É Necessária a Realização de Exame Sanguíneo para a Comprovação do Crime de Embriaguez ao Volante quando o Condutor já Tiver se Submetido a Teste em Aparelho de Ar Alveolar Pulmonar?

AutorJosué Justino do Rio
CargoBacharel em Direito
Páginas76-81

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A violência no trânsito tem sido tema de inúmeros debates em diversos setores da sociedade. É notório que o aumento da venda de veículos automotores nos últimos anos tem batido recordes, porém, é sabido, igualmente, que o número de vítimas de acidentes de trânsito envolvendo veículos automotores também tem aumentado, em especial quando o condutor está sob influência de álcool.

De acordo com a Organização Mundial da Saúde - OMS, o número de consumidores de bebidas alcoólicas no mundo chega a 2 bilhões. Estima-se que as mortes causadas em decorrência do uso do álcool são de aproximadamente 1,8 milhão por ano.

Pesquisa realizada pela Secretaria Nacional Antidrogas, em parceria com a UNIFESP - Universidade Federal de São Paulo -, de abrangência nacional, demonstrou que 52% da população brasileira acima dos 18 anos consomem bebida alcoólica ao menos uma vez ao ano, sendo que 2/3 dos motoristas já dirigiram após ingerir bebidas alcoólicas em quantidade acima do limite permitido. A pesquisa ainda detectou que 74,6 % dos brasileiros com idade entre 12 e 65 aos já ingeriram bebida alcoólica ao menos uma vez na vida.

O Decreto 6.117, de 22 de maio de 2007, instituiu a Política Nacional sobre o Álcool, estabelecendo ações a fim de reduzir o uso indevido do álcool e sua associação com a violência e criminalidade na população brasileira. A coordenação das medidas e sua implantação ficaram sob responsabilidade da Secretaria Nacional Antidrogas.

Estima-se que os gastos do governo no tratamento de pessoas vítimas de acidentes nas rodovias brasileiras chegam à ordem de 32 bilhões de reais por ano, isso sem falar na perda de vidas humanas.

Em razão disso, visando diminuir os custos e os acidentes envolvendo condutores de veículos automotores sob efeito de álcool ou substância psicoativa, foi promulgada, em 19 de junho de 2008, a Lei 11.705/08, alterando substancialmente o art. 306 da Lei 9.503/97 - Código de Trânsito Brasileiro.

Assim, diante desse contexto, o presente artigo terá por objetivo fazer uma abordagem jurídica quanto à concreta aplicação do dispositivo antes mencionado, sobretudo no que tange à exigência ou não da produção de prova para comprovação da embriaguez ao volante.

Inicialmente, será feita uma breve análise comparativa entre a primitiva e a atual redação do artigo 306 do Código de Trânsito Brasileiro, porquanto, como é sabido, trata-se de mais um daqueles tipos penais polêmicos e que passam a fazer parte do rol dos crimes de perigo abstrato.

Em seguida, discutir-se-á a desnecessidade de fornecimento de material sanguíneo para comprovação da quantidade de álcool contida no sangue do condutor de veículo automotor, quando este já tiver se submetido, voluntariamente, ao teste em aparelho de ar al-veolar pulmonar, o popular bafômetro.

Por fim, cabe frisar que durante o desenvolvimento do trabalho, serão feitas citações jurisprudenciais a respeito do tema.

Breve análise do atual artigo 306 da Lei 9 503/97 - crime de perigo abstrato

A primitiva redação do art. 306 do Código de Trânsito Brasileiro, previa como fato típico a conduta do indivíduo que conduzia veículo automotor, na via pública, sob a influência de álcool ou substância de efeitos análogos, expondo a dano potencial a incolumi-dade de outrem.

Tratava-se, na espécie, de crime de perigo concreto, tendo em vista que, embora não se exigisse o efetivo dano ao bem jurídico protegido, era imprescindível a comprovação da probabilidade de lesão à incolumidade pública. Esse inclusive era o entendimento do Superior Tribunal de Justiça:

"O delito de embriaguez ao volante, previsto no art. 306 da Lei n. 9.503/97, por ser de perigo concreto, necessita, para a sua configuração, da demonstração da potencialidade lesiva. (REsp 515526-SP, 5a. T., rel. Felix Fisher, 02.12.2003, v.u., Dje.: 19.12.2003, p. 598)" (NUCCI, 2008, p. 1117).

Porém, visando, dentre outros motivos, à diminuição dos acidentes de trânsito provocados por condutores de veículos automotores sob influência de álcool ou substância psicoativa, em 19

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de junho de 2008, foi promulgada a Lei 11.705, apelidada de "lei seca", que alterou significativamente o caput do art. 306 da Lei 9.503/97, passando o dispositivo a contar com a seguinte redação:

Art. 306. Conduzir veículo automotor, na via pública, estando com concentração de álcool por litro de sangue igual ou superior a 6 (seis) decigramas, ou sob a influência de qualquer outra substância psicoativa que determine dependência.

Penas - detenção, de 6 (seis) meses a 3 (três) anos, multa e suspensão ou proibição de se obter a permissão ou a habilitação para dirigir veículo automotor.

Parágrafo único: O Poder Executivo federal estipulará a equivalência entre os distintos testes de alcoolemia, para efeito de caracterização do crime tipificado neste artigo.

Ao contrário do dispositivo anterior, que considerava imprescindível a comprovação da probabilidade de dano efetivo à incolumidade pública, o novel tipo penal incriminador dispensou a necessidade de qualquer prejuízo ao bem jurídico tutelado, exigindo, apenas, a constatação da concentração de álcool por litro de sangue igual ou superior a seis decigramas. Diante da alteração, o crime do art. 306 do Código de Trânsito, passou, então, a ocupar o seleto rol dos crimes de perigo abstrato, o que tem provocado críticas. O Superior Tribunal de Justiça, dentre outros julgados, no HC n. 175.385-MG, se posicionou no sentido de que o delito do art. 306 do Código de Trânsito Brasileiro é de perigo abstrato:

"Habeas Corpus. Crime de embriaguez ao volante. Alegação de falta de justa causa para a persecução penal. Atipicidade da conduta por ausência de demonstração de sua lesividade. Inexistência. Crime de perigo abstrato. trancamento da ação penal. impossibilidade, ordem denegada. 1. 'O crime do art. 306 do CTB é de perigo abstrato, e para sua comprovação basta a constatação de que a concentração de álcool no sangue do agente que conduzia o veículo em via pública era maior do que a admitida pelo tipo penal, não sendo necessária a demonstração da efetiva potencialidade lesiva de sua conduta.' (STJ, HC 140.074/DF, 5a. Turma, Rel. Min. Felix Fischer, DJe de 14/12/2009.) 2. Uma vez que a denúncia traz indícios concretos de que o Paciente foi flagrado dirigindo veículo automotor com concentração de álcool no sangue superior ao que a lei permite, não se pode falar em ausência de justa causa para a persecução penal do crime de embriaguez ao volante. 3. 'O reconhecimento da ino-corrência de justa causa para a persecução penal, embora cabível em sede de 'habeas corpus', reveste-se de caráter excepcional. Para que tal se revele possível, impõe-se que inexista qualquer situação de iliquidez ou de dúvida objetiva quanto aos fatos subjacentes à acusação penal' (STF, HC 94.592/SP, 2a. Turma, Rel. Min. Celso de Mello, DJe de 02/04/2009). 4. Habeas corpus denegado" (HC 175.385-MG (2010/01030018-8), T. 5., Rel. Min. Laurita Vaz, Dje: 04.04.2011, v.u.).

Guilherme de Souza Nucci, por sua vez, sustenta que foi lamentável a modificação introduzida pela Lei 11.705, de 19 de junho de 2008, porquanto "eliminou-se do tipo incriminador a expressão 'sob influência de álcool', inserindo-se 'estando com concentração de álcool por litro de sangue igual ou superior a seis decigramas'" (2009, p. 1154). Desta feita, segundo o autor, antes "era suficiente dirigir influenciado pelo álcool, colocando em perigo a segurança viária. Hoje, torna-se indispensável comprovar que o agente conduzia o veículo com concentração alcoólica específica" (2009, p. 1.154). Por outro lado, quanto ao indivíduo que for surpreendido conduzindo veículo automotor, na via pública, sob influência de substância psicoativa que determine dependência, o legislador não fez menção a qualquer quantidade.

O Poder Executivo federal, por meio do Decreto 6.488, de 19 de junho de 2008, regulamentou os artigos 276 e 306 da Lei 9.503/97 e disciplinou a margem de tolerância de álcool no sangue. O artigo 2° do citado decreto estabelece que para fins criminais a equivalência entre os distintos testes de alcoolemia é a seguinte:

"(...) exame de sangue: concentração de álcool igual ou superior a seis decigramas de álcool...

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