A repartição de riscos em contratos regidos pela Lei no 8.666/93

AutorJoão Paulo da Silveira Ribeiro da Silva
Páginas101-142
A repartição de riscos em contratos regidos pela Lei no 8.666/93
JOÃO PAULO DA SILVEIRA RIBEIRO DA SILVA
Introdução
Nos últimos anos, o Direito Administrativo Brasileiro passa por profundas reformas
com a busca da superação gradual de conceitos e institutos clássicos que se a guram
anacrônicos na atual conjuntura de busca da e ciência na gestão pública, tais como:
formalismo excessivo, legalidade estrita e supremacia do interesse público.
Contudo, permanece praticamente inalterada e pouco debatida a disci-
plina jurídica dos contratos administrativos no Brasil, regidos pela Lei nº
8.666/93. Uma das principais questões a ser enfrentada se refere à repartição
de riscos nos contratos administrativos comuns1. A disciplina contida na Lei
nº 8.666/93 aloca, na prática, de acordo com o modelo tradicional2 sustentado
pela doutrina clássica3, grande parte dos riscos para o Estado, o que suscita efei-
tos perversos para a sociedade como: ine ciência, morosidade no cumprimento
dos contratos, extrapolação dos prazos previstos e aumento de custos.
Como se sabe, a Lei nº 8.666/93 versa tanto sobre o procedimento licita-
tório como disciplina os contratos administrativos. No que concerne às dispo-
sições referentes ao procedimento licitatório, já houve reformas importantes4
e existem, em tramitação, propostas de reforma; todavia, o mesmo não ocorre
com o regramento atinente aos contratos administrativos, que permanece pra-
ticamente inalterado e sem propostas efetivas de mudança.
Alguns autores possuem opinião extremamente crítica em relação à Lei de
Licitações e Contratos, como salienta GUSTAVO BINENBOJM:
1 No presente trabalho, permite -se designar aqueles contratos administrativos regidos pela Lei nº
8.666/93, como contratos administrativos comuns.
2 Modelo que defende a constitucionalização da repartição de riscos contida no art. 65, II, d, da Lei nº
3 Exemplos: Maria Sylvia Zanella Di Pietro; Marçal Justen Filho; Celso Antonio Bandeira de Mello.
Ressalte -se que essa corrente é majoritária.
4 Cite -se como exemplo, a edição da Lei 10.520/02, que instituiu o pregão.
102 COLEÇÃO JOVEM JURISTA 2011
A Lei 8.666/93 é, reconhecidamente, uma das piores leis de Li-
citações do Mundo. Um exemplo de academicismo jurídico prosaico,
destituído de qualquer preocupação pragmática com resultados. E tal
receita é ainda regada a altas doses de corrupção e pouca transparência 5.
Com efeito, parte considerável da doutrina veri ca a superação do modelo
consagrado na Lei nº 8.666/93. MARÇAL JUSTEN FILHO6 prevê que, em
breve, o procedimento licitatório nos moldes atuais será objeto de profunda
reformulação:
Veri ca -se forte tendência à alteração do modelo da Lei nº 8.666/93.
Há difusão da sistemática do pregão (disciplinada pela Lei 10.520), que
vem sendo aplicado de modo amplo. A Lei n° 11.079 (de 2004) intro-
duziu sensíveis inovações nas concorrências para outorgas de parcerias
publico -privadas. É previsível que, em um futuro não muito distante, o
procedimento licitatório siga disciplina muito diversa daquela prevista
Em relação à alteração do modelo consagrado na Lei de Licitações, é pre-
ciso registrar que essa tarefa tem se mostrado extremamente árdua. Incontáveis
propostas de alterações encontraram grande di culdade de tramitação no Con-
gresso, por isso, quando se fala em superação da Lei 8.666/93, é imprescindível
levar em consideração a di culdade em empreender mudanças.7
Parece -nos, entretanto, que grande parte dos problemas suscitados pela Lei
8.666/93 advém da sua aplicação e não da sua redação, mesmo considerando
que a Lei em si, possui sérias de ciências. Todavia, as distorções principais se
referem à cultura anacrônica que norteia a sua aplicação, exemplo disso é justa-
mente a repartição de riscos em contratos administrativos comuns.
Deste modo, é possível inferir que a Lei nº 8.666/93, da forma como vem
sendo habitualmente aplicada, se a gura como obstáculo a e ciência adminis-
trativa e, por isso, é antagônica ao Novo Direito Administrativo que a cada dia
se desenvolve e avança no Brasil.
5 BINENBOJM, Gustavo. Reforma da Lei de Licitações: poderia ser melhor. Revista Eletrônica sobre a
Reforma do Estado, Salvador, nº. 8, dezembro 2006./ janeiro/fevereiro.
6 JUSTEN FILHO, Marçal. Comentários à Lei de Licitações e Contratos Administrativos — 11. Ed. São
Paulo: Dialética, 2005, p. 12.
7 Nesse contexto, é possível perceber um esvaziamento da Lei 8.666/93. Uma série de diplomas legais
subsequentes tem reduzido a abrangência da referida Lei: Lei 8987/95, Lei 10520/02, Lei 11.079/04,
sem contar os procedimentos licitatórios especí cos referentes aos setores regulados, como ocorre com o
setor elétrico, por exemplo.
A REPARTIÇÃO DE RISCOS EM CONTRATOS REGIDOS PELA LEI No 8.666/93 103
Colocação do problema
Importante registrar que em todos os contratos existe repartição de riscos,
a nal, uma das funções precípuas dos contratos é justamente distribuir riscos
entre as partes.
No que tange aos contratos administrativos, parte considerável da doutri-
na considera que a distribuição de riscos entre o Estado e o particular já foi feita
Como regra, presume -se que para a manutenção do equilíbrio econômico-
- nanceiro dos contratos administrativos, necessariamente, serão alocados ao
Estado os riscos referentes à ocorrência de fatos imprevisíveis ou previsíveis de
consequências incalculáveis, retardadores ou impeditivos da execução do ajus-
tado, ou, ainda, em caso de força maior, caso fortuito ou fato do príncipe,
conforme dispõe o art. 65, II, d, da referida Lei. 8
Daí se segue a a rmação de que por força de tal Lei, obrigatoriamente, os
riscos delineados no art. 65, II, d, estariam sempre alocados ao Estado.9
Tal interpretação contribui para o seguinte cenário: os contratos adminis-
trativos apenas em casos excepcionais são cumpridos pelo preço originalmente
contratado. 10
Essa constatação rati ca -se com a análise de alguns casos concretos, nos
quais se veri ca uma total subversão dos valores, pois a regra que deveria ser o
cumprimento do contrato pelo preço contratado se a gura como exceção e, a
majoração, por meio de aditivos, se converte em regra.11
Esse fenômeno pode ser facilmente compreendido com a análise do men-
cionado art. 65, II, d. Como se estudará adiante, o referido dispositivo possui
uma série de conceitos indeterminados que provocam muitos inconvenientes
durante a execução dos contratos.
8 Art. 65, II, d — “para restabelecer a relação que as partes pactuaram inicialmente entre os encargos do
contratado e a retribuição da administração para a justa remuneração da obra, serviço ou fornecimen-
to, objetivando a manutenção do equilíbrio econômico - nanceiro inicial do contrato, na hipótese de
sobrevirem fatos imprevisíveis, ou previsíveis porém de consequências incalculáveis, retardadores ou im-
peditivos da execução do ajustado, ou, ainda, em caso de força maior, caso fortuito ou fato do príncipe,
con gurando álea econômica extraordinária e extracontratual.”
9 “Em geral, nossos contratos tratam de repartição de riscos de forma sumária, muitas vezes relapsa.
Resolve -se a questão, normalmente, mediante aplicação do abstrato princípio da manutenção do equi-
líbrio econômico - nanceiro do contrato, cujas diretrizes conformadoras estão  xadas em lei, mas cuja
aplicação prática é feita pelo Judiciário a cada caso, com o auxílio da doutrina acadêmica.” PINTO, Mar-
cos Barbosa. Repartição de Riscos nas Parcerias Público -privadas in Revista do BNDES, Rio de Janeiro, v.
13, n. 25, jun. 2006, p. 158.
10 Existem outros fatores que contribuem para esse cenário, como a utilização indiscriminada de contrata-
ções por preço unitário e as alterações do objeto solicitadas pelo Estado.
11 Não se está aqui a condenar todos os aditivos contratuais, pois eles são um instrumento essencial no
desenrolar dos contratos administrativos.

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT