Súmula Vinculante é Retrocesso

AutorLuiz Flávio Borges D'Urso
CargoAdvogado criminalista. Doutor em Direito pela USP
Páginas21

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A Súmula Vinculante, que entra na pauta da Reforma do Judiciário como instrumento para dinamizar a prestação jurisdicional, constitui verdadeiramente um retrocesso. Conserva o ranço das Ordenações Manuelinas, a draconiana legislação portuguesa, adotada por nossos antigos tribunais monarquistas, que a República aboliu. As súmulas entraram na história do Supremo Tribunal Federal por ação do ministro Victor Nunes Leal, em 1963, tendo ele mesmo afastado a idéia de tirá-las do caráter de predominante para convertê-las em vinculante. Amparada na hipótese de diminuir os trabalhos das altas Cortes, a Súmula produz vícios insanáveis, ao privar os magistrados de autonomia e crítica na interpretação da lei, prejudicando os cidadãos que terão seus direitos cerceados. Dessa forma, o Poder Judiciário descumpre o inciso LVI do art.5o da Constituição, que assegura aos litigantes o contraditório e a ampla defesa em todo o processo judicial ou administrativo.

A Súmula retira do juiz a sua capacidade de entendimento e a sua livre convicção, ou seja, a sua independência para julgar. Torna-se o juiz um mero cumpridor de normas baixadas pelo grau superior, comprometendo-se, dessa forma, ao inibir a livre apreciação dos fatos e do direito, a criação e o desenvolvimento da jurisprudência. Tornandose mero burocrata, exercendo papel de subalterno que reproduz decisões de instâncias superiores, o juiz, contra sua vontade, acaba prestando um desserviço à causa dos direitos fundamentais e da cidadania.

Há, ainda, outro aspecto que deve ser ressaltado. A Súmula cria uma decisão normativa que se caracteriza como erga omnes ante a obrigatoriedade de outros julgamentos, significando que uma decisão superior se transforma em força de norma constitucional somente modificável pelo Poder Legislativo por emenda constitucional. No fundo, como se pode concluir, o Poder Judiciário adquire a posição de Poder Legislativo, função que não foi legitimada pelo povo, única entidade que, nas democracias, tem o poder de transferir seu poder para seus representantes. E ao usurpar funções que integram outro Poder, o Judiciário, por meio da Súmula Vinculante, não deixa de contribuir para a ruptura de regras constitucionais, logo ele que deveria ser o guardião do Estado Democrático de Direito.

Ademais, o lesado, quando bate às portas da Justiça, quer ter seu direito apreciado, devidamente julgado. Espera que a Justiça esgote todas as suas possibilidades de avaliação e julgamento. Ao...

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