Responsabilidade dos sócios e a desconsideração da personalidade jurídica como exceções ao princípio da autonomia patrimonial

AutorFERNANDO ANTONIO MAIA DA CUNHA
Páginas67-146
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CAPÍTULO III
RESPONSABILIDADE DOS SÓCIOS
E A DESCONSIDERAÇÃO DA
PERSONALIDADE JURÍDICA
COMO EXCEÇÕES AO PRINCÍPIO
DA AUTONOMIA PATRIMONIAL
Neste capítulo, será veri ficado em quais caso s é possível relativizar
o princípio da autonomia pa trimonial da soc iedade limitada e res ponsa-
bilizar os sócios desse tipo de sociedade pela prática de irregul aridades,
pelas obrigações perante credores não negociais, bem como em razão
da desconsideração da personalidade jurídica. Além disso, pretende-se
examin ar se em cada caso os Tribunais bra sileiros têm responsabil izado
os sócios pelas obrigações de maneira adequada.
3.1. Responsabilidade dos sócios por irregularidades
Como visto, nas sociedades limitadas, a regra comumente é a
da irresponsabilidade dos sócios pelas dívidas sociais, o que se traduz
na responsabilidade subsidiária limitada ao valor de suas quotas, ou
na responsabil idade solidária em caso de não integra lização do capital
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FERNANDO ANTONIO MAIA DA CUNHA
social. No entanto, como já af irmado anterior mente,128 essa regr a não
é absoluta.
Isso porque há casos, além da responsabil idade solidária, em que
os sócios da sociedade limitad a serão chamados para responder pelas
obrigações sociais mesmo já tendo integralizado a sua quota.
Uma dessas h ipóteses ocorre em caso de prática de ir regularidade s
pelos sócios e a responsabil ização decorre da necessidade de sancionar
e punir os ilícitos praticados.
Como bem aponta Fábio Ulhoa Coel ho, “a limitação de re spon-
sabilidade é preceito destinado ao estímulo de atividades econômicas,
e não pode servir para viabilizar ou acobertar práticas irregulares”.129
Considerando isso, para evitar esses tipos de conduta por parte dos
sócios, relativiza-se a limitação de sua responsabilidade.
Assim, se algum sócio ag ir em desacordo com o contrato social
ou com o disposto em lei, sua responsabilidade perante as obrigações
sociais decorrentes do ilícito passa a ser ilim itada.
Haroldo Verçosa, ao tratar do ar t. 11, do Decreto n. 3.708/1919,130
afirmou que o Código Civil não prevê regra semelhante porque o art.
1.06 4131 f icou incompleto. Defende que o poder de administração é
dos administradores apenas e, por isso, é possível considerar em v igor
128 V. item 2.3.1., supra.
129 COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de Di reito Comercial : Direito de Empresa. 16ª Ed.
São Paulo: Sara iva, 2012, p. 441.
130 Ar t. 11, do Decreto 3.708/1919: “Cabe acção de p erdas e damnos, sem pre juizo da
responsabilidade c riminal, contra o so cio que usar indevid amente da fir ma social ou que
della abusa r”. BRASIL. Dec reto n. 3.708, de 10 de janeiro d e 1919. Regula a
constitu ição das sociedade s por quotas, de responsa bilidade lim itada. Disponível
em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/antigos/d3708.htm. Acesso
em 21 abr. 2021.
131 Art. 1.064, d o Código Civil Bra sileiro: “O uso da firma ou denomin ação social é pri-
vativo dos administradore s que tenham os nece ssários poderes”. BRA SIL. Lei n. 10.406
de janeiro de 2 002. Instit ui o Código Civ il. Disponível em : http://www.planalto.
gov.br/ccivil _03/leis/2002/ l10406compilada .htm. Acesso em 21 abr. 2021.
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CAPÍTULO III - R ESPONSABI LIDADE DOS SÓCIOS.. .
a regra antiga, ou seja, se o sócio exercer de maneira indevida a função
de admin istrador responderá pessoal, sol idária e ilim itadamente perante
a sociedade e terceiros.132
Da mesma forma, se sócios e administradores aprovarem delibe-
rações envolvendo questões que infr injam o contrato social ou a lei, sua
responsabilidade também será ilimitada. É o que diz o art. 1.080, do
Código Civil: “as deliberações infringentes do contrato ou da lei tor-
nam ili mitada a responsabil idade dos que expressamente as aprovar am”.
Nesse contexto, Gonçalves Neto af irma que, se a deliberação for
nula, anulável, ineficaz ou irregular e provocar danos a sócio, à socie-
dade ou a terceiros, será consider ada como ato ilícito, sendo necessária a
reparação.133 E a obrigação pela repar ação torna-se ilim itada. Confi ra-se:
Se a sociedade, por seus sócios, delibera distribuir dividendos
quando não há lucr os ou proceder ao rateio de lucros existente s
de forma contrária à par ticipação def inid a no contrato socia l,
delibera il icitamente e o sócio ati ngido pelo prejuízo, ou a própria
sociedade, pr ivada de recursos que devi am ser mantidos em seu
patrimôn io, pode agir contra os responsáveis por essa ocorrên-
cia. Daí a responsabilidade ilimitada dos sóc ios que contribuí ram
com seu voto para aprová-la . Essa responsabilid ade é, como o é
toda e qualquer responsabil idade decorrente de ato ilícito, pela
reparação do dano integral, sem limitação.134 (gr ifos do autor)
Ainda de acordo com o refer ido autor, em regra, a respon sabilidade
é solidária entre os sócios que contribuíram com seu voto para aprovar
132 VE RÇOSA, Haroldo Ma lheiros Duc lerc. Direito Comer cial. vol. 2, 3ª Ed. Sã o
Paulo: Revist a dos Tribunai s, 2014, pp. 364/365.
133 GONÇA LVES NETO, Alf redo de Assi s. Direito de Empre sa: comentár ios aos
artig os 966 a 1.195 do Código Civi l. 4ª Ed. São Paulo: Revi sta dos Tribun ais,
2012, p. 428.
134 GONÇALVES N ETO, Alfredo de A ssis. Direito de Empr esa: comentários aos a rti-
gos 966 a 1.195 do Código Civi l. 4ª ed. São Paulo: Editor a Revista dos Tribuna is,
2012, p. 428.

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