Supremo Tribunal Federal Ação Direta de Inconstitucionalidade ADI 3.510/DF - Distrito Federal voto do presidente ministro Gilmar Mendes

AutorOs Editores
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TRABALHOS FORENSES/CASE STUDIES
SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL
AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE ADI 3.510/DF —
DISTRITO FEDERAL
VOTO DO PRESIDENTE MINISTRO GILMAR MENDES
VOTO
O SENHOR MINISTRO GILMAR MENDES:
Senhores Ministros. Cabe a mim, na qualidade de Presidente desta Corte,
a difícil tarefa de votar por último, num julgamento que ficou marcado, desde
seu início, pelas profundas reflexões de todos que intervieram no debate. Os
pronunciamentos dos senhores advogados, do Ministério Público, dos
amici
curiae
e dos diversos cientistas e expertos, assim como os votos magistrais de
Vossas Excelências, fizeram desta Corte um foro de argumentação e de refle-
xão com eco na coletividade e nas instituições democráticas.
Assim, o que posso dizer é que este Tribunal encerra mais um julga-
mento que certamente representará um marco em nossa jurisprudência cons-
titucional.
Chamado a se pronunciar sobre um tema tão delicado, o da constitucio-
nalidade das pesquisas científicas com células-tronco embrionárias, um
assunto que é ético, jurídico e moralmente conflituoso em qualquer socieda-
de construída culturalmente com lastro nos valores fundamentais da vida e
da dignidade humana, o Supremo Tribunal Federal profere uma decisão que
demonstra seu austero compromisso com a defesa dos direitos fundamen-
tais no Estado Democrático de Direito.
O julgamento desta ADI n. 3.510, dedicadamente conduzido pelo Mi-
nistro Carlos Britto, constitui uma eloqüente demonstração de que a Jurisdi-
ção Constitucional não pode tergiversar diante de assuntos polêmicos en-
volvidos pelo debate entre religião e ciência.
É em momentos como este que podemos perceber, despidos de qual-
quer dúvida relevante, que a aparente onipotência ou o caráter contra-majo-
ritário do Tribunal Constitucional em face do legislador democrático não
pode configurar subterfúgio para restringir as competências da Jurisdição na
resolução de questões socialmente relevantes e axiologicamente carrega-
das de valores fundamentalmente contrapostos.
Revista de Direito Sanitário, São Paulo v. 10, n. 1 p. 170-191 Mar/Jul. 2009
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Delimitar o âmbito de proteção do direito fundamental à vida e à digni-
dade humana e decidir questões relacionadas ao aborto, à eutanásia e à
utilização de embriões humanos para fins de pesquisa e terapia são, de fato,
tarefas que transcendem os limites do jurídico e envolvem argumentos de
moral, política e religião que vêm sendo debatidos há séculos sem que se
chegue a um consenso mínimo sobre uma resposta supostamente correta
para todos.
Apesar dessa constatação, dentro de sua competência de dar a últi-
ma palavra sobre quais direitos a Constituição protege, as Cortes Constitu-
cionais, quando chamadas a decidir sobre tais controvérsias, têm exercido
suas funções com exemplar desenvoltura, sem que isso tenha causado
qualquer ruptura do ponto de vista institucional e democrático. Importantes
questões nas sociedades contemporâneas têm sido decididas não pelos re-
presentantes do povo reunidos no parlamento, mas pelos Tribunais Constitu-
cionais. Cito, a título exemplificativo, a famosa decisão da Suprema Corte
norte-americana no caso
Roe vs. Wade
, assim como as decisões do Tribunal
Constitucional alemão nos casos sobre o aborto (
BVerfGE 39, 1, 1975; BverfGE 88,
203, 1993
).
Muito se comentou a respeito do equívoco de um modelo que permite
que juízes, influenciados por suas próprias convicções morais e religiosas,
dêem a última palavra a respeito de grandes questões filosóficas, como a de
quando começa a vida.
Lembro, em contra-argumento, as palavras de
Ronald Dworkin
que, na
realidade norte-americana, ressaltou o fato de que
“os Estados Unidos são
uma sociedade mais justa do que teriam sido se seus direitos constitucionais
tivessem sido confiados à consciência de instituições majoritárias”
(1).
Em nossa realidade, o Supremo Tribunal Federal vem decidindo ques-
tões importantes, como a recente afirmação do valor da fidelidade partidária
(MS n. 26.602, 26.603 e 26.604), sem que se possa cogitar de que tais
questões teriam sido melhor decididas por instituições majoritárias, e que
assim teriam maior legitimidade democrática.
Certamente, a alternativa da atitude passiva de
self restraint
— ou, em
certos casos, de
greater restraint
, utilizando a expressão de García de Enterría(2)
— teriam sido mais prejudiciais ou menos benéficas para a nossa democracia.
O Supremo Tribunal Federal demonstra, com este julgamento, que
pode, sim, ser uma Casa do povo, tal qual o parlamento. Um lugar onde
os diversos anseios sociais e o pluralismo político, ético e religioso en-
(1) DWORKIN, Ronald.
O império do direito
. São Paulo: Martins Fontes; 1999, p. 426.
(2) GARCÍA DE ENTERRÍA, Eduardo. Justicia Constitucional: la doctrina prospectiva en la declara-
ción de ineficacia de las leyes inconstitucionales.
Revista de Direito Público
n. 92, p. 14, out./dez.
de 1989.
Revista de Direito Sanitário, São Paulo v. 10, n. 1 p. 170-191 Mar/Jul. 2009
STF ADI 3.510/DF

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