Correlação entre imputação, sentença e nulidade

AutorHeráclito A. Mossin
CargoAdvogado. Professor de processo penal da Universidade de Ribeirão Preto
Páginas1-7

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1 - Correlação

Etimologicamente,correlação implica correspondência.1 No que tange á matéria cuidada, o seu objeto cardeal é exatamente procurar estabelecer qual é a relação mútua entre a denúncia e queixa e a sentença condenatória e de pronúncia.

Como é cediço, nas peças postulatórias precitadas (petição inicial no crime) é imputado um fato típico ao acusado, ou seja, uma conduta positiva ou negativa que encontra moldura na norma penal sancionatária. É exatamente em torno dessa imputação que o sujeito passivo da relação jurídico-processual promove sua defesa.

Em circunstâncias desse matiz, tendo em vista a acusação, a defesa que lhe é conseqüente, bem como a decisão que lhe é posterior, é imprescindível se estabelecer qual é a correspondência entre esse três elementos de caráter processual, não só do ponto de vista do direito processual penal, bem como sob a égide da Magna Carta da República.

Em princípio, cumpre ao magistrado decidir conforme aquilo que lhe foi postulado. Não pode ele, decidir nem extra ou ultra petita, posto que assim o fazendo estará ele violando o direito da ampla defesa e do contraditório, que tem garantia de fundo constitucional.

Por outro lado, se o juiz deve julgar no limite do pedido a ele feito, qualquer alteração, principalmente a mais, ofende o princípio da inércia do poder de julgar: ne procedat iudex ex officio.

No campo das nulidades, se houver a ausência de correspondência entre a imputação e a sentença, essa será imprestável, não gerará nenhuma eficácia. Page 2

Feitas estas considerações preliminares, cumpre agora examinar a correção entre a sentença condenatória e a de pronúncia.

2 - Correlação e sentença condenatória

A correção somente ostenta aplicabilidade com a sentença condenatória,não alcançando em seu bojo a absolutória.

Seguindo as pegadas anteriormente traçadas, o fato imputado demarca, traça o perímetro em que pode incidir a sentença condenatória. Logo, o magistrado somente pode julgar o pedido contido na denúncia ou queixa com base no fato que nela se encontra descrito. Não pode o juiz, advirta-se, julgar extra ou ultra petita, porquanto sua decisão estaria abrangendo fato em relação ao qual o acusado não exerceu a plenitude de sua defesa, uma vez que relativamente a ele não houve imputação, não houve descrição na peça postulatória pública ou privada. Ademais, se houver decisão relativamente à circunstância fática não atribuída ao réu na inicial criminal, também estará o magistrado maculando o princípio do ne procedat iudex ex officio, inerente à jurisdição e que também se eleva à categoria de corolário do sistema acusatório adotado pela legislação processual penal pátria.

E, como se isso não bastasse, em função do princípio da correlação, o magistrado encarregado do ius dicere não pode também julgar o réu por fato mais grave (in peius).

Ocorrendo pronunciamento jurisdicional que não se mostra compatível com a narração contida na denúncia ou queixa, a conseqüência de ordem processual imediata é a nulidade absoluta da sentença, como aliás, já se exortou preteritamente.

Com efeito, não discrepa do que restou assentado o magistério provindo de Julio Fabbrini Mirabete, ao afirmar que a correlação entre a imputação e a sentença representa uma das mais relevantes garantias do direito de defesa e qualquer distorção, sem observância dos dispositivos legais cabíveis, acarreta a nulidade da decisão.2

A jurisprudência, da mesma forma, tem se inclinado à imprestabilidade do pronunciamento jurisdicional quando houver a inexistência da correlação entre imputação e condenação.3

No âmbito da matéria abordada, para efeito de esclarecimento e melhor compreensão em torno dela, necessário se torna enfocá-la diante dos princípios do iura novit curia, do narra mihi factum dabo tibi ius ou da livre dicção do direito (emendatio libelli), que se encontra inserido no art. 383 do Código de Processo Penal e da mutatio libelli, que está vertido no art. 384,caput, do precitado diploma legal.

Nota-se pelo conteúdo normativo do art. 383 do Código de Processo Penal, Page 3 que cumpre ao juiz, quando da sentença,sem modificar a descrição do fato contida na denúncia ou queixa, dar a classificação definitiva do crime, embora possa com isto aplicar pena mais grave do que aquela que seria imposta tendo em vista a adequação típica apontada na peça acusatória.

Por intermédio desse regramento legal, conclui-se que a figura penal apontada pelo órgão acusatório público ou privado na peça postulatória que se torna obrigatória, porquanto sem tipicidade não pode haver persecução criminal, é plenamente provisória, podendo ser emendada, corrigida pelo magistrado quando da prolação do pronunciamento jurisdicional. Isso...

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