Subjetividades e Verdades: a governamentalidade algorítmica enquanto tendência de datificação genuína

AutorGiovanna de Castro Resende Franco
Páginas74-89
74 • Direito & Tecnologias - Capítulo 4
Subjetividades e Verdades: a governamentalidade
algorítmica enquanto tendência de daticação genuína
Giovanna de Castro Resende Franco
INTRODUÇÃO:
As tecnologias de informação e comunicação delinearam
uma nova forma de pensar a relação e a produção de subjetividade.
A constituição de identidade do sujeito revela-se a partir de novos
parâmetros tecnológicos, bem como concebe-se uma nova forma de
enxergar o outro. Na relação mediada pela tecnologia o sujeito passa
a modular sua identidade a partir de novos dispositivos1 de sociabili-
dade contemporânea.2 Estudos acerca da relação entre subjetividade,
visibilidade e tecnologia já foram explorados, Foucault apresentou
tal ligação na denição da “genealogia da alma moder na”, em que
a subjetividade era inseparável dos dispositivos de visibilidade. No
desenvolvimento do modelo Panóptico, as instituições disciplinares
eram máquinas de ver que produziam os modos de ser3, propondo
a governamentalidade como uma lógica calculada que presta a con-
dução da ação do indivíduo.
Assim, em uma sociedade daticada a produção de subje-
tividades e identidades está associada aos olhares dos dispositivos
e da tecnologia que constituem um mecanismo de poder onde, a
1
No pensamento foucaultiano a noção de dispositivo, insculpido dentro de
uma relação de poder, se liga a um conjunto de elementos heterogêneos que
compreendem “discursos, instituições, organizações arquitetônicas, deci-
sões regulamentares, leis, medidas administrativas, enunciados cientícos,
proposições losócas, morais, lantrópicas”. FOUCAULT, Michel. Sobre a
história da sexualidade. 2017, p. 364.
2
“Such a signicant threshold is there to acknowledge that it was the invention
and development of ICTs (information and communication technologies) that
made all the dierence between who we were, who we are, and, as I shall
argue in this book, who we could be and become”. FLORIDI, Luciano. THE
FOURTH REVOLUTION: How the infosphere is reshaping human reality,
Oxford, 2014, p. 1.
3
FOUCAULT, Michel. Vigiar e Punir: História da violência nas prisões.
2014, p. 31.
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partir da leitura foucaultiana da arquitetura panóptica, se denota
“uma máquina de dissociar o par ver-ser visto: no anel periférico, se
é totalmente visto, sem nunca ver ; na torre central, vê-se tudo, sem
nunca ser visto”. Através dessa dissociação, a correlação dos dados e
as possibilidades de uso desses faz crescer uma relação de sujeição
que, “a partir dos desejos mais diversos, fabrica efeitos heterogêneos
de poder”.4
Mundos criados por meio de tecnologias de dominação in-
dividual levam a crer que os sujeitos são autogovernáveis, mas quan-
do na verdade são normalizadores de conduta que apresentam uma
série de padrões, conferindo ao sujeito uma falsa noção de liberdade
sobre suas atitudes. Essas relações de poder não procuram produzir
identidade ou individualidades, e sim modular preferências guiando
a constituição do sujeito. Nesse sentido, o objetivo central desse bre-
ve ensaio é analisar o processo de produção de modos de ser que se
desenvolve a partir da governamentalidade algorítmica, decorrentes
de criações de padrões e modulações de comportamento do sujeito
que se encaixam em um regime de verdades, decorrente de atos de
obediência e de submissão.
Na primeira seção será apresentado o conceito de governa-
mentalidade baseada nas considerações foucaultianas, elucidando a
evolução deste a partir dos mecanismos de soberania, dos discipli-
nares, até o alcance da modulação e do gerenciamento das condutas
humanas não mais em um local marcado pelo isolamento ou p elo
afastamento coercitivo. Na segunda parte s erá explorado o termo
que nasce da abordagem foucaltiana da arte de governo, a gover-
namentalidade algorítmica, que surge como uma forma de governo
pensada na contemporaneidade, um regime de poder e saber cunha-
do na manipulação, correlação e apropriação de dados, por meio de
processos de linguagem informacional modulando o que se deve
ser. Por m, busca-se apresentar uma crítica a essa arte de governo
apresentando a proposta da anarqueologia, um pensamento prático
que se opõe ao poder, uma atitude losóca de transgressão frente
ao poder de verdade que implica em submissão e obediência dos
sujeitos, constituídos enquanto pers individualizados, bloqueados
4
FOUCAULT, Michel. Vigiar e Punir: História da violência nas prisões.
2014, p. 195-196.

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