).

Segundo Alice Monteiro de Barros,

O fenômeno da terceirização consiste em transferir para outrem atividades consideradas secundárias, ou seja, de suporte, atendo-se a empresa à sua atividade principal. Assim, a empresa se concentra na sua atividade fim, transferindo as atividades meio1.

Ainda com relação ao conceito do fenômeno, conforme leciona Mauricio Godinho Delgado, a terceirização marca:

Uma relação trilateral em face da contratação de força de trabalho no mercado capitalista: o obreiro, prestador de serviços, que realiza suas atividades materiais e intelectuais junto à empresa tomadora de serviços; a empresa terceirizante, que contrata este obreiro, firmando com ele os vínculos jurídicos trabalhistas pertinentes; a empresa tomadora de serviços, que recebe a prestação de labor, mas não assume a posição clássica de empregadora desse trabalhador envolvido.2

Na verdade, quem estabelece as diretrizes do trabalho não é quem efetua o pagamento dos salários. Isso porque o trabalhador é empregado da empresa prestadora de mão de obra. E mais, na terceirização o que acontece é uma dupla subordinação do empregado: da empresa prestadora de serviços que cede a mão de obra e da empresa tomadora.

Dada as peculiaridades da terceirização, não é incomum o surgimento de uma precarização na relação existente, isso porque, a terceirização pode levar à uma supressão de direitos do trabalhador se comparado aos direitos de um empregado da empresa tomadora.

No Brasil, a terceirização chegou aproximadamente em 1950, trazida pelas multinacionais. As primeiras empresas terceirizadas que surgiram atuavam na área de limpeza e conservação.

Importante destacar que a Consolidação das Leis Trabalhistas de 1943, fez menção a apenas duas formas de subcontratação de mão de obra, quais sejam, a empreitada e a subempreitada (art. 455 da CLT), refletindo, segundo Delgado, a "referências incipientes a algo próximo ao futuro fenômeno terceirizante"3.

Senão vejamos:

Art. 455. Nos contratos de subempreitada responderá o subempreiteiro pelas obrigações derivadas do contrato de trabalho que celebrar, cabendo, todavia, aos empregados, o direito de reclamação contra o empreiteiro principal pelo inadimplemento daquelas obrigações por parte do primeiro.

Parágrafo único. Ao empreiteiro principal fica ressalvada, nos termos da lei civil, ação regressiva contra o subempreiteiro e a retenção de importâncias a este devidas, para a garantia das obrigações previstas neste artigo. (BRASIL, 2012, p. 184).

O crescimento da tendência em terceirizar os serviços, acabou por fazer o Estado a criar normas regulamentadoras em fins da década de 1960 e início dos anos 1970, por meio do Decreto-Lei n. 200/67 e da Lei n. 5.645/70. Essas diziam respeito ao segmento estatal do mercado de trabalho (Administração Direta e Indireta da União, Estados e Municípios).

Percebe-se, nitidamente, que a intenção era descentralizar a atividade da Administração Pública, através da contratação de serviços meramente operacionais ou executivos perante empresas do setor privado.

O ano de 1974 foi marcado pela edição da Lei n. 6.019, denominada Lei do Contrato Temporário e mais tarde a Lei n.

7.102, de 1983, a primeira versando sobre o trabalho temporário e a segunda quanto ao trabalho de vigilância bancária e de transporte de valores.

Destaca-se que, quando da criação da Lei n. 6.019-74, já existia, em São Paulo, 50 mil trabalhadores que laboravam para empresas interpostas. Essa lei cria a possibilidade de uma empresa interposta contratar mão de obra por três meses, renovável por igual período. Isso permite afirmar que o Direito atrasa o fato social.

Percebe-se pela análise das Leis citadas acima que as hipóteses de terceirização eram bem restritas. Conquanto, a contratação por empresa interposta passou a ser bastante comum, demandando assim, uma busca de adequação da legislação à realidade.

Page 193

Nesse ínterim, em 1986 foi editado o Enunciado n. 256 do TST, que assim dispunha:

TST Enunciado n. 256 - Res. n. 4/1986, DJ 30.9.1986 - Revisão - Enunciado n. 331 - TST - Cancelada - Res. n. 121/2003, DJ 21.11.2003

TRABALHO TEMPORÁRIO E SERVIÇO DE VIGILÂNCIA - CONTRATAÇÃO DE TRABALHADORES POR EMPRESA INTERPOSTA

Salvo os casos de trabalho temporário e de serviço de vigilância, previstos nas Leis ns. 6.019, de 3 de janeiro de 1974, e 7.102, de 20 de junho de 1983, é ilegal a contratação de trabalhadores por empresa interposta, formando-se o vínculo empregatício diretamente com o tomador dos serviços. (BRASIL, 2012, p. 957).

O Enunciado n. 256 do TST demonstrou que a contratação dos serviços por empresa interposta, legalmente autorizada, se norteava nas hipóteses trazidas pelas Leis ns. 6.019/73 e 7.102/83. Por conseguinte, as demais eram tidas como ilegais e acabavam por acarretar o vínculo empregatício com a empresa tomadora de serviços.

Após a edição da referida súmula, com a intensificação da prática da terceirização, mostrou-se salutar a flexibilização das hipóteses até então existentes.

Em resposta, no ano de 1993, foi editada a Súmula n. 331 do TST, uma revisão da Súmula n. 256, que passou a dispor sobre a terceirização:

CONTRATO DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS. LEGALIDADE.

I - A contratação de trabalhadores por empresa interposta é ilegal, formando-se o vínculo diretamente com o tomador dos serviços, salvo no caso de trabalho temporário (Lei n. 6.019, de 3.1.1974).

II - A contratação irregular de trabalhador, mediante empresa interposta, não gera vínculo de emprego com os órgãos da administração pública direta, indireta ou fundacional (art. 37, II, da CF/1988).

III - Não forma vínculo de emprego com o tomador a contratação de serviços de vigilância (Lei n. 7.102, de 20.6.1983), de conservação e limpeza, bem como a de serviços especializados ligados à atividade-meio do tomador, desde que inexistente a pessoalidade e a subordinação direta.

IV - O inadimplemento das obrigações trabalhistas, por parte do empregador, implica a responsabilidade subsidiária do tomador dos serviços, quanto àquelas obrigações, inclusive quanto aos órgãos da administração direta, das autarquias, das fundações públicas, das empresas públicas e das sociedades de economia mista, desde que hajam participado da relação processual e constem também do título executivo judicial (art. 71 da Lei n....

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT