A sentença e sua eficácia, mesmo quando sujeita a recurso

AutorGelson Amaro de Souza
CargoAdvogado Professor na Universidade Estadual do Norte do Paraná (UENP) Doutor em Direito (PUC/SP)
Páginas11-17

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1. Introdução

Poucos são os institutos processuais capazes de causar tanta celeuma como a sentença. Não se conhecem estudos aprofundados sobre esta espécie. Os poucos existentes são superficiais e incompletos.

As dificuldades começam a aparecer quando se pensa nos requisitos da sentença. Fora aqueles previstos no artigo 458 do Código de Processo Civil (CPC), e que são o relatório, os fundamentos e o dispositivo, outros aparecem na lingua-gem doutrinária. Entre estes é gene-ralizada a ideia de que a sentença tem de ser elaborada e assinada por um juiz. Ledo engano. Desde há muito tem-se admitido que pessoas não investidas em cargo de juiz profiram sentença. É o que se dá com o árbitro, a teor do artigo 29 da Lei
9.307/96, que regula a arbitragem. Em relação à coisa julgada, reinam sérias controvérsias sobre a questão dos capítulos da sentença, se estes podem ou não transitar em julgado por parte ou se a sentença só pode transitar em julgado por inteiro. A norma do artigo 467 do CPC, ao tratar da coisa julgada, afirma que esta se dá quando no processo não mais couber recurso. Por força do efeito translativo, que é uma extensão do efeito devolutivo, enquanto for possível recurso de certa parte do julgado, poderá ser revista a outra parte, ainda que não recorrida.

Outro aspecto que aguça divergência é o de se saber em que momento a sentença pode ser considerada eficaz e capaz de produzir efeitos. Para alguns, a sentença produz efeitos assim que publicada; para outros, somente depois do seu trânsito em julgado. Até mesmo, com relação ao recurso apropriado, a questão não é tão singela assim como parece à primeira vista. O recurso contra a sentença poderá ser apelação (art. 513 do CPC), como poderá ser outro, dependendo da situação fática ou da matéria tratada na sentença. Pode ser recurso ordinário (art. 539, II, ‘b’, do CPC e 105, II, ‘c’, da CF e ainda art. 895, ‘a’, da CLT) ou até mesmo recurso extraordinário nas causas de alçada ou de instância única (art. 34 da Lei
6.830/80 e CF, art. 102, III).

Ainda, o embate entre a sentença e o recurso interposto contra ela apresenta sérias dificuldades ao se pensar se o recurso tem força suficiente para inibir todos os efeitos da sentença a ponto de retirar a sua eficácia ou se persiste a eficácia, mesmo estando ela sujeita a recurso com efeito suspensivo.

Em razão das divergências ou controvérsias que existem, estes aspectos serão analisados nas linhas seguintes.

2. Conceito de sentença

Conforme a norma expressa no artigo 162, § 1º, do CPC, sentença é o ato do juiz1 que implica uma das situações dos artigos 267 e 269 do CPC. O art. 267 do CPC cuida da extinção do processo sem julgamento do mérito e o artigo 269 fala em resolução do mérito. Percebe-se que se trata de duas situações diferentes. A primeira norma é expressa em

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falar em extinção do processo (art. 267 do CPC) e a segunda, embora não fale em extinção, mas pelo simples fato de mencionar a solução do mérito, já traz este indicativo.

Se o processo tem por objetivo colocar fim a lide ou controvérsia, como consta da exposição de motivos do CPC, nada mais natural que, ao solucionar a lide, estar-se pondo fim ao processo2. Sem lide o processo fica vazio e deve ser extinto por falta de objeto3.

Sendo a sentença o ato do juiz ou árbitro que extingue o processo4, sem julgamento do mérito (art. 267 do CPC) ou com a solução de mérito (art. 269 do CPC), parece natural entender que está pondo fim ao processo de cognição, ainda que, para a realização ou satisfação do direito reconhecido, seja necessário novo procedimento (cumprimento de sentença), como disciplinam os artigos 475-A e seguintes do CPC, introduzidos pela Lei 11.232/05. Todavia, não se pode perder de vista que existem sentenças que não comportam fase de cumprimento, tal como acontece com a do art. 267 do CPC, que extingue o processo sem julgamento de mérito, bem como com as sentenças de mérito de natureza constitutiva ou meramente declaratória, em que nada há para executar. Também existe sentença condenatória que não comporta execução, o que se dá nos casos de condenação em obrigação de emitir manifestação de vontade (art. 466-A do CPC).

O conceito de sentença é extremamente útil para se detectar em que momento ela começa a produzir efeitos e, com isso, irradiar eficácia.

3. Eficácia

Diz-se que é eficaz tudo que é capaz de produzir efeito5. O efeito não pode ser confundido com a eficácia. Este é apenas o resultado provindo da eficácia. Primeiro a efi-cácia e, depois, o resultado desta, que é o efeito.

A eficácia é a produção de efeitos. Como todo ato jurídico produz efeitos, logo todo ato jurídico é dotado de eficácia. Os atos jurídicos de uma maneira geral sempre têm aptidão para produzir efeitos. Por isso é que se diz que a eficácia é o poder que tem o ato jurídico para a produção de efeitos6.

Conforme ensina Silva7, a eficácia jurídica designa a qualidade de produzir, em maior ou menor grau, efeitos jurídicos, a regular, desde logo, as situações, relações e comportamentos. Também ao se referir à eficácia da norma jurídica, afirma Pinto Ferreira8 que esta tem como consequência auto-mática o seu poder de gerar efeito jurídico, com maior ou menor grau ou de maneira absoluta, ou plena ou ilimitada. Falando em negócio jurídico, explicita Azevedo9 que a eficácia deve ser entendida como os efeitos jurídicos produzidos. No mesmo sentido, Komatsu10 ensina que a eficácia é a idoneidade ou aptidão para produzir efeitos.

Para Mazzuoli11, não há como dissociar a eficácia das normas da realidade social ou da produção de efeitos concretos no seio da vida social. O ato existente, perfeito e válido é eficaz para produzir efeitos, sem que lhe oponha qualquer obstáculo de direito, na lição de Komatsu12.

Com isso parece ficar claro que a eficácia é a aptidão ou o poder de produzir efeitos, de tal forma que, quando um ato ou um fato13 produz efeito, é porque ele é eficaz. O ato para ter eficácia, basta a sua existência. Todo ato existente produz efeito14 e, por isso, tem eficácia. A sentença como ato jurídico, a partir de sua existência, já começa a produzir efeito, independentemente do que venha a ocorrer depois. Com ou sem re-curso, a sentença já nasce eficaz e já produz efeitos15.

4. Eficácia da sentença

Visto acima que todo ato ou fato passa a produzir efeitos, desde a sua existência, assim também se dá com a sentença que é um ato jurídico. Sendo a sentença ato jurídico, ela é eficaz desde o seu surgimento. Ainda mais quando se trata de sentença em que não se nega a existência e a validade, logo há de ser eficaz e produzir efeitos16. Muitos são efeitos produzidos pela sentença imediatamente. A abertura de oportunidade recursal já é um dos efeitos da sentença, como assim o é a determinação de remessa necessária para atendimento do artigo 475 do CPC. Enganam-se aqueles que pensam que a sentença nasce ineficaz e que somente passa a produzir efeitos depois do seu passamento em julgado17. Há quem admita sentença com efeitos imediatos, mas apenas como exceção18. Também existem aqueles que pensam que a interposição de recurso com efeito suspensivo retira a eficácia imediata da sentença, sem se atentar que o próprio recurso já é um efeito da sentença19.

Diferentemente e de forma interessante expõe Assis20, para quem a sentença nasce com efeitos e, a partir de certo momento, em razão do recurso, tem a sua eficácia inibida, mas admite a produção de efeitos secundários, o que não deixa de ser uma forma de eficácia.

A sentença para produzir efeitos não precisa passar em julgado, porque é de sua natureza, como o é de todo ato jurídico, produzir efeito de imediato. Mesmo nos casos em que o legislador por engano diga que ela só produz efeito depois do trânsito em julgado21, mesmo assim ela produz os seus efeitos naturais22. Até mesmo a sentença inexistente ou nula produz efeito,

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até que sobrevenha outra decisão para declará-la sem efeito23. Como ensina Gonçalves24, o ato nulo somente assim será considerado depois que a nulidade, como consequência jurídica, for pronunciada, e jamais antes da deliberação judicial neste sentido25. O que se pode dizer em relação à inexistência é que ela sempre apresenta uma aparente existência e essa aparência precisa ser desfeita por decisão judicial para afastar a eficácia e a produção de efeitos26.

O artigo 468 do CPC afirma que a sentença que julgar total ou parcialmente a lide tem força de lei nos limites da lide e das questões decididas. Isto que dizer que a sentença corresponde a uma norma entre as partes (norma concreta)27. Como norma que o é, já começa a produzir efeito a partir da sua existência. Lembra Schnaid28 que a eficácia de uma norma está na sua obrigatoriedade, tanto para os sujeitos passivos como para os órgãos estatais que devem aplicá-la. A sentença prolatada passa a produzir efeitos e impõe comportamento que deve ser observado, como o seu regis-tro, a publicação, a intimação das partes, os prazos recursais, entre outros. Estes efeitos demonstram que a sentença é eficaz desde a sua prolação.

5. Recurso com efeito suspensivo

A doutrina em linhas gerais, ao cuidar dos efeitos do recurso, se prende aos efeitos que se denominam devolutivo e suspensivo. É ínsita à natureza do recurso a devolução para novo julgamento, o que caracteriza o chamado efeito devolutivo29. Além do efeito devolutivo que é inerente a todo e qualquer recurso, pode aparecer o efeito suspensivo, este em caráter especial, e somente aparece em alguns recur-sos e não em todos.

A legislação ao cuidar dos efeitos do recurso...

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