Right to development in the state of crisis: The effectiveness of gender equality in check/Direito ao desenvolvimento no estado de crise: A efetividade da igualdade de genero em xeque.

AutorMuniz, Veyzon Campos

"Recusar a mulher a igualdade de direitos em virtude do sexo e negar justica a metade da populacao." Bertha Lutz (1)

Introducao *

O objetivo deste artigo e propor uma reflexao a respeito do direito ao desenvolvimento, investigando a sua amplitude e significado no contexto de crise que se observa nas democracias contemporaneas. Para tanto, toma-se a analise da igualdade de genero como exemplificativa do conflito entre a efetividade dos objetivos de desenvolvimento sustentavel (ODS) e medidas de contingenciamento. Assim, restam explicitas inquietacoes e perspectivas acerca da implementacao de politicas publicas que asseguram (ou nao) a efetividade do direito ao desenvolvimento e a construcao de uma sociedade nao sexista.

A afirmacao nao retorica do direito ao desenvolvimento

O direito ao desenvolvimento faz parte do debate internacional ha mais de trinta anos, tendo as Nacoes Unidas o declarado, em 1986, como direito humano. (2) Todavia, em que pese a sua enunciacao, percebe-se que ele ora nao se apresenta no dominio pratico do planejamento estatal, ora nao e implementado a realidade social. De fato, os Estados tendem a demonstrar um apoio retorico ao direito ao desenvolvimento, mas negligenciam seus conteudos basicos na pratica politica (Marks, 2004, p. 137), o que em um estado de crise se agrava.

O direito ao desenvolvimento se configura por tres elementos: um sujeito ativo, seu titular, que pode ser qualquer ser humano, considerado individual ou coletivamente, a quem se atribui uma garantia fundamental; um sujeito passivo, frente a quem se exige o gozo e o exercicio desse direito, o qual tem uma obrigacao positiva (dar ou fazer algo) ou negativa (de nao fazer) para a satisfacao da pretensao do ativo; e um objeto determinado, consistente no desenvolvimento integral do objeto postulado. Tal estruturacao, que remete a classica angularizacao juridico-processual apresenta peculiaridades, uma vez que o direito ao desenvolvimento e entendido como um direito de solidariedade, composto por outros direitos civis e politicos, e tambem economicos, sociais e culturais, necessitando do atendimento integral e concorrente deles para viger faticamente em uma sociedade (Nieto, 2001, p. 59.).

Nesse sentido, o sujeito que: litiga contra uma parte que incorre em ato discriminatorio contra uma mulher, cis ou transgenern (3), em seu pais de origem; ou postula em uma corte internacional contra um Estado visando eliminar formas estruturais de violencia contra mulheres e meninas; ou pleiteia, atraves de redes e articulacoes massivas, a eliminacao de acoes nocivas ao bem-estar feminino, esta incorrendo em pratica que retira do direito ao desenvolvimento o "veu" da mera retorica.

Assim, pode-se pensar no direito ao desenvolvimento como uma possibilidade para o alcance da socialidade. Para alem de eventuais parcialidades ou egoismos individuais, esse direito-sintese pugna pela vontade politica e pelo compromisso coletivo com a sua efetividade. Afinal, "quem tem em suas maos o poder politico ou economico, tem um compromisso frete a humanidade que nao deve ignorar" (Nieto, 2001, p. 60).

Destarte, a responsabilidade pela consecucao do direito ao desenvolvimento pressupoe o compartilhamento de encargos por todos os atores sociais (organizacoes nao governamentais, organismos internacionais, iniciativa privada, e, logicamente, governos locais e nacionais). Nao havendo uma participacao comprometida com o bemestar comum, dificilmente, podem se reverter as condicoes estruturais que impoe entraves ao desenvolvimento. Tanto no aspecto individual quanto no coletivo, o direito ao desenvolvimento supoe uma sujeicao passiva dos Estados, da comunidade internacional e tambem do setor privado, para favorecer um melhor desenvolvimento humano, mediante solidariedade e cooperacao economica, assim como a participacao comprometida de individuos e povos em todo esse processo (Nieto, 2001, p. 61-2). (4)

Afirma-se, assim, que, para "dar sentido, curso e direcao a materialidade do direito ao desenvolvimento", e necessario satisfazer exigencias minimas que representam os direitos humanos em seu conjunto (Madrazo, 1995, p. 84-5). Atentando-se, oportunamente, que:

O desenvolvimento ha de ser concebido como um processo de expansao das liberdades reais que as pessoas podem usufruir [...] Acrescente-se ainda que a Declaracao de Viena de 1993, enfatiza ser o direito ao desenvolvimento um direito universal e inalienavel, parte integral dos direitos humanos fundamentais [...pelo qual se] reconhece a relacao de interdependencia entre a democracia, o desenvolvimento e os direitos humanos (Piovesan, 2002, p. 6).

E, justamente, a condicao interdependente da democracia, do proprio desenvolvimento e dos direitos humanos, que permite a afirmacao da igualdade de genero como um dos objetivos de desenvolvimento sustentavel (ODS). Sucedendo e atualizando os objetivos de desenvolvimento do Milenio (ODM), nos quais ja se inseria alcancar a igualdade de genero e empoderar todas as mulheres e meninas, quando da Cupula das Nacoes Unidas para o Desenvolvimento Sustentavel, em setembro de 2015, adotaram-se os ODS como forma de planejamento estrategico na orientacao das politicas estatais e das atividades de cooperacao internacional na agenda 2015-2030, de modo, a afastar o carater, essencialmente, retorico ou, meramente, programatico do direito ao desenvolvimento. (5)

A igualdade de genero como componente do desenvolvimento sustentavel

O desenvolvimento sustentavel e um paradigma axiologico, pelo qual se introduz, na integralidade da sociedade (do direito e da cultura), um modelo de valoracao interpretativa (Freitas, 2012, p. 31). No plano ideal, se estabelece, internamente, o principio estruturante de sustentabilidade multidimensional, reconhecido externamente, e isto se traduz na satisfacao de todos os direitos humanos dos individuos, que constituem, essencialmente, a razao de Estado (6). Entretanto, no plano dos fatos, isso nao ocorre dessa maneira. O aludido paradigma, que, em verdade, se confunde com a afirmacao (nao falaciosa) do direito ao desenvolvimento, se depara com a realidade das multiplas carencias e mazelas socioeconomicas nos Estados pobres e com a condicao das classes oprimidas nos Estados ricos (cf. Nieto, 2001, p. 59-60).

A dicotomia constatada entre expectativa e realidade, contudo, apenas reforca a ideia de que os direitos humanos correspondem a um processo construtivo e constitutivo. Em especial, como estabelece o item 18, da parte I da Declaracao e Programa de Acao de Viena (1993):

Os direitos humanos das mulheres e das criancas do sexo feminino constituem uma parte inalienavel, integral e indivisivel dos direitos humanos universais. A participacao plena das mulheres, em condicoes de igualdade, na vida politica, civil, economica, social e cultural, aos niveis nacional, regional e internacional, bem como a erradicacao de todas as formas de discriminacao com base no sexo, constituem objetivos prioritarios da comunidade internacional. Nota-se, desde logo, que a igualdade de genero e um componente indispensavel para que em um ambiente se possa afirmar o direito ao desenvolvimento. Trata-se de igualdade como equidade, em que prevalece o senso de justica, permitindo a integralidade dos individuos o reconhecimento como pessoas humanas, semelhantes, independentemente de suas circunstancias peculiares e diferencas que derivam de seus interesses pessoais, caracteristicas fisicas ou aspiracoes particulares. Na diccao das Nacoes Unidas, tal direito compreende: a erradicacao da violencia domestica e familiar contra a mulher, a igualdade nas vidas politica e publica a niveis internacional e nacional, a igualdade legal e de nacionalidade, a igualdade na educacao, a igualdade de direitos no trabalho e no emprego, a igualdade de acesso aos servicos de saude, a garantia de protecao e seguranca social, e a igualdade em materia civel e no direito da familia. (7)

Assevera-se que a igualdade esta intrinsecamente ligada a condicao humana (8), surge com ela e, portanto, e aspecto que se encontra em todo ser humano desde que sua concepcao, independentemente do genero que social ou culturalmente lhe e atribuido. A imputacao da igualdade da-se em todo momento que se percebe o ser humano como tal. Porem, quando se observa, a situacao das mulheres no mundo percebem-se as notorias desigualdades existentes entre homens e mulheres, sobremaneira, nos dominios socioeconomicos.

Objetivando mensurar essa realidade, as Nacoes Unidas estabeleceram indicadores, vejam-se:

O indice de desenvolvimento de genero (Gender Development Index--GDI) revela diferencas entre homens e mulheres em tres dimensoes basicas do desenvolvimento humano: saude, medida pela expectativa de vida feminina e masculina; educacao, medida pelo periodo de escolarizacao da educacao infantil ate os 25 anos; e comando de recursos economicos, medido pelo rendimento estimado auferido por homens e mulheres. O GDI varia entre 0 e 1, sendo que os valores mais altos indicam niveis menores de desenvolvimento. Exemplificativamente, no ultimo resultado disponivel, Portugal, 43[degrees] colocado no ranqueamento, marcava 0,985 ponto, ao passo que o Brasil, 75[degrees], apresentava 0,997; resultados, em linhas gerais, positivos. (9)

O indice de iniquidade de genero (Gender Inequality Index--GII), por sua vez, e o instrumento que mensura as desigualdades propriamente ditas. Ele revela a perda no desenvolvimento humano potencial devido as disparidades entre sexos em duas dimensoes (autonomia e status economico), refletindo a posicao relativa aos ideais normativos de atendimento ao bem-estar das mulheres. O GII reflete como as mulheres se encontram em desvantagens nestas dimensoes. Nao ha nenhum pais com perfeita igualdade de genero: todos sofrem com perdas de realizacoes em aspectos-chave do desenvolvimento humano no que tange a desigualdade entre homens e mulheres. Ele e influenciado por questoes atinentes a saude reprodutiva...

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