Revista do Ministério Público do Trabalho n. 19 (março/2000) - Teletrabalho e relações de trabalho

AutorJoão Hilário Valentim
CargoProcurador do Trabalho no Rio de Janeiro
Páginas245-253

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O teletrabalho é um tema abrangente, existindo vários tipos de atividades que podem ser classificadas como tal. Neste estudo abordaremos a matéria relacionando-a com a prestação de serviço de natureza subordinada, afeta, pois, ao Direito do Trabalho. A presente delimitação se faz necessária porque o teletrabalho pode ser objeto de estudo não só de outros ramos do Direito,

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como o civil, o comercial, mas também de outras áreas do conhecimento humano, como a informática, as telecomunicações, a sociologia, a economia. No campo do Direito, a expressão teletrabalho pode ser tratada como gênero e espécie. O teletrabalho afeto às relações de trabalho constitui uma das espécies, pois a prestação de serviço pode ser tanto de natureza subordinada quanto autônoma. Por conseguinte, a relação jurídica com o destinatário do serviço tanto pode ser decorrente de um contrato de trabalho quanto de um contrato de prestação ou de locação de serviços típica do Direito Civil. Ambas são espécies do gênero teletrabalho.

O teletrabalho é fruto da sociedade contemporânea e surge num contexto no qual o sistema fabril clássico está desmoronando, ante as modificações engendradas por nova revolução industrial. Por sistema fabril clássico deve-se entender o sistema que levou à consolidação de um modelo de produção — ainda presente na sociedade — fundado na existência de: (1) um local especíico para a realização do trabalho;
(2) na rígida hierarquização das relações entre empregado e empregador;
(3) no controle rígido e sincronizado do horário de trabalho; (4) na divisão do processo produtivo; (5) e na alienação e mecanização do trabalho humano. A velha linha de montagem e a hierarquia tradicional começaram a perder força, não obstante o fato dos processos fabris baseados na unidade de tempo e lugar serem ainda a realidade de milhões de trabalhadores em todo o mundo. Observe-se, por outro lado, que este tipo de organização produtiva teve relexo na organização do espaço urbano que hoje cobra o seu preço, em especial nos grandes centros urbanos178.

A fábrica, situada em local diverso ao da moradia do trabalhador, impõe a necessidade do seu deslocamento até o trabalho, o que nas grandes cidades pode consumir várias horas diárias, muitas delas perdidas num trânsito caótico, congestionado, estressante, poluidor. Em síntese, terrivelmente incômodo e nocivo à saúde física e mental do ser humano.

Paralelamente a este caos, novas tecnologias, em especial ligadas às telecomunicações e à transmissão de dados e informações são postas à disposição do homem moderno, sobretudo nesta última metade do século. Tal realidade inluenciou, como ainda inluencia, o surgimento de novas formas de prestação de serviço, muitas delas realizadas em ambientes diversos ao da empresa. Percebeu-se que com o uso destes novos meios

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e instrumentos tecnológicos não é mais preciso ir ao trabalho para realizar determinadas tarefas que podem ser perfeitamente executadas em casa e enviadas posteriormente à empresa. É neste contexto que surge o teletrabalho relacionado à prestação de serviço. A expressão teletrabalho para designar o fenômeno ora em estudo não é a única utilizada. Autores têm empregado outras denominações, tais como trabalho periférico, trabalho à distância, trabalho remoto179. Mas a expressão que melhor tem deinido a ideia desta nova forma de trabalho é teletrabalho. É esta que adotamos. Frequentemente a ideia de teletrabalho tem sido associada a situações ou realidades que não expressam de modo adequado o fenômeno, devendo, portanto, ser evitadas.

Destacamos, a seguir, algumas destas ideias desassociadas de nosso conceito. Assim, podemos airmar que teletrabalho: 1 — Não é trabalho a domicílio. Embora seja frequentemente desenvolvido na casa do empregado, este não é o único lugar de prestação do trabalho, que também pode ser executado num estabelecimento satélite da empresa (numa ilial, por exemplo), longe da sede ou da unidade principal à qual o empregado efetivamente se vincula180; 2 — Não é trabalho executado todo o tempo em casa. A atividade não precisa ser desenvolvida contínua e sistematicamente na residência do empregado, podendo ser realizada também na sede da empresa. O trabalhador pode laborar alguns dias da semana em casa e outros na própria empresa181; 3 — Não é trabalho a título precário ou

“informal”. Ao teletrabalhador deve ser estendida toda a gama de direitos dos trabalhadores comuns, devendo estar integralmente abrangido pela legislação trabalhista; 4 — Não é trabalho típico de informática. O empregado

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que passa a desenvolver em casa o trabalho, que normalmente executava no escritório, pode fazê-lo com o suporte do computador, como também do telefone, do fax. Ele não precisa ser um programador, um analista de sistemas, um expert em informática, mas tão somente um proissional que se vale comumente, no desempenho de seu ofício do suporte da informática, do computador. Pode ser um consultor, um gerente, um tradutor ou outro tipo de proissional. Dependendo da natureza da atividade exercida, a informática poderá ter uma importância maior ou menor, mas não constitui o objeto em si do teletrabalho; 5 — Não há ausência do poder de comando, de direção. O empregado está interligado com a empresa, com seu patrão, com seus colegas de ofício. Nesta interligação, o trabalhador geralmente executa o seu ofício com liberdade, porém dentro de certos parâmetros.

A liberdade é, pois, parcial, embora goze o empregado de maior autonomia e de maior liberdade...

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