Telecomunicações no Brasil: balanço e perspectivas,

AutorUmberto Celli Júnior e Cláudia Silva de Santana
Páginas175-186

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I - Introdução

O setor de telecomunicações no Brasil vive um período de reestruturação. Tendo em vista o fato de alguns dos objetivos propostos pela Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) não terem sido plenamente atingidos, como, por exemplo, a introdução de ampla concorrência na telefonia fixa (Serviço Telefônico Fixo Comutado - STFC), no qual persiste um virtual monopólio das empresas originadas do Sistema Telebrás, muitos passaram a duvidar da adequação do modelo regulador adotado pelo país nos últimos anos.

Tanto assim é que, em setembro de 2003, o atual governo submeteu à consulta pública dois anteprojetos de lei que, em essência, alteram o papel das Agências Reguladoras no Brasil, inclusive o da Anatel. O primeiro anteprojeto prevê a transferência de parte das competências da Anatel pára o Ministério das Comunicações, notadamente no tocante à outorga de concessões, permissões e autorizações para a exploração de serviços de telecomunica-

ções. O segundo dispõe sobre a gestão, a organização e o controle social das Agências Reguladoras, o que, na prática, poderá implicar a perda de parte substancial de sua autonomia.

O objetivo desse artigo é, pois, o de analisar a evolução e os resultados alcançados sob o modelo de telecomunicações em vigor, seus principais problemas e suas perspectivas, estas principalmente em face das propostas apresentadas pelo atual governo ao crivo da opinião pública.

II - O modelo brasileiro de regulação do setor de telecomunicações

A reforma do Estado empreendida ào longo da última década resultou em uma mudança substancial do papel que este deve exercer na economia do país. Como se sabe, o Brasil chegou ao final do século XX tendo empresas estatais em praticamente todas as atividades econômicas, fruto de uma concepção de Estado altamente intervencionista. Por falta de investimentos e por

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terem sido administradas, na maior parte das vezes, ao sabor de interesses políticos, tais empresas acabaram por se revelar incapazes de suprir a demanda interna por novos produtos e serviços e de competir, de modo eficiente, em um mercado globalizado.

Com efeito, a Constituição de 1988, em seu art. 173, já sinalizava para a alteração que estava por ser realizada no tocante à forma de intervenção do Estado na economia ao estabelecer que "(...) a exploração direta de atividade econômica pelo Estado só será permitida quando necessária aos imperativos da segurança nacional ou a relevante interesse coletivo (...)", e ao ressaltar, em seu art. 174, a função do Estado como agente normativo e regulador da atividade econômica. Consolidava-se, assim, a visão de que o Estado deve apenas atuar na prestação de determinados serviços quando houver interesse coletivo relevante.

Foi nesse contexto que teve início o processo de abertura do mercado de telecomunicações no Brasil. A Emenda Constitucional 8, de 15.8.1995 - que alterou a redação do art. 21, XI, da Constituição Federal, eliminou o monopólio estatal na prestação de serviços de telecomunicações, tendo determinado, ademais, a criação de um órgão regulador.

A Lei 9.472, de 16.7.1997 (Lei Geral de Telecomunicações - LGT) marcou definitivamente o término da intervenção direta do Estado nas telecomunicações, ao autorizar a privatização do Sistema Telebrás e a criação da Anatel. A LGT traçou também as diretrizes básicas para a regulamentação do setor, a saber: (i) a expansão e a universalização dos serviços de telecomunicações; (ii) o fomento da concorrência com o estabelecimento, em uma primeira etapa, de um duopólio na telefonia fixa e celular, e com a previsão de liberalização do mercado a partir de 31.12.2001; e (iii) a garantia de parâmetros mínimos de quali- dade dos serviços de telecomunicações prestados aos usuários.

De acordo com a LGT, os serviços de telecomunicações devem ser prestados em dois distintos regimes: público e privado. A diferença básica entre eles é que são prestados em regime público os serviços de telecomunicações, cuja existência, universalização e continuidade a própria União (i.e., o Governo Federal) comprometa-se a assegurar (ou seja, são serviços cuja prestação é imprescindível para a sociedade), enquanto os serviços sujeitos aos princípios da livre iniciativa e da mínima interferência do Poder Público são prestados em regime privado. Atualmente, apenas o Serviço Telefônico Fixo Comutado (STFC) oferecido pelas concessionárias (empresas resultantes da cisão do Sistema Telebrás) é prestado em regime público.1 Todos os outros serviços são prestados em regime privado, inclusive os serviços de telefonia fixa fornecidos pelas denominadas "empresas-es-pelho" (empresas concorrentes das concessionárias nas respectivas regiões do Plano Geral de Outorgas - PGO2).

Essa divisão dos regimes de prestação dos serviços de telecomunicações entre público e privado teve o intuito de, por um lado, garantir o acesso da população aos serviços de telecomunicações considerados mais relevantes, que, por essa razão, estão

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sujeitos a maiores condicionamentos e interferências do Poder Público em sua prestação, como a telefonia fixa, e, de outro lado, simplificar a outorga e a prestação dos demais serviços.

Verificou-se, conseqüentemente, uma significativa expansão dos serviços de telecomunicações. A atual disponibilidade de linhas telefônicas fixas e de telefones celulares contrasta com a precariedade na oferta de serviços de telecomunicações no Brasil anterior à privatização. Na época do Sistema Telebrás, o preço oficial de uma linha telefônica fixa chegou a ser superior a US$ 3 mil e a espera por uma linha adquirida pelos chamados planos de expansão ultrapassava dois anos. Como as estatais não conseguiam suprir a demanda, nem tampouco cumprir os prazos para instalação e transferência de telefones, criou-se um mercado paralelo de venda de telefones. O telefone celular era inacessível à maioria esmagadora da população, tanto pelo preço dos aparelhos quanto pelas exigências das estatais para a aquisição de uma linha. A evolução no número de telefones em utilização é também expressiva. De 1998 até junho de 2003, o Brasil passou de pouco mais de 22 milhões de telefones fixos instalados para mais de 39 milhões; de 589 mil telefones públicos para 1.350.000, e de menos de 7.300.000 celulares para 40 milhões. Ademais, sob o novo quadro regu-latório, além do preço obtido por meio da venda dos ativos da Telebrás (US$ 19 bilhões), o setor recebeu investimentos em infra-estrutura da ordem de US$ 40 bilhões.3

O aprimoramento dos serviços de telecomunicações no Brasil é, pois, fato incontestável, o que permite afirmar que o modelo adotado tem sido razoavelmente bem-sucedido. Isso não significa, no entanto, que tal modelo esteja isento de problemas e que não necessite de ajustes.

III - Problemas enfrentados pelo modelo de telecomunicações
1. Falta de concorrência nos serviços de telefonia local

Como precedentemente mencionado, a LGT estabeleceu como um de seus principais objetivos a introdução da concorrência, tanto na telefonia fixa como na celular, por meio do regime de duopólio até dezembro de 2001, i.e., durante esse período, cada área de prestação de serviço seria atendida por duas empresas (uma concessionária e uma autorizada). Após o transcurso desse período, o mercado deveria ser definitivamente liberalizado.

Ao contrário do que se esperava, porém, a concorrência não se tornou efetiva no mercado de telefonia fixa, principalmente no de telefonia local, em que se constata ainda a existência de um virtual monopólio das empresas concessionárias. É notória a falta de competitividade das "empresas-es-pelho".

Aliás, o que se observa é que, em qualquer país, a instituição de um ambiente realmente competitivo na telefonia fixa não é tarefa das mais simples. Essa dificuldade pode ser creditada, em larga medida, às características intrínsecas do mercado de telecomunicações, que requer a instalação de dispendiosa infra-estrutura e de interligação de redes de operadores de telecomunicações. Isso, agravado pelo fato de as telecomunicações terem sido anteriormente objeto de monopólio legal, o que fez com que, em regra, a maior parte da infra-estrutura em uso estivesse nas mãos de apenas poucos prestadores de serviços.

No Brasil, toda infra-estrutura de telecomunicações existente até a privatização do Sistema Telebrás foi alienada para as atuais concessionárias, proporcionando-lhes grande vantagem competitiva, mesmo considerando os encargos (e.g., compromissos de expansão, atendimento, qualidade e continuidade dos serviços) a que estão sujeitas por estarem prestando serviços em regime público.

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Apesar de a LGT determinar a obrigatoriedade da interconexão entre as redes e o compartilhamento da infra-estrutura já instalada para possibilitar a concorrência na telefonia fixa, nem a interconexão nem o compartilhamento da infra-estrutura (especialmente a da chamada "última milha") foram implementados de maneira satisfatória.

  1. Interconexão

    Consiste a interconexão na ligação entre redes de telecomunicações funcionalmente compatíveis, de modo que os usuários de serviços de uma das redes se comuniquem com usuários de serviços de outra ou que acessem serviços nela disponíveis. E essencial a interconectividade entre as redes dos diferentes prestadores de serviços, sobretudo para as empresas que estão entrando no mercado, visto que têm pouca possibilidade de êxito se não houver comunicação entre seus usuários e os usuários das outras prestadoras de telefonia fixa ou móvel. O acesso...

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