A responsabilidade limitada do quotista único: uma análise crítica da Lei de N. 12.441/2011

AutorGustavo Henrique de Almeida
Páginas59-66

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1. Introdução

A Lei de n. 12.441/2011 inovou na ordem jurídica ao permitir que o empreendedor exerça individualmente a empresa, fazendo-o com limitação de sua responsabilidade ao capital social. Tal inovação atende aos anseios de grande parcela da sociedade e da comunidade jurídica, além de criar instituto jurídico no Brasil equivalente aos já existentes em outros ordenamentos desde longa data.

O produto do trabalho do legislador, o texto legal, em que pese criar um instituto desejado por parte da sociedade, não consiste em primor da técnica. Valendo-se de expressões equívocas, a Lei que promoveu uma alteração na redação do Código Civil é contraditória com as definições do próprio Codex.

Diante dessas confusas expressões e atecnias, torna-se necessário decompor o objeto e delimitar o alcance da norma em espeque para que se possa definir o âmbito de sua aplicação. Para tanto, torna-se necessária uma análise criteriosa dos dispositivos da Lei de n. 12.441/2011, precedida de uma sistematização histórica e conceitual acerca da limitação da responsabilidade no âmbito empresarial.

2. A roupagem jurídica da atividade empresarial

Escolher a roupagem jurídica por meio da qual se exercerá a atividade empresária é uma das primeiras decisões a serem tomadas por aqueles que pretendem explorar a empresa. Tal escolha passa por uma primeira fase, que consiste em decidir se o exercício da atividade será desenvolvido individualmente ou por meio de uma sociedade empresária.

Em verdade, diversos fatores devem ser levados em conta antes de se iniciar a empresa, tais como alocação de riscos, fi-

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nanciamentos para atividades e projetos -project finance, integralização do capital, dentre outros. A análise dos fatores depende, inclusive, do porte do empreendimento (Enei, 2007, p. 17).

Contudo, os dados demonstram que a preferência dos brasileiros consiste na exploração da atividade de forma individual, tornando os empresários individuais aqueles com o maior número de registros perante as Juntas Comerciais (Fernandes, 2007, p. 40).

Quanto às sociedades, a despeito dos vários tipos disponibilizados para aqueles que pretendem reunir-se em sociedade empresária, que devem constituir-se segundo um dos tipos regulados entre os arts. 1.039 e 1.092, do Código Civil, a de responsabilidade limitada apresenta-se como a preferência nacional, antes e depois do advento do Codex. Isso significa dizer que esta ficou atrás, em número de registros, apenas dos empresários individuais (Fernandes, 2007, p. 40).

3. O exercício da atividade empresária por meio da "sociedade unipessoal" e a sua responsabilidade

A sociedade limitada oferece uma inegável vantagem àqueles que pretendem exercer a atividade empresária, que consiste na limitação da responsabilidade ao valor das quotas subscritas, em virtude do destacamento do patrimônio dos sócios em relação ao patrimônio da sociedade, que é dotada de personalidade própria.

O exercício da empresa pelo empresário individual até o advento da Lei de n. 12.441/2011 expunha seu patrimônio e não limitava a sua responsabilidade em relação às dividas decorrentes da atividade empresária por ele exercida, não obstante tratar-se da via eleita pela maioria dos empreendedores de outrora para explorar a empresa.

A doutrina travava um debate acerca dos benefícios da responsabilidade limita-da do empreendedor que exerce a empresa em nome próprio, que é sujeito de direitos e recebe o nome jurídico de empresário individual. Esse, geralmente, explora a micro e pequena empresa: "Com o desenvolvimento econômico e a necessidade de incentivo à pequena e à média empresas, os estudiosos do direito manifestaram preocupação com a limitação da responsabilidade do empresário que desenvolvia sua atividade sem a constituição de uma sociedade e, portanto, respondia ilimitadamente pelas dívidas assumidas em decorrência de sua atividade, sem poder lançar mão de mecanismos de proteção do patrimônio típicos de determinadas sociedades" (Ber-toldi e Ribeiro, 2008, p. 170).

Antes da permissão conferida pela Lei de n. 12.441/2011, a limitação da responsabilidade desse empresário carecia de previsão legislativa, especialmente em virtude da omissão do Código Civil, em que pese o acalorado debate doutrinário que se sucedeu desde longa data no Brasil.

Diversas propostas foram elaboradas para sanar a celeuma, dentre as quais se destacaram as formuladas por Bruscato, que consistiam, respectivamente, na personalização da empresa, na personalização do estabelecimento empresarial, por meio da sociedade unipessoal ou, ainda, do patrimônio de afetação (Fernandes, 2007, p. 17).

A empresa, com o advento do Código Civil de 2002, configura-se como verdadeira atividade, não possuindo personalidade jurídica, sendo exercida pelo sujeito de direitos que é o empresário individual ou a sociedade empresária. O art. 966 definiu o conceito de empresário, extraindo-se de forma interpretativa o conceito de empresa. Sendo assim, restava inviável a personalização da empresa, posto que consista em atividade.

O estabelecimento empresarial afigura-se em universalidade, pois se trata de um complexo de bens organizados e direi-

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tos dispostos ao exercício da atividade empresária. Ao teor do art. 1.142, do Código Civil, considera-se estabelecimento todo complexo de bens organizado para exercício da empresa por empresário ou por sociedade empresária. Entretanto, o estabelecimento, por si só, é inanimado, carecendo de atuação humana para lhe dar vida e interagir j uridicamente.

Quanto à "sociedade unipessoal", ou "empresa individual", o ordenamento pátrio não possibilitava a sua formação com sócio pessoa natural e com o capital dividido em quotas. A exceção do ordenamento era a subsidiária integral, cuja previsão legal está disposta na Lei n. 6.404/1976, em seu art. 251, possuindo o capital social fra-cionado em ações e integralizado por uma única pessoa jurídica.

Além dessa hipótese, a referida Lei, em seu art. 206, prevê a possibilidade de se continuar a sociedade se, por qualquer motivo, remanesça com apenas um sócio, reconstituindo-se o mínimo de dois sócios no prazo de até um ano. A mesma hipótese está prevista no Código Civil, para as sociedades por ele disciplinadas, porém, com regras específicas. Sendo assim, o...

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