A Responsabilidade Subsidiária dos Entes Públicos nas Terceirizações de Serviços Fundada na Súmula 331, IV do TST

AutorGisele Hatschbach Bittencourt
CargoAdvogada da União
Páginas14-18

Page 14

1. Terceirização

A título de breve introdução, convém conceituar terceirização como sendo o instituto através do qual as atividades-meio de um dado setor produtivo - que passa a ser tido como tomador de serviço - são exercidas por empresas especializadas em determinada mão-de-obra.

É, portanto, uma forma de descentralização que objetiva evitar a contratação direta de empregados para a realização de tarefas não especializadas. Para RODOLFO PAMPLONA1 , "a terceirização é a transferência do segmento ou segmentos do processo de produção da empresa para outras de menor envergadura, porém, de maior especialização na atividade transferida".

Como exemplo, podemos citar as atividades de limpeza, vigilância, digitação (atividades-meio) em que empresas especializadas transferem seus empregados a outro ramo empresarial (bancos, por exemplo), para que a este prestem serviços.

Há de se salientar, contudo, que a terceirização difere da intermediação de mão-de-obra, normalmente ilícita. Através desta, uma empresa contrata a então intermediadora de mão-de-obra para que lhe ceda trabalhadores com vistas a reduzir os custos sociais, quase sempre com o intuito de prejudicar os trabalhadores. A legislação vigente permite a intermediação de mão-deobra numa única hipótese, a da contratação de serviços temporários prevista na Lei 6.019/74. Fora desta circunstância, qualquer interposição de entidade prestadora de mão-de-obra é ilegal.

No âmbito da Administração Pública Federal, a terceirização é prevista no Decreto-Lei 200/67 (art. 10, § 7º) c/c Lei 5.645/70 (art. 3º, parágrafo único), inexistindo na legislação pátria proibição no que se refere à prestação de serviços a terceiros. O Decreto-Lei 2.300/86 veio ampliar e complementar o Decreto-Lei 200/67 no que tange aos contratos administrativos, sendo ainda de igual teor a Lei 8.666/93 (art. 71, § 1º).

Logo se vê que esta modalidade de prestação de serviços apresenta-se com plena legitimidade perante a ordem jurídica.

2. A responsabilidade dos entes públicos nas terceirizações de serviços (Súmula 331, inciso IV do TST)

Numerosos são os feitos que tramitam perante a Justiça do Trabalho em que se discute a questão da Page 15 responsabilidade dos tomadores de serviços nos contratos de prestação de serviços terceirizados. Quando é o poder público que assume esta posição, a questão atrai uma análise detida.

Segundo a Súmula 331, inc. IV do Tribunal Superior do Trabalho:

"IV - O inadimplemento das obrigações trabalhistas, por parte do empregador, implica a responsabilidade subsidiária do tomador dos serviços, quanto àquelas obrigações, inclusive quanto aos órgãos da administração direta, das autarquias, das fundações públicas, das empresas públicas e das sociedades de economia mista, desde que hajam participado da relação processual e constem também do título executivo judicial (art. 71 da Lei nº 8.666, de 21.06.1993)."

Em razão deste verbete a responsabilização dos tomadores de serviço é tida pela Justiça Especializada como pacífica, de modo a inviabilizar, segundo a maioria dos julgados, o processamento do recurso de revista e de embargos2 em função de outra Súmula, a de número 333, que prevê:

"Não ensejam recursos de revista ou de embargos decisões superadas por iterativa, notória e atual jurisprudência do Tribunal Superior do Trabalho."

Em vista disso, a questão resta verdadeiramente engessada, já que se impõe de forma automática aos entes públicos o dever de adimplir subsidiariamente as verbas trabalhistas reivindicadas pelo trabalhador e não pagas pela empresa prestadora de serviços.

Contudo, o tema não é tão simples e merece um exame mais aprofundado à luz do ordenamento jurídico vigente, adiantando-nos em dizer que o Estado não pode ser responsabilizado pelos débitos trabalhistas das prestadoras de serviço com as quais contrata.

3. O art 71, § 1º da Lei 8.666/93

A legislação vigente no país a respeito da responsabilização da Administração Pública quanto aos encargos trabalhistas, fiscais e previdenciários é representada pelo art. 71, §§ 1º e 2º da Lei de Licitações, com a redação que lhe deu a Lei 9.032, de 28 de abril de 1995, que preceitua:

"Art. 71. O contratado é responsável pelos encargos trabalhistas, previdenciários, fiscais e comerciais resultantes da execução do contrato.

§ 1º. A inadimplência do contratado com referência aos encargos trabalhistas, fiscais e comerciais não transfere à Administração Pública a responsabilização por seu pagamento, nem poderá onerar o objeto do contrato ou restringir a regularização e o uso das obras e edificações, inclusive perante o Registro de Imóveis.

§ 2º. A Administração Pública responde solidariamente com o contratado pelos encargos previdenciários resultantes da execução do contrato, nos termos do art. 31 da Lei 8.212, de 24 de julho de 1991."

Muito embora o disposto no § 1º transcrito, a quase totalidade das decisões encontradas nas instâncias do Judiciário Trabalhista não o aplicam, impondo a responsabilidade subsidiária aos entes públicos com fundamento na Súmula 331, inc. IV do Tribunal Superior do Trabalho, ao qual se atribui força de lei.

Segundo MARÇAL JUSTEN FILHO3 , comentando o Art. 71 da Lei 8.666/93, "A Administração Pública não se transforma em devedora solidária ou subsidiária perante os credores do contratado. Mesmo quando as dívidas se originarem de operação necessária à execução do contrato, o contratado permanecerá como único devedor perante terceiros".

MARCOS JURUENA VILLELA SOUTO4 chega a afirmar que a Súmula 331, inciso IV do TST trata de "relação regida pelo Direito do Trabalho e, por óbvio, no âmbito do Direito Administrativo não se busca contornar nenhum direito de servidor celetista (já que seu vínculo com os servidores é estatutário). Finaliza argumentando que 'não cabe acionar o Estado na Justiça do Trabalho nem, muito menos, condenálo por responsabilidade subsidiária (como pretendeu o Enunciado nº 331-TST)'".

4. A supremacia do interesse público frente ao interesse particular

Não olvidamos que o trabalho de qualquer ser humano assume grandiosa importância a ponto de o legislador constitucional estabelecer como um dos fundamentos da República Federativa do Brasil "os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa"5.

Porém, se de um lado está o interesse particular de um trabalhador ou grupo de trabalhadores, do outro está o interesse da coletividade, que não pode ceder. O princípio protetor do Direito do Trabalho não pode se sobrepor...

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