O sistema de direitos fundamentais e sua abertura na ordem constitucional brasileira

AutorOsvaldo Ferreira de Carvalho
CargoProfessor universitário do Centro Universitário Estácio de Sá de Goiás (Goiânia-GO, Brasil)
Páginas137-172
Licenciado sob uma Licença Creative Commons
Licensed under Creative Commons
Rev. Investig. Const., Curitiba, vol. 9, n. 1, p. 137-172, jan./abr. 2022.
O sistema de direitos fundamentais e sua abertura
na ordem constitucional brasileira
The fundamental rights system and its opening
in the Brazilian constitutional order
OSVALDO FERREIRA DE CARVALHO I, *
I Centro Universitário Estácio de Sá de Goiás (Goiânia, Goiás, Brasil)
osvaldopesquisador@gmail.com
http://orcid.org/0000-0003-0926-7046
Recebido/Received: 25.11.2021 / November 25th, 2021
Aprovado/Approved: 19.04.2022 / April 19th, 2022
Revista de Investigações Constitucionais
ISSN 2359-5639
DOI: 10.5380/rinc.v9i1.83825
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Como citar esse artigo/How to cite this article: CARVALHO, Osvaldo Ferreira de. O sistema de direitos fundamentais e sua abertura
na ordem constitucional brasileira. Revista de Investigações Constitucionais, Curitiba, vol. 9, n. 1, p. 137-172, jan./abr. 2022.
DOI: 10.5380/rinc.v9i1.83825.
* Professor universitário do Centro Universitário Estácio de Sá de Goiás (Goiânia-GO, Brasil). Pós–doutor e doutor em Direito
pela Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa. Pós–doutor em Direito e Políticas Públicas pela Universidade Federal de
Goiás. E-mail: osvaldopesquisador@gmail.com.
Resumo
A pesquisa empreendida apresenta como ponto fulcral
estudar o sistema de direitos fundamentais e sua aber-
tura na ordem constitucional brasileira. Os direitos fun-
damentais ao constituir densicações da dignidade da
pessoa humana, participam da construção da identidade
do Estado Constitucional; há aqui um vínculo de implica-
ção e dependência recíproca; sem direitos fundamentais
não há Estado Constitucional e, foral de tal modelo, os
direitos fundamentais não encontram as condições para
sua garantia e concretização. A previsão de cláusulas de
abertura estão longe de exaurir as vias do reconhecimen-
to do caráter aberto do sistema jusfundamental do Es-
tado Constitucional. O fenômeno da abertura de que se
cogita nesta pesquisa é bem mais amplo e abrangente,
traz a lume a necessidade permanente de atualização do
sistema jusfundamental em prol da dignidade da pessoa
humana. O itinerário investigativo é produto de reexão
crítica, inovadora e inclinada aos valores da ética, da justi-
ça, da moral e da dignidade da pessoa humana nos quais
se assentam todos os seus resultados alcançados.
Abstract
The research undertaken as a central point the study of the
system of fundamental rights and its opening in the Bra-
zilian constitutional order. The fundamental rights in con-
stituting densication of the dignity of the human person,
participate in the construction of the identity of the Consti-
tutional State; there is a bond of implication and reciprocal
dependence here; without fundamental rights there is no
Constitutional State and, under such a model, fundamen-
tal rights do not nd the conditions for their guarantee and
fulllment. The provision of opening clauses is far from
exhausting the ways of recognizing the open character of
the constitutional state’s fundamental system. The phe-
nomenon of openness that is considered in this research is
much broader and more encompassing, it brings to light the
permanent need to update the jusfundamental system in
favor of the dignity of the human person. The investigative
itinerary is the product of critical reection, innovative and
inclined to the values of ethics, justice, morals and the dig-
nity of the human person on which all the results achieved
are based.
OSVALDO FERREIRA DE CARVALHO
Rev. Investig. Const., Curitiba, vol. 9, n. 1, p. 137-172, jan./abr. 2022.
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SUMÁRIO
1. Introdução; 2. O signicado de Estado Constitucional; 3. A caracterização dos direitos fundamentais
no Estado Constitucional; 4. Traços característicos da abertura do sistema de direitos fundamentais do
Estado Constitucional; 5. Funções da abertura; 6. A abertura do sistema jusfundamental ao Direito In-
ternacional dos Direitos Humanos; 7. Conclusão; 8. Referências.
“[...] não se deve pretender de um jurista nos dias de hoje um conhecimento enciclopédi-
co do Direito, devendo antes exigir–se–lhe que seja capaz de compreender a sociedade,
que pense os problemas jurídicos, que saiba trabalhar em equipe e exprimir–se oralmen-
te e por escrito, que conheça as traves mestras do sistema jurídico nacional, europeu e
internacional, e que esteja apto a continuar a aprender, a atualizar–se e a especializar–
se”. Rui Medeiros1
1. INTRODUÇÃO
Os direitos fundamentais, densicações da dignidade da pessoa humana, par-
ticipam da construção da identidade do Estado Constitucional. Há aqui um vínculo de
implicação e dependência recíproca: sem direitos fundamentais não há Estado Cons-
titucional e, fora de tal modelo, os direitos fundamentais não encontram as condições
para sua garantia e concretização. Nessa conguração estatal, esses direitos não se es-
gotam na dimensão subjetiva – possuem força irradiante para todo o sistema jurídico
ao vincular os Poderes do Estado, tampouco se restringem aos direitos de liberdade
[civis e políticos] ou mesmo a direitos sociais mínimos – pretendem englobar as poten-
cialidades expansivas da dignidade humana.
Impende dizer que apesar do avanço ocorrido na positivação e efetivação dos
direitos fundamentais, não se pode armar que esses estejam livres de ameaças ou
que supram as demandas de proteção e promoção colocadas pela dignidade, novas
realidades históricas impulsionam demandas inéditas, apresentam novos desaos
para os direitos fundamentais e atualizam outros já conhecidos. Se, como se verica, a
realidade cambiante traz novas ameaças à dignidade da pessoa humana – dignidade
cujo respeito juridicizou–se no quadro do Estado Constitucional – e, simultaneamente,
aponta suas potencialidades inexploradas, justica–se a natureza aberta do sistema de
direitos fundamentais.
1 MEDEIROS, Rui. Direito Constitucional: ensinar e investigar. Lisboa: Universidade Católica Editora, 2016.
p. 8.
Palavras-chave: Estado Constitucional; sistema de dire-
itos fundamentais; dignidade da pessoa humana; abertu-
ra jusfundamental; humanidade.
Keywords: Constitutional State; fundamental rights sys-
tem; dignity of human person; jusfundamental opening;
humanity.
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O sistema de direitos fundamentais e sua abertura na ordem constitucional brasileira
A questão da abertura do sistema de direitos fundamentais necessariamente
remete para as chamadas cláusulas de abertura, cujo antecedente mais remoto en-
contra–se no IX Aditamento à Constituição norte–americana e data de 1791. Mesmo
marcada por idiossincrasias ligadas ao processo de independência e estruturação da
federação norte–americana, essa cláusula fez história [que não será aqui explorada]
e inuenciou a Constituição brasileira de 1891 por meio da qual alcançou também a
Constituição portuguesa de 1911. Percebe–se que que nos Estados Unidos da Améri-
ca, inicialmente, não se vericaram grandes consequências do IX Aditamento, situação
que mudou após o julgamento Griswold versus Connecticut com o qual os designados
“unenumerated rights” tornaram–se questão constitucional relevante, delineando–se
tendências contraditórias acerca de uma efetiva abertura a novos direitos.2
Em Portugal, a doutrina registra algumas construções profícuas, mas que obvia-
mente não esgotam a questão. Diversos autores tratam do tema ao aceitar, em geral,
a descoberta de novos direitos fundamentais trazidos pelas fontes indicadas no artigo
16, n. 1 da Constituição da República Portuguesa de 1976 [CRP/1976]. Encontram–se,
no entanto, divergências signicativas principalmente quanto à abrangência da aber-
tura e ao regime aplicável aos direitos por ela abarcados.3 Dentre essas construções,
destaca–se a dos “direitos fundamentais atípicos”, de Jorge Bacelar Gouveia ao armar a
positivação tipológica dos direitos fundamentais na CRP/1976 e a existência de direitos
não incluídos nessa tipologia.4 Igualmente digna de nota é a proposta de Paulo Otero,
segundo a qual deve haver um entendimento da “não tipicidade dos direitos fundamen-
tais” irredutível a uma dimensão futura de criação de novos direitos, mas abrangente
também de uma projeção pretérita para abarcar “velhos direitos fundamentais”.5 Merece
registro, ademais, o entendimento de José de Melo Alexandrino, para quem a cláusula
aberta portuguesa não serve propriamente para criar novos direitos, mas para dire-
cionar a interpretação de modo que não fosse negativa nos silêncios da Constituição.6
A doutrina brasileira não tem dado tratamento mais profundo à questão no que
tange à variada problemática levantada no cenário português – como o regime dos
2 GOUVEIA, Jorge Bacelar. A cláusula aberta de direitos fundamentais. Relatório de Mestrado. Disciplina
Direito Constitucional. Lisboa: Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, 1990. p. 102–108; GOUVEIA,
Jorge Bacelar. Os direitos fundamentais atípicos. Lisboa: Aequitas, 1995. p. 184–186.
3 MIRANDA, Jorge. Manual de Direito Constitucional: direitos fundamentais. 5. ed. Coimbra: Coimbra Edi-
tora, 2012. Tomo 4. p.162–163; CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito Constitucional e teoria da consti-
tuição. 7. ed. Coimbra: Almedina, 2003. p. 403–404; ANDRADE, José Carlos Vieira de. Os direitos fundamen-
tais na Constituição portuguesa de 1976. 5. ed. Coimbra: Almedina, 2012. p. 69; GOUVEIA, Jorge Bacelar. Os
direitos fundamentais atípicos. Lisboa: Aequitas, 1995. p. 301–305.
4 GOUVEIA, Jorge Bacelar. Os direitos fundamentais atípicos. Lisboa: Aequitas, 1995. p. 40–55.
5 OTERO, Paulo. Direitos históricos e não tipicidade pretérita dos direitos fundamentais. In: VARELA, Antunes;
AMARAL, Diogo Freitas do; MIRANDA, Jorge; CANOTILHO, José Joaquim Gomes (org.). Ab Vno Ad Omnes 75
anos da Coimbra Editora 1920-1995. Coimbra: Coimbra Editora, 1998. p. 1061–1090.
6 ALEXANDRINO, José Melo. A estruturação do sistema de direitos, liberdades e garantias na Constitui-
ção portuguesa. Coimbra: Editora Coimbra, 2006. v. II. p. 374–375, 381–387.

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