A solução de integridade (jurídico-comunicativa) à luz da hermenêutica filosófica

AutorDaniel Oitaven Pamponet Miguel
Páginas141-225
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Preliminarmente à apresentação de nossa derradeira
proposta de solução para a situação-problema ora estuda-
da, relembremos a fundamentação do desembargador Car-
los Alberto Bencke (Apelação cível nº 59819384-RS, DJ de
17/12/1998) em sua decisão consagradora do princípio da
proibição de retrocesso social como regente do caso.
O sistema educacional, sem qualquer sombra de dúvida, deve ser
amparado pelo Estado, ao lado das outras das suas principais fun-
ções, quais sejam as da saúde e da assistência social aos menos fa-
vorecidos. Não menos verdade, contudo, que o Estado brasileiro,
com a evolução da chamada política neo-liberal, está procuran-
do transferir suas principais responsabilidades aos particulares,
esquecendo-se, inclusive, daquelas primordiais funções.
Exemplo disso é o art. 209 da Constituição Federal de 1988,
quando destina liberdade à iniciativa privada para ministrar
o ensino à população. Mas, mesmo dentro dessa nova (porque
só agora conhecida e experimentada pelos brasileiros) política,
submete as entidades de ensino particular ao atendimento das
condições ditadas nos incisos do mesmo dispositivo. E, a par dis-
so, também deve respeito ao princípio estabelecido no art. 205,
que encima e destaca-se dos demais que pertinem à educação.
A SOLUÇÃO DE INTEGRIDADE
JURÍDICOCOMUNICATIVA À LUZ
DA HERMENÊUTICA FILOSÓFICA
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O Direito como Integridade Comunicativa
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Neste está o início de toda a política educacional como direito
de todos e dever do Estado e da família. E que será promovida
e incentivada com a colaboração da sociedade. Signica dizer
que mesmo a iniciativa privada (incluída no vocábulo socieda-
de) insere-se como um dos colaboradores para o alcance do m
primeiro — educação como direito de todos.
Nesse contexto é que se insere o art. 24 do DL 3.200/41,
criado para trazer benefícios à família com prole numerosa,
sob o comando da Constituição de 1937. Naquele tempo já
se previa que a gratuidade não excluiria o dever de solidarie-
dade dos menos para os mais necessitados, exigindo-se, por
ocasião da matrícula, que a alegação de escassez de recursos
de uns seria compensada com módica e mensal contribuição
de recursos de outros para a caixa escolar (J. Cretella Jr., Co-
mentários à Constituição de 1988, Ed. Resenha Universitá-
ria, vol. VIII, pg. 4.404 — sublinhei).
Hoje não é diferente, pois a Lei 8.170/91 autoriza o repasse do
custo das escolas para a mensalidade, incluído nesse custo os
descontos para as famílias que tenham mais de um lho cur-
sando a escola. Assim, nenhum prejuízo experimentará a escola
de iniciativa privada com o prefalado desconto a partir do se-
gundo lho matriculado. É, ao contrário, simples atendimento
ao disposto no art. 205 da atual Carta Federal que incentiva
a colaboração da sociedade para o êxito da política do ensino
como direito de todos.
Nem se alegue, como pretende a apelante, que não se aplica o texto
legal ao ensino universitário. É imposição natural que se adapte a
legislação da época aos tempos atuais, em que as universidades,
mesmo particulares, permanecem sob o comando da determina-
ção constitucional de obediência ao cumprimento das normas ge-
rais de educação nacional (art. 209, I). Admitir-se a exclusão do
ensino universitário do benefício seria contrariar o princípio do
acesso aos níveis mais elevados de ensino (art. 208, V, CF).
Além do mais, o art. 24 do DL 3.200/41, é abrangente na sua
concepção, permitindo não só o acesso ao ensino como também
a progressão na vida escolar — vale dizer, em todos os seus ní-
veis. Logo, não se descarta a aplicação do art. 5º da Lei de Intro-
dução do Código Civil, que prevê o atendimento dos ns sociais
e às exigências do bem comum a que a lei se dirige.
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A Solução Metodológica Alexiana
Elemento fundamental para uma correta compreen-
são da manifestação judicante acima transcrita é a percepção
de que a abordagem do desembargador caracterizou-se pela
manifesta reconstrução histórica do sentido das normas que
constituem o direito à educação. Tal aspecto, comumente,
poderia passar despercebido, mormente ao considerarmos
que já faz parte do jargão jurídico uma revisão lacônico-está-
tica da cronologia de um dado instituto de direito a ser abor-
dado. Temos, no entanto, que o percuciente desembargador
imbrica tal análise na teia justicativa mesma da decisão,
sem buscar uma articial distância (no sentido de uma cisão)
entre uma costumeira revisão bibliográco-jurisprudencial e
a atual conguração aplicativa do instituto. Afasta-se, pois,
de prática que denota como o sentido comum teórico dos ju-
ristas ainda observa o direito como um objeto cientíco (no
sentido mais moderno de ciência), a ser analisado por um su-
jeito cognoscente mediante uma representação do seu alvo
de estudo em sua consciência.
Para que possamos contextualizar a importância da pe-
culiaridade postural do desembargador ao julgar o caso, vis-
lumbramos a necessidade de mergulhar, ainda que não tão
profundamente, na analítica existencial heideggeriana e em
seu profícuo fruto denominado de hermenêutica losóca. De-
mos, pois, continuidade à nossa jornada por uma reconstrução
coerente e íntegra da compreensão do princípio da proibição
de retrocesso social no contexto do nosso caso-referência.
4.1. A ontologia heideggeriana
Martin Heidegger, autor alemão cuja principal obra
é denominada “Ser e Tempo” (2002), foi responsável pela
maior revolução no domínio da ontologia desde o cogito

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