Ressocializar ou não-dessocializar, eis a questão

AutorClovis Alberto Volpe Filho
CargoAdvogado criminalista Mestre em Direito Constitucional Professor de Direito da FAFRAM/Ituverava
Páginas16-17

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A questão da finalidade da pena é um tema que percorre os séculos, envolvendo vários ramos do conhecimento humano, os quais nos oferecem uma gama imensa de teorias e teses.

Nossa pretensão é discutir alguns aspectos da ressocialização enquanto finalidade da pena.

De início, cabe discutir se a idéia de ressocialização é compatível com a imposição e execução da sanção penal. A teoria da socialização, em sua linha mais abrangente, vê o delito como déficit ou carência no processo de socialização, devendo a intervenção punitiva integrar o delinqüente no mundo dos seus cocidadãos, ou seja, a pena como instrumento de adaptação funcional à coletividade1.

O termo ressocializar traz em seu bojo a ideia de fazer com que o ser humano se torne novamente social (ou sócio). Isto porque deve-se ressocializar aquele que foi dessocializado.

Disso resulta uma primeira crítica. Adverte Muñoz Conde, em excelente artigo escrito sobre a ressocialização, que:

"Si se acepta y se da por buena la frase de Durkheim de que 'la criminalidad es un elemento integrante de una sociedad sana' y se considera, además, que es misma sociedad la que produce y define la criminalidad, es lógico que se pergunte hasta qué punto tiene sentido hablar de resocialización del delincuente en una sociedad que produce ella misma delincuencia."2

Portanto, não se pode conceber que a pena tenha como objetivo "melhorar" o indivíduo dessocializado pela própria sociedade, sem que isso não se converta em uma imposição arbitrária e contrária à livre autonomia individual.

Sob outro prisma, podemos asseverar que a pena jamais pode carregar a tarefa ressocializadora, já que ela própria dessocializa. Na lição de Alessandro Baratta, não se pode, ao mesmo tempo, excluir e incluir3 . Assim, como querer que o fator dessocializante seja, também, ressocializador? Não é o crime (em regra) que dessocializa. Pois, se assim fosse, a pena poderia (em tese) cumprir tal função ressocializadora.

Para comprovar essa afirmação (de que o crime não dessocializa) basta um olhar superficial na sociedade, eis que dessa leitura restará comprovado que o traficante do morro não está dessocializado, nem mesmo o infrator de colarinho branco que fraudou o sistema financeiro, e muito menos o sujeito que comete pequenos e ocasionais furtos. Não existe, pois, uma correlação absoluta entre delinquência e ressocialização.

Enfim, o que dessocializa é o cumprimento da sanção penal, sendo a privativa de liberdade seu grande expoente de dessocialização.

Assiste razão a Wanda Capeller ao escrever que o discurso jurídico da ressocialização oculta a verdadeira razão da pena, qual seja, o castigo, que criminaliza e penaliza os que "sobram", que leva sofrimento e a morte para aqueles que são "demais" e não são absorvidos economicamente, porquanto não são produtivos. Trocou-se o velho castigo inquisitório pelo castigo dito "humanitário"4.

Os defensores da função ressocializadora...

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