Sistema brasileiro de defesa da concorrência e mercado de saúde suplementar

AutorUinie Caminha; Leonardo José Peixoto Leal
Páginas144-157

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Introdução

No presente trabalho, busca-se fazer uma análise acerca do Sistema Brasileiro de Defesa da Concorrência e sua atuação em relação ao mercado de saúde suplementar. 1 2O intuito é, considerando a estrutura e a normatização do antitruste no Brasil, averiguar o tratamento dado a este importante setor da economia.

A defesa da concorrência visa ao ideário da concorrência perfeita, ou seja, que nas relações de mercado nenhum dos indivíduos tenha poder suficiente (poder de mercado) para alterar ou determinar a seu critério os elementos dessas relações como preço, produção, criação de barreiras à entrada de novos concorrentes, medidas com o intuito de diminuir ou eliminar a concorrência. Assim, busca que existam consumidores e produtores em quantidades equivalentes, agindo de forma independente.

O mercado de saúde suplementar corresponde ao serviço médico prestado não diretamente pelo Estado, por meio do Sistema Único de Saúde (SUS), mas pela iniciativa privada, por contratos particulares. Referido mercado, no Brasil, sofre uma falha emblemática. As operadoras de plano de saúde estabelecem contratos com consumidores finais de forma que estes não pagam diretamente por consultas, exames ou internações, mas são reembolsados, pagando um prêmio, contrato de seguro típico. Os médicos e os hospitais negociam diretamente com as operadoras que os remuneram mediante o pagamento dos prêmios, deixando o consumidor final isolado da negociação, colocando a operadora como a única adquirente dos serviços médicos.

Situações de distorção em relação ao poder de mercado como a acima apresentada são o foco de atuação do direito da concorrência, fundado no Brasil na Lei 8.884 de 11 de junho de 1994, devendo este reprimir tais práticas e garantir a existência da concorrência e do poder de barganha dos indivíduos componentes do mercado.

Quanto aos aspectos metodológicos, este trabalho foi realizado através de um estudo descritivo-analítico, desenvolvido através de pesquisa: bibliográfica, mediante explicações embasadas em trabalhos publicados sob a forma de livros, revistas, artigos, dissertações, teses, publicações especializadas, imprensa escrita e dados oficiais publicados na Internet, que abordem direta ou indiretamente o tema em análise, enfim, uma análise bibliográfica aprofundada, de forma específica em relação ao Sistema Brasileiro de Defesa da Concorrência e ao mercado de saúde suplementar e, ainda, análise de casos submetidos ao Conselho Administrativo de Defesa da Econômica.

No que tange à tipologia da pesquisa, esta é, segundo a utilização dos resultados, pura, visto ser realizada apenas com o intuito de ampliar os conhecimentos. Segundo a abordagem, é qualitativa, com a apreciação da realidade no que concerne ao tema no ordenamento jurídico pátrio. Quanto aos objetivos, a pesquisa é descritiva, já que buscará descrever, explicar, classificar e esclarecer o problema apresentado; e exploratória, uma vez que procura aprimorar ideias, buscando maiores informações sobre a temática em foco.

Neste trabalho, primeiramente é feita uma contextualização do direito antitruste, posteriormente segue-se tratando da ordem económica na Constituição de 1988. Em seguida, é apresentado o atual sistema brasileiro de defesa da concorrência, depois se analisa o mercado de saúde suplementar e suas peculiaridades; por fim, trata-se de forma mais específica da chamada teoria do poder Page 145 compensatório e a possibilidade de fixação de honorários de forma coletiva e tabelada pelos médicos prestadores de serviço perante as operadoras de planos de saúde.

1 Direito antitruste

O direito antitruste tem direta ligação com o capitalismo e com o pensamento econômico liberal. Tal doutrina tem sua base no trabalho de Adam Smith. Em sua obra, "a Riqueza das Nações", o autor estabelece o pensamento de que a riqueza das nações está diretamente relacionada à conduta dos indivíduos que a compõem, estes, movidos tão somente por seus interesses próprios (self-interest), findam por contribuir com o crescimento e com o desenvolvimento da nação.

Só o trabalho produtivo, aquele que produz um excedente de valor em relação ao custo de sua produção, é capaz de contribuir para o aumento da riqueza e do bem-estar da nação, tais fatores podem ser medidos pela renda anual per capta de seus cidadãos, trabalhadores produtivos.

Nesse sentido, as necessidades individuais devem ser satisfeitas por esforço próprio, constituindo uma rede de trocas de interesses e de excedentes, e não por benevolência, como deixa claro Adam Smith 3:

O homem, entretanto, tem necessidade quase constante da ajuda dos semelhantes, e é inútil esperar esta ajuda simplesmente da benevolência alheia. Ele terá maior probabilidade de obter o que quer, se conseguir interessar a seu favor a auto-estima dos outros, mostrando-lhes que é vantajoso para eles fazer-lhes ou dar-lhes aquilo de que ele precisa. É isto o que faz toda pessoa que propõe um negócio a outra. Dê-me aquilo que eu quero, e você terá isto aqui, que você quer - esse é o significado de qualquer oferta desse tipo; e é dessa forma que obtemos uns dos outros a grande maioria dos serviços que necessitamos. Não é da benevolência do açougueiro, do cervejeiro ou do padeiro que esperamos nosso jantar, mas da consideração que eles têm pelo seu próprio interesse: Dirigimo-nos não à sua humanidade mas à sua auto-estima, e nunca lhes falamos das nossas próprias necessidades, mas das vantagens que advirão para eles. Ninguém, a não ser o mendigo, sujeita-se a depender sobretudo da benevolência dos semelhantes.

Com base nisso, o autor defende a não interferência no mercado, ou seja, o próprio mercado, com sua "Mão invisível" e leis próprias, levaria os indivíduos a buscar seu bem-estar e, por conta disso, gerar o bem-estar coletivo, tendo por consequência o desenvolvimento e a riqueza da nação.

No entanto, embora o pensamento de Adam Smith seja a base da teoria económica atual, a ausência total do Estado mostrou-se ineficiente, sobretudo no sentido de garantir o desenvolvimento económico das nações. O modelo capitalista de produção pode sofrer distorções e falhas em alguns mercados, como a ocorrência de monopólios e cartéis, práticas anticoncorrenciais, causando uma concentração inadequada de renda e uma ineficiência do mercado. O bom funcionamento do mercado depende de forma direta da existência de um sistema de concorrência eficaz, capaz de inibir práticas nocivas à economia.

Em verdade, nem o Estado máximo nem o Estado mínimo constituem o mais adequado meio de intervenção estatal na economia, o Estado nem deve explorar a atividade económica de forma direta tampouco abster-se de nela interferir quando for absolutamente necessário, visando essencialmente à eficiência do mercado e ao bem-estar coletivo, fomentando a um só tempo a livre iniciativa e o desenvolvimento econômico.

Com o desenvolvimento da teoria de Adam Smith, tem-se como papel do Estado a função de regular a economia, justamente no sentido de evitar e reprimir distorções que comprometam a liberdade de transação entre os indivíduos, ou seja, o Estado deve criar Leis e mecanismos que garantam o ambiente mais próximo da concorrência perfeita e do mercado livre.

Nesse contexto, mercado é um organismo artificial, voltado a regular a economia, construído a partir de uma decisão política, uma escolha do Estado. Tal escolha é, portanto, o ponto nodal para definição de mercado na Ciência Jurídica, notadamente no sentido das regras, legislações e princípios aplicáveis às relações económicas em determinado país. Para Daniel Goldberg 4, sob o ponto de vista da teoria do direito, pode-se definir mercado como um conjunto de instituições jurídicas que permitem que os consumidores, em conjunto ou individualmente, comuniquem aos produtores e aos fornecedores, através do conjunto de suas preferências, qual quantidade demanda de determinado Page 146 bem ou serviço ofertado, sempre no intuito de se chegar à eficiência, à troca satisfatória para ambos de bens e direitos, até um nível em que qualquer troca adicional seria forçada. Esta é a concepção de autorregulação do mercado.

A eficiência do mercado depende de forma direta dessas escolhas e decisões, ou seja, de como se dá a intervenção do Estado na economia. A intervenção do Estado pode ser direta ou indireta, sendo a primeira caracterizada pela adoção da atividade empresarial por parte do próprio Estado, através de empresas públicas ou sociedades de economia mista em um sistema de concorrência com os particulares ou no exercício de um monopólio, iniciativa rechaçada pelo pensamento económico liberal; e a segunda através de planos económicos, fiscalização e regulação do mercado 5.

Nessa sistemática, o mercado pode existir dentro de um sistema de concorrência perfeita ou imperfeita, conforme afirma João Bosco Leopoldino da Fonseca 6:

A concorrência pode definir-se como perfeita ou imperfeita. A concorrência perfeita pressupõe uma absoluta igualdade de todos os integrantes do mercado, ou seja, pressupõe que todos os concorrentes são equivalentes a um átomo (atomicidade) e que a saída individual de um deles do mercado não afete a formação do preço dos bens. [...]

A concorrência imperfeita se caracteriza pelo rompimento ou mau funcionamento dos elementos que identificam a primeira. Em lugar de atomicidade, existe molecularidade, em que existe heterogeneidade dos sujeitos que atuam no mercado. (destaques do original)

Milton Friedman 7 sustenta que o mercado garante a eficiência económica desde que assegurada a liberdade dos indivíduos, ou seja, a...

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