A Seguridade Social como Direito Fundamental do Cidadão

AutorZeno Simm
CargoProfessor das Faculdades Integradas Curitiba/PR
Páginas7-11

    Roteiro da conferência proferida no encerramento do 18º Congresso Brasileiro de Previdência Social (Editora LTR) - São Paulo, 22-6-2005.

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1. Os direitos fundamentais; os direitos sociais como direitos fundamentais; a cidadania social

O constitucionalismo atual não seria o que é sem os direitos fundamentais. As normas que consagram os direitos fundamentais, junto com as que estabelecem a forma de Estado e o sistema econômico, são decisivas para definir o modelo constitucional de sociedade. Há um estreito nexo de interdependência, genético e funcional, entre o Estado de Direito e os direitos fundamentais: o Estado de Direito, como tal, exige e implica a garantia dos direitos fundamentais, enquanto que estes, para sua realização, exigem e implicam o Estado de Direito1.

Embora não haja unanimidade na doutrina acerca do conceito de direitos fundamentais, cujas origens costumam ser situadas nas declarações de direitos da Inglaterra medieval, da independência americana e da Revolução Francesa, é sabido que os chamados direitos fundamentais surgiram como uma forma de proteção do indivíduo contra a onipotência do Estado, ou seja, como freios e anteparos à interferência estatal ilegítima ou abusiva nas esferas de liberdade ou de autonomia individual. Eram, pois, direitos de defesa oponíveis ao Estado e limitadores da sua atuação, com uma característica de competência negativa.

À medida, porém, que o Estado foi evoluindo na direção do modelo de Estado social, os direitos fundamentais também foram se desenvolvendo e ampliando a sua significação, para compreender também algumas prestações positivas do Estado. Vale dizer, passaram a impor ao Estado certas condutas em benefício dos indivíduos.

Portanto, depois dos direitos civis e políticos, surgiram os chamados direitos econômicos e sociais, que são típicos "direitos de crédito", por meio dos quais os indivíduos passaram a ser credores de uma atuação do Estado nos campos econômico e social.

Então, os direitos fundamentais do homem passaram a ser entendidos como necessários à sobrevivência digna e à realização de toda pessoa humana como tal, atribuindo- se-lhes as características de historicidade (têm origem e desenvolvimento histórico), de inalienabilidade (são intransferíveis e inegociáveis) e de imprescritibilidade (nunca deixam de ser exigíveis).

Segundo Ferrajoli, os direitos fundamentais são valiosos porque contribuem para a paz, para a igualdade, para assegurar a democracia e, sobretudo, para a proteção dos mais fracos. São "a lei do mais fraco"2.

Com o surgimento do chamado Estado Constitucional de Direito, os direitos fundamentais passaram a figurar, com maior ou menor intensidade, nas Constituições modernas e em outros documentos importantes, como a Declaração de Independência dos Estados Unidos, a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão (França, 1789), as Convenções de Genebra sobre direitos humanos internacionais (1864, 1926 e 1929), o Tratado de Versalhes (1919), a Declaração Universal dos Direitos do Homem (ONU, 1948), o Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos e o Pacto Internacional de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais (adotados pela ONU em 1966), a Declaração de Viena (1993) etc. Com essa constitucionalização e internacionalização, os direitos fundamentais passaram a ter também uma característica de universalidade ou universalização (em especial no mundo ocidental).

Não obstante, há correntes doutrinárias que afirmam a existência, nessa matéria, de um direito "suprapositivo", constituído de princípios tão elementares e que evidenciam um direito até mesmo anterior à Constituição e que obrigam o próprio legislador constitucional. São, pois, princípios fundamentais anteriores e superiores ao direito positivado, cuja inclusão nos textos constitucionais tem significado apenas declaratório e não constitutivo, porque não cria o direito, mas antes o reconhece3. Daí a origem das chamadas "cláusulas pétreas" e da possibilidade de serem consideradas inconstitucionais as próprias normas constitucionais (originárias e especialmente revisionais).

De outro lado, merece especial registro a gradativa inclusão dos chamados direitos sociais nos textos constitucionais, provocada pela exacerbação dos conflitos sociais entre os proprietários e os excluídos, verificandose uma progressiva constitucionalização dos direitos sociais e desconstitucionalização do caráter ilimitado da propriedade4.

É difícil conceituar ou precisar o que seriam esses chamados direitos sociais. Por certo, não são direitos de defesa frente ao Estado (Abwehrrechte) mas, sim, meios de satisfação dos direitos prestacionais dos cidadãos (Leistungsrechte). Funcionam como "um instrumento de intervenção destinado a compensar e corrigir desigualdades, a restaurar equilíbrios ameaçados", constituindo-se em "um direito de preferências, um direito de não-reciprocidades, um direito de discriminações positivas"5. Fundam-se em dois princípios básicos: o da dignidade da pessoa humana e o da igualdade, procurando criar uma situação de igualdade material entre as pessoas, reduzindo os desníveis entre elas e buscando eliminar e suprir as necessidades mínimas do indivíduo, dando-lhe as condições básicas de uma existência digna, sem o quê de nada adianta querer-se assegurar outros tipos de direitos6.

Os direitos sociais são, pois, direitos de inclusão, ao contrário dos direitos patrimoniais, que são excludentes. São "a lei do mais fraco", são direitos de igualdades.

A primeira Constituição a conter claramente um rol de direitos sociais foi a mexicana (Querétaro, 1917), seguida de perto pela alemã (Weimar, 1919) e que se tornou um marco do constitucionalismo social. No Brasil, os direitos sociais estão positivados no art. 6º da Constituição, a saber: educação, saúde, trabalho, moradia, lazer, segurança, previdência social, proteção à maternidade e infância e assistência aos desamparados7.

Apesar dessa constitucionalização, ainda hoje há quem veja esses direitos sociais não como típicas normas jurídicas, dotadas de plena eficácia e exigibilidade, mas como simples normas programáticas (Programmsätze) ou declarações de boas intenções, de orientação à atuação dos Poderes Públicos.

Com efeito, tradicionalmente classificam-se as normas constitucionais em três tipos8:

  1. eficácia plena, ou seja, aquelas que, por si mesmas, são executórias e de aplicabilidade imediata, também chamadas de auto-aplicáveis;

  2. eficácia contida, que também têm aplicação direta e imediata, mas se sujeitam a uma lei futura que possa restringir sua aplicação;

  3. eficácia limitada, que são as normas definidoras de princípio institutivo ou organizativo e as definidoras de princípio programático.

Tal classificação, todavia, não logrou pacificar a questão, pois ainda subsiste a polêmica acerca de onde devem ser alocadas as normas que tratam dos direitos sociais. Há mesmo quem lhes negue até a condição de direitos, sob o argumento de que nem sempre seriam dotados de exigibilidade.

De fato, há alguma divergência, na doutrina, acerca da caracterização ou não dos chamados "direitos econômicos, sociais e culturais" como "direitos fundamentais", havendo respeitáveis manifestações num e noutro sentido. Esta questão da sua natureza jurídica está ainda longe de ser definitiva e pacificamente resolvida. Não é raro encontrar-se, na doutrina, posições questionando se os chamados "direitos sociais" são mesmo uma categoria de direitos, exatamente porque estariam destituídos de efetividade e muitas vezes sequer seriam passíveis de reivindicação na esfera judicial, usualmente exemplificando-se com o "direito ao trabalho" ou "direito de obter um emprego", regra que não vem acompanhada da imposição aos empregadores da obrigação de contratar (até porque isso seria economicamente inviável) nem ao Estado de suprir tal...

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