Inconstitucionalidade da cobrança do icms no serviço de transporte rodoviário interestadual, intermunicipal e internacional de passageiros

AutorRafael da Rocha Guazelli de Jesus
CargoAdvogado
Páginas15-19

Page 15

1. Introdução

Com a edição da Lei Complementar nº 87/96, o legislativo pretendeu dar solução à falta de regulamentação do ICMS, que nunca existiu desde a promulgação da Constituição Federal de 1988, ou seja, os Estados da Federação exigiam o imposto sobre o consumo sem que tivesse ocorrido sua necessária regulamentação, o que implica demérito de cobrança e completa ilegitimidade do imposto em face do sistema constitucional tributário vigente.

Ocorre que a Lei Complementar 87/96 - Lei Kandir - apenas atendeu ao requisito formal estabelecido no artigo 146 da Constituição Federal. Contudo, foi editada com inúmeros vícios que já permeavam o Convênio 66/88, razão pela qual não serve de sustentáculo para a exigência do ICMS.

Uma análise da Lei Complementar 87/96 permite verificar que o artigo 4º, o artigo 11, inciso II, alíneas a e c, e o artigo 12, incisos V e XIII, são inconstitucionais por estarem em evidente Page 16 contrariedade ao disposto nos artigos 146, I a III, e 155, inciso II, § 2º e incisos I, III, VII (alínea a) e VIII, da Constituição Federal de 1988.

Veja-se o que estabelecem as referidas normas:

Art. 4º - Contribuinte é qualquer pessoa, física ou jurídica, que realize, com habitualidade ou em volume que caracterize intuito comercial, operações de circulação de mercadoria ou prestações de serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação, ainda que as operações e as prestações se iniciem no exterior.

[...]

Art. 11 - O local da operação ou da prestação, para os efeitos da cobrança do imposto e definição do estabelecimento responsável, é:

[...]

II - tratando-se de prestação de serviço de transporte:

a) onde tenha início a prestação;

[...]

c) o do estabelecimento destinatário do serviço, na hipótese do inciso XIII do art. 12 e para os efeitos do § 3º do art. 13;

[...]

Art. 12 - Considera-se ocorrido o fato gerador do imposto no momento:

V - do início da prestação de serviços de transporte interestadual e intermunicipal, de qualquer natureza; VI - do ato final do transporte iniciado no exterior;

[...]

VIII - do fornecimento de mercadoria com prestação de serviços:

a) não compreendidos na competência tributária dos Municípios;

b) compreendidos na competência tributária dos Municípios e com indicação expressa de incidência do imposto de competência estadual, como definido na lei complementar aplicável;

A análise dos referidos dispositivos da Lei Complementar 87/96 em contraposição à Constituição Federal de 1988 e os ditames e regras que estabelece em face do ICMS revelam diversas inconstitucionalidades e vícios, conforme se demonstrará a seguir.

2. Da não-cumulatividade do imposto

Algumas das características mais evidentes conferidas ao ICMS pelo texto constitucional são a nãocumulatividade e a seletividade, sendo certo que para a prestação de serviços de transporte intermunicipal e interestadual, tal regra está insculpida no artigo 155 da Constituição Federal:

"Art.155 - Compete aos Estados e ao Distrito Federal instituir impostos sobre:

[...]

II - operações relativas à circulação de mercadorias e sobre prestações de serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação, ainda que as operações e as prestações se iniciem no exterior;

[...]

§ 2º. O imposto previsto no inciso II atenderá ao seguinte:

[...]

I - será não-cumulativo, compensando-se o que for devido em cada operação relativa à circulação de mercadorias ou prestação de serviços com o montante cobrado nas anteriores pelo mesmo ou outro Estado ou pelo Distrito Federal;

[...]

III - poderá ser seletivo, em função da essencialidade das mercadorias e dos serviços;

[...]

VII - em relação às operações e prestações que destinem bens e serviços a consumidor final localizado em outro Estado, adotar-se-á: a) a alíquota interestadual, quando o destinatário for contribuinte do imposto;

[...]

VIII - na hipótese da alínea a do inciso anterior, caberá ao Estado da localização do destinatário o imposto correspondente à diferença entre a alíquota interna e a interestadual;" (Grifos nossos)

A transcrição acima não deixa qualquer dúvida: o princípio da não-cumulatividade é característico do ICMS e foi mantido na ordem constitucional vigente, através do qual o legislador beneficia o contribuinte, que só tributa o valor agregado, bem assim o consumidor final, que não se obriga a pagar preços onerados em diversas fases das cadeias produtivas, eis que o imposto não se acumula.

Para que seja possível e viável a observância quanto à não-cumulatividade do imposto, necessário um controle efetivo de abatimentos ou deduções, permitindo a compensação do imposto pago nas operações anteriores com o supostamente devido nas operações próprias. O crédito tributário tem a característica de propriedade do contribuinte e sua utilização é de competência exclusiva de seu titular por imposição de princípio constitucional tributário, independendo de legislação, regulamentação ou autorização de qualquer autoridade pública que seja.

O tributarista Paulo de Barros Carvalho leciona : "O princípio da não-cumulatividade é do tipo limite objetivo: impõe técnica segundo a qual o valor de tributo devido em cada operação será compensado com a quantia incidente sobre as anteriores, mas preordena-se à concretização de valores como o da justiça da tributação, respeito à capacidade contributiva e uniformidade na distribuição da carga tributária sobre as etapas de circulação e de industrialização de...

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