Tempo Messianico e Historicidade Revolucionaria em Walter Benjamin /Messianic Time and Revolutionary Historicity in Walter Benjamin.

AutorLöwy, Michael

Estamos habituados a classificar as diferentes filosofias da história segundo seu caráter progressista ou conservador, revolucionário ou nostálgico do passado. Walter Benjamin escapa a essas classificações. É um crítico revolucionário da filosofia do progresso, um adversário marxista do progressismo, um nostálgico do passado que sonha com o porvir, um romântico partidário do materialismo. Ele é, em todo o sentido da palavra, inclassificável. Theodor W. Adorno o definia com razão como um pensador "distante de todas as correntes" (1).

A obra de Walter Benjamin deve ser compreendida no seu contexto sóciohistórico e cultural: a cultura judaica na Europa central, isto é, na Mitteleuropa de língua e cultura alemã (Alemanha e o antigo império austro-húngaro), no coração de um momento histórico particular, os anos revolucionários 1905-1923 e o período que se segue. Na obra de alguns dos maiores pensadores judeus da Europa central a esta época (Gershom Scholem, Walter Benjamin, Ernst Bloch, Erich Fromm, entre outros), vê-se formar, a partir de uma referência originária à cultura romântica alemã, um vínculo de afinidade eletiva entre a tradição messiânica e as utopias revolucionárias. Não se trata somente de uma analogia estrutural entre alguns aspectos das duas formas culturais (por exemplo, entre a dimensão apocalíptica do tempo messiânico e a do tempo revolucionário, ambos se referindo a uma diferenciação qualitativa do tempo), mas de uma relação ativa de seleção recíproca, reforço mútuo, simbiose ou mesmo fusão. Essa corrente do pensamento judaico-alemão tenta pensar a historicidade em ruptura com os paradigmas dominantes: a ideologia do progresso inevitável, o evolucionismo, a visão linear do tempo histórico. Pode-se distinguir nesse conjunto geracional, nascido no fim do século 19, dois polos: o polo judeu/religioso, de tendência anarquizante (Martin Buber, Gershom Scholem, Franz Rosenzweig, o jovem Leo Lowenthal), e o polo judeu assimilado, ateu religioso, de tendência anarquista (Gustav Landauer, Franz Kafka, o jovem Georg Lukács, Ernst Bloch, Erich Fromm--os últimos três se convertem ao marxismo posteriormente).

Por sua sensibilidade libertária, essa corrente de pensamento se situa nas antípodas da religião política do Estado-Nação que deixou sua marca na história do século 20: duas guerras mundiais e a generalização dos Estados de exceção totalitários. Além disso, seu messianismo utópico se distingue pelo seu caráter estritamente impessoal: é a era messiânica do porvir que a interessa e não a pessoa do Messias. Nada é mais distante de sua abordagem espiritual e política que o culto religioso de um salvador carismático, de um profeta ou de um herói milenar (2).

O messianismo é o tema que concentra todos os aspectos Sturm und Drang (3) da religião judaica (na condição de desvencilhá-lo da interpretação liberal, neo-kantiana e iluminista: messianismo é igual ao aperfeiçoamento progressivo da humanidade) para restabelecer, dentro de toda a sua força escatológica, a tradição originária, dos profetas à Cabala e da Bíblia ao profeta messiânico do século 17, Sabatai Tzvi. Não é, portanto, surpreendente que a referência messiânica, na sua dupla significação restaurativa e utópica, torna-se o Schibboleth (senha) desta geração romântica judaica. É evidente, além disso, que esse messianismo judaico acusado de explosividade romântica é, de outro modo, mais suscetível de reativação política que o messianismo rabino, quietista ou abstencionista dos círculos ortodoxos.

Como essa reativação opera? Como explicar a adesão de uma fração considerável desta geração às utopias sociais? Tentando compreender as razões de adesão dos judeus ao socialismo, Walter Lacqueur escreve em seu livro sobre a república de Weimar:

"Se eles foram atraídos pela esquerda, é porque ela foi a parte da razão, do progresso e da liberdade, e porque ela os ajudara a conquistar a igualdade. A direita, por outro lado, era mais ou menos anti-semita, considerando-os como um elemento estranho ao corpo político. Essa atitude que constituíra um componente fundamental da vida política ao longo do século 19, não mudará durante o primeiro terço do século 20" (4). Essa análise é certamente pertinente, e ela permite compreender (ao menos em determinada medida) a integração de muitos judeus à social-democracia na Alemanha e, mais ainda, na Áustria. Em contrapartida, ela não explica a radicalização da geração judaica romântica, que desconfia do racionalismo, do progresso industrial e do liberalismo político, e que será atraída pela utopia libertária (ou pelo comunismo), e não pela social-democracia.

No contexto particular do judaísmo da Europa central, uma complexa rede de relações (das afinidades eletivas, para recuperar um conceito utilizado na sociologia das religiões de Max Weber) é tecida entre romantismo, renascimento religioso judeu, messianismo, revolta cultural antiburguesa e antiestatista, utopia revolucionária, socialismo e anarquismo. É sobre este terreno político-cultural que vão se desenvolver tentativas messiânicas ou revolucionárias de pensar a historicidade, cuja a mais completa e a mais singular é, sem dúvida, a de Walter Benjamin, que não se situa em nenhum dos dois polos descritos acima, mas em um espaço sui generis, no cruzamento de todos os caminhos.

  1. Os primeiros escritos de Benjamin

    Nascido em uma família judaica burguesa de Berlim, Walter Benjamin (1892-1940) não consegue, apesar de sua tese de doutorado (sobre a crítica da arte no romantismo alemão) e sua tese de habilitação (sobre o drama barroco alemão), fazer uma carreira acadêmica. Amigo próximo de Gershom Scholem (com quem compartilha o interesse pela teologia judaica) e, mais tarde, de Bertolt Brecht, ele descobre o marxismo em 1924, graças à leitura de História e Consciência de Classe (1923) de Georg Lukács (5) e aos argumentos sedutores da comunista letã (soviética) Asja Lacis, por quem se apaixona em Capri. Obrigado a se exilar na França depois da tomada do poder pelos nazistas na Alemanha, ele só subsiste graças a uma modesta ajuda do Instituto de Pesquisas Sociais de Frankfurt (Theodor W. Adorno, Max Horkheimer), exilado em Nova York. Depois da ocupação da França pelas tropas do Terceiro Reich, ele tenta escapar da polícia de Vichy atravessando os Pirineus; detido em Port Bou pelos guardas de Franco, ele se suicida em agosto de 1940 (6).

    Walter Benjamin ocupa um lugar singular na história do pensamento crítico moderno: ele é o primeiro partidário do materialismo histórico a romper radicalmente com a ideologia do progresso linear. Esta particularidade não é sem relação com sua capacidade de integrar os elementos da Zivilisationskritik (crítica da civilização) romântica e do messianismo judaico no seio da teoria crítica.

    Por sua crítica radical da civilização burguesa moderna, por sua desconstrução da ideologia do progresso (a Grande Narrativa dos tempos modernos, comum aos liberais bem como aos socialistas), os escritos de Benjamin parecem um bloco errático à margem das principais correntes da cultura moderna. Esta crítica romântica da civilização capitalista é, com o messianismo judaico, e mais tarde, o marxismo, um dos principais vetores de seu pensamento, ou melhor, um dos materiais com os quais ele constrói uma reflexão original e irredutivelmente singular sobre a história e, em particular, sobre a historicidade revolucionária, isto é, sobre a temporalidade histórica qualitativa, própria dos eventos revolucionários.

    Um dos primeiros escritos de Walter Benjamin, sua conferência sobre "A Vida dos Estudantes" (1915), é um documento fundamental, que parece reunir em um só feixe de luz muitas das ideias que vão persegui-lo durante sua vida (7). Segundo Benjamin, as verdadeiras questões que se colocam para a sociedade não são "problemas técnicos limitados de caráter científico, mas questões metafísicas de Platão e Spinoza, dos românticos e de Nietzsche" (8). Dentre essas questões "metafísicas", a da temporalidade histórica é essencial. As observações que abrem o ensaio contém um início surpreendente da sua filosofia messiânica e revolucionária da história:

    "Confiante na infinitude do tempo, uma certa concepção da história distingue apenas o ritmo mais ou menos rápido conforme o qual homens e épocas avançam no caminho do progresso. Daí o caráter incoerente, impreciso, sem rigor, da exigência endereçada ao presente. Aqui, pelo contrário, como sempre fizeram os pensadores ao apresentarem imagens utópicas, consideraremos a história à luz de uma situação determinada que a resume como em um ponto focal. Os elementos da situação final não se apresentam como tendência progressista disforme, mas, como criações e ideias em grande perigo, altamente depreciadas e ridicularizadas, profundamente ancoradas em todo presente. [...] Esta situação [...] só é apreensível em sua estrutura metafísica, como o reino messiânico ou como a ideia revolucionária francesa [franzözische Revolutionsidee] (9)(*)". As imagens utópicas (messiânicas e revolucionárias) contra a "tendência progressista disforme" que confia na infinitude do tempo: aqui estão colocados, resumidamente, os termos do debate que Benjamin vai perseguir ao longo de sua vida. Em 1915, Benjamin ainda não tinha descoberto o marxismo e sua ideia da revolução é mais próxima do anarquismo: aliás, nesse mesmo texto, ele presta homenagem "às concepções dos anarquistas mais profundos" (10).

    Pouco tempo depois, ele redige o fragmento "Trauerspiel et tragedie" (1916), uma das primeiras formulações de sua crítica teológica do tempo mecânico e, como tal, um dos fundamentos filosóficos de sua rejeição às ideologias do progresso. Segundo Benjamin, "o tempo da história é outro que aquele da mecânica" (11). O "tempo mecânico", ou seja, aquele que mede espacialmente o movimento dos ponteiros do relógio, é uma "forma relativamente vazia", a qual se opõe radicalmente o tempo histórico, "preenchido".

    Na Bíblia, "esta ideia do tempo preenchido se chama...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT