Revista de arbitragem e mediação
Autor | Kazuo Watanabe |
Ocupação do Autor | Desembargador Aposentado do Tribunal de Justiça de São Paulo |
Páginas | 391-408 |
CAPÍTULO 2
REVISTA DE ARBITRAGEM E MEDIAÇÃO
ENTREVISTA – 27.01.2015
2.1 Importância da mediação; “cultura da sentença”
e receio de redução do mercado de trabalho;
desconhecimento das reais vantagens da mediação e
necessidade de mudança de mentalidade;
“Pacto de Mediação”; CNJ e a política judiciária de
tratamento adequado de conflitos; novo CPC e sua
compatibilização com a Resolução 125 do CNJ;
importância da conciliação como etapa obrigatória de uma
demanda; conversão da ação individual em coletiva;
mudança no ensino jurídico; Cebepej: sua origem e
importância; participação em formulação de propostas
legislativas e o interesse pela mediação; influências de
Barbosa Moreira e Ovídio Baptista da Silva.
RAM: O Senhor é um grande entusiasta do uso da mediação. Ainda existe algu-
ma resistência da advocacia com relação à mediação?
KW: Talvez uma resistência passiva. Não combatem a mediação, mas não uti-
lizam com entusiasmo deste mecanismo de solução amigável de controvérsias.
Isso ocorre mais por desconhecer as reais vantagens da mediação e também em
virtude da mentalidade formada em nossas faculdades de Direito, que prepa-
ram os alunos mais para a solução contenciosa dos conitos. O prossional do
Direito, na maioria das faculdades, é preparado para trabalhar basicamente no
contencioso. Ensinamos a redigir petição inicial, contestação, recursos, impug-
nações, exceções e uma série de incidentes e peças processuais. Não ensinamos
os alunos a negociar, a conciliar e a mediar. Esta mentalidade não possibilita
o prossional do direito a entender o alcance social e as vantagens da solução
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KAZUO WATANABE
amigável dos conitos. Alguns advogados julgam até que é perda de tempo ten-
tar mediar ou conciliar, outros cam com o receio de que o cliente, ao insistir
na tentativa de solução amigável dos conitos, julgue que seu advogado esteja
“vendido” para a parte contrária. O desconhecimento das vantagens da solução
amigável é também dos próprios jurisdicionados, e não apenas dos advogados.
Estes fatores e outros mais têm determinado a não utilização mais intensa da
mediação e o consequente prevalecimento da “cultura da sentença”.
RAM: Os advogados brasileiros temem que, junto com a ascensão da mediação,
ocorra uma redução de demandas e, consequentemente, a diminuição no valor
dos honorários advocatícios? Acredita ser legítima esta preocupação?
KW: Reduzir o volume de processos no Judiciário deve ser o objetivo de todos
os cidadãos, inclusive dos advogados. A mediação, com toda a certeza, não re-
duzirá o mercado de trabalho do advogado. Na década de 80 do século passado,
quando participei da elaboração do anteprojeto da Lei dos Juizados Especiais de
Pequenas Causas (hoje, Juizados Especiais Cíveis), muitos advogados acredita-
vam que estes Juizados afetariam o mercado de trabalho dos advogados. Nossa
convicção era de que, ao invés da redução, iria ocorrer a ampliação deste merca-
do. O que estava ocorrendo naquela época era que, com o acesso à justiça mui-
to dicultado, muitos conitos não eram canalizados para o Judiciário. Eram
resolvidos nas delegacias, pelos justiceiros ou simplesmente a vítima da lesão
renunciava ao direito de buscar a solução do conito. Com o surgimento dos
Juizados e com o acesso facilitado à justiça, mesmo sem a exigência de advogado
para causas até um determinado valor, houve a ampliação do mercado de traba-
lho do advogado. É que, se uma das partes é uma empresa, uma pessoa jurídica,
dicilmente ela irá à Justiça sem a assistência de um advogado. A situação atual
revela, com toda a certeza, que os Juizados não afetaram negativamente o merca-
do de trabalho dos advogados. Os conitos nascem na sociedade em virtude de
inúmeros fatores, de sua desorganização, de suas contradições, da violação dos
direitos dos consumidores pelas grandes corporações, do descumprimento pelo
Estado dos direitos prometidos, e de outros inúmeros fatores. A judicialização
destes conitos hoje está atingindo um nível tão elevado que o nosso Judiciário
está sem condições de solucioná-los de modo tempestivo e eciente. Esta pre-
ocupante situação é revelada pelos dados publicados pelo CNJ na “Justiça em
números”. Com a mediação, o que se procura é solucionar os conitos, na medida
do possível, antes de sua judicialização. Neste contexto, desde que os advoga-
dos sejam treinados para este método de solução de conitos, eles podem atuar
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