A solução metodológica clássica

AutorDaniel Oitaven Pamponet Miguel
Páginas49-86
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O STJ não adentrou a análise da questão do retroces-
so social; limitou-se a armar que a lei nova regulou inteira-
mente a matéria. Ao que parece, a análise reservou-se a tratar
do conito de normas no direito intertemporal, nos moldes
de uma teoria do ordenamento jurídico fundada na doutri-
na juspositivista kelseniana – ainda que, em certos aspectos,
com algumas adaptações.
2.1. O sistema jurídico na visão de Hans Kelsen
Kelsen, expoente de um pensamento losóco conhe-
cido como Normativismo ou Positivismo Normativista, reúne
historia es el acontecer del estar-en-el-mundo. La historicidad del Dasein es
esencialmente historicidad del mundo, un mundo que, en razón del carác-
ter extático-horizontal de la temporeidad, pertenece necesariamente a la
temporización de esa temporeidad. En la medida en que el Dasein existe
fácticamente, comparece también lo descubierto dentro del mundo. Con la
existencia del estar-en-el-mundo histórico, lo a la mano y lo que está-ahí se en-
cuentran incorporados desde siempre a la historia del mundo.” (grifo do autor).
A SOLUÇÃO
METODOLÓGICA CLÁSSICA
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O Direito como Integridade Comunicativa
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em seus trabalhos as principais características do paradigma
positivista, quais sejam: veto ao juízo de valor na atividade
cientíca; ênfase na autoridade coatora e em seus atos de von-
tade; negação do direito natural; consciência de mutabilidade
do direito; procedimentalização e; racionalidade sistemática. A
pretensão de cienticidade do Positivismo Jurídico chegou ao
apogeu com a Teoria Pura do Direito de Kelsen (2006). O au-
tor, preocupado em conferir à Ciência Jurídica uma autonomia
que antes ela nunca havia alcançado devido à sua interpene-
tração com as outras Geisteswissenschaften, realizou um corte
epistemológico, com o intento de estudar a Ciência do Direito
separadamente, donde o nome de Teoria Pura escolhido por
Kelsen para a sua tese19. Neste ponto, é importante salientar
que, malgrado Kelsen não negasse a interferência recíproca en-
tre o direito e as outras áreas das Ciências Humanas, a sua pro-
posta cientíca pressupunha o recorte mental por ele efetuado
em prol de sua pretensão de autonomia20.
19 Geisteswissenschaften é o termo utilizado por Wilhelm Dilthey (1989,
p.56) para referir-se às chamadas “ciências do espírito”, que se ocupariam
do estudo dos objetos culturais, de acordo com a célebre classicação das
regiões ônticas de Edmund Husserl (1996).
20 “Há mais de duas décadas que empreendi desenvolver uma teoria jurídica
pura, isto é, puricada de toda a ideologia política e de todos os elemen-
tos de ciência natural, uma teoria jurídica consciente da sua especicida-
de porque consciente da legalidade especíca do seu objeto. Logo desde o
começo foi meu intento elevar a Jurisprudência, que - aberta ou velada-
mente - se esgotava quase por completo em raciocínios de política jurídica,
à altura de uma genuína ciência, de uma ciência do espírito. Importava
explicar, não as suas tendências endereçadas à formação do Direito, mas
as suas tendências exclusivamente dirigidas ao conhecimento do Direito,
e aproximar tanto quanto possível os seus resultados do ideal de toda a
ciência: objetividade e exatidão. [...] um relance de olhos sobre a ciência ju-
rídica tradicional, tal como se desenvolveu no decurso dos sécs. XIX e XX,
mostra claramente quão longe ela está de satisfazer à exigência da pureza.
De um modo inteiramente acrítico, a jurisprudência tem-se confundido
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A Solução Metodológica Clássica
O sistema normativo kelseniano é autopoiético; “Na me-
dida em que uma ordem jurídica regula a sua própria criação e
aplicação, ela determina o começo e o m da validade das nor-
mas jurídicas que a integram” (KELSEN, 2006, p.233)21. Cons-
titui uma ordem fechada, dotada de unidade, coerência e com-
pletude, em que o direito se reproduz em função de sua própria
dinamicidade processual. De tal maneira, o modelo piramidal
(Stufenbau der Rechtsordnung) do ordenamento jurídico con-
sagrado pelo autor pressupõe uma relação de fundamentação
(de baixo para cima) e derivação (de cima para baixo) entre as
normas jurídicas; a norma hierarquicamente inferior encontra
seu fundamento de validade na norma hierarquicamente supe-
rior, da qual deriva22. A autoridade competente para produzir
normas jurídicas encontra sua legitimidade na validade de seus
atos, conferida pelo próprio sistema e pressuposto do tipo de
interpretação que Kelsen denominou de autêntica, cuja noção
aprofundaremos a partir de agora.
com a psicologia e a sociologia, com a ética e a teoria política. Esta con-
fusão pode porventura explicar-se pelo fato de estas ciências se referirem
a objetos que indubitavelmente têm uma estreita conexão com o Direito.
Quando a Teoria Pura empreende delimitar o conhecimento do Direito em
face destas disciplinas, fá-lo não por ignorar ou, muito menos, por negar
essa conexão, mas porque intenta evitar um sincretismo metodológico
que obscurece a essência da ciência jurídica e dilui os limites que lhe são
impostos pela natureza do seu objeto.” (KELSEN, 2006, p.XII e ss.)
21 Sobre a noção de sistema jurídico autopoiético, ensina Luhmann (2002, p.18 –
tradução de Javier Torres Nafarrate): “La cuestión planteada se puede resolver
si se logra describir el derecho como un sistema autopoiético y autodiferencia-
dor. Este programa de teoría implica que el derecho mismo es quien produce
todas las dstinciones y descripciones que utiliza, y que la unidad del derecho
no es más que el hecho de su autoproducción: “autopoiesis”.
22 Embora se atribua normalmente a idealização de tal modelo a Kelsen, efe-
tivo responsável por sua difusão, a idealização original de tal representa-
ção do sistema jurídico deve-se a seu discípulo Adolf Merkl (1980, pp.227-
228) e sua noção da ordem jurídica como “uma estructura escalonada de
preceptos jurídicos com diferentes formas preceptivas”.

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