A teoria contratual relacional

Páginas11-61
1
A TEORIA CONTRATUAL
RELACIONAL
1.1 Escorço histórico
A primeira tarefa para entender os contratos relacionais na dimensão
comportamental ou, melhor, o conceito relacional a partir do qual se estabe-
lece uma visão do contrato para além do paradigma clássico ou neoclássico,
é entender que se trata da troca de produto da especialização do trabalho. A
troca ocorrerá sempre quando exista especialização21.
Em segundo lugar, trocas instantâneas podem ter apenas função limitada
em qualquer economia, sem importar o quanto orientado pelo mercado seja
aquele sistema econômico em si considerado. Tal função refere-se à transfe-
rência de controle do capital e trabalho, ou seja, bens e serviços, entre entida-
des independentes.
Por isso, há que se reconhecer relativa raridade em tais relações se e quan-
do comparadas ao padrão relacional de trocas porque as trocas relacionais,
além de servirem à função de transferência de controle, estão intimamente
ligadas a todos os aspectos da produção física de bens e serviços22.
21 MACNEIL, Ia n R. Relational cont ract: what we do and do not know. Wiscon sin Law
Review, v. 483, 1985. p. 487.
22 MACNEIL, Ian R . Relational contract: what we do a nd do not know, cit., p. 487-488.
BOOK_BoaFeObjetiva.indb 11 18/07/19 15:57
12
RENATO RODRIGUES COSTA GALVANO
Já para se compreender a dimensão do direito posto, que interage com o
aludido aspecto comportamental, Ian R. Macneil atem-se a dois períodos es-
pecialmente recortados no tempo: (i) do ano de 1865 a 1933; e (ii) do ano de
1933 em diante. No primeiro desses períodos, os Estados Unidos da América
eram dominados pelos contratos relacionais, em que pese as trocas discretas
serem lugar comum, exercendo, pois, muita inuência sobre a sociedade em
variados aspectos23.
A propriedade, pré-requisito para que trocas instantâneas possam ocorrer,
foi o fundamento legal, seguido pela liberdade, durante todo o período dentro
do qual foi concebida a venda do trabalho. Havia um forte direito sobre o qual
se construíram regras a respeito de vendas e trocas, notadamente, o princípio
da liberdade contratual24.
Ao mesmo tempo, a legislação comportava as trocas relacionais, as quais
permeavam as relações de emprego e as próprias corporações, que traduzem
contratos relacionais por natureza. Por seu turno, dentro do período que vai de
1933 até os dias mais atuais, o crescente intervencionismo estatal em quase to-
das as áreas socioeconômicas provocou, basicamente, dois efeitos no cenário a
ser estampado: (i) fez diminuir o grau de instantaneidade em todas as relações
pela introdução do elemento relacional regulatório; e (ii) mudou o conteú-
do substantivo e procedimental das relações contratuais. Aqui, ora fazendo-as
mais relacionais; ora mais instantâneas25.
Portanto, vê-se que o direito contratual relacional não surgiu a partir do
nada nos últimos 50 ou 60 anos. A intervenção estatal, a partir de 1933, ex-
pandiu o caráter relacional para outros tipos contratuais antes dominados por
relações instantâneas26.
Em termos acadêmicos, o direito contratual relacional, tampouco, tra-
ta-se de novidade. Para aprofundarmo-nos no assunto, podemos, didática e
taxonomicamente, dividir as relações contratuais em cinco categorias como
ferramenta útil para o conhecimento dos contratos relacionais: (i) promessa;
23 MACNEIL, Ian R . Relational contract: what we do a nd do not know, cit., p. 491.
24 MACNEIL, Ian R . Relational contract: what we do a nd do not know, cit., p. 491.
25 MACNEIL, Ian R . Relational contract: what we do and do not k now, cit., p. 492-493. Ver
também: MACNEI L, Ian R. Bureaucracy, America, t he legal profession, and community.
Northwestern Univer sity Law Review (forthcomi ng), n. 79, 1985.
26 MACNEIL, Ian R . Relational contract: what we do a nd do not know, cit., p. 493.
BOOK_BoaFeObjetiva.indb 12 18/07/19 15:57
13
A TEORIA CONTRATUAL RELACIONAL
(ii) estudos empíricos; (iii) histórica; (iv) princípios críticos; (v) princípios re-
lacionais não radicais27.
Sob uma análise econômica dos contratos, podem-se distinguir dois cami-
nhos, sendo que, em um deles, destaca-se trabalho de Coase sobre a barganha,
em que se construíram modelos de comportamentos sob condições de baixos
custos de transação para examinar-se a inuência de diferentes normas em
ambientes nos quais as partes podem alocar todos os riscos relevantes no mo-
mento da contratação28.
No outro caminho, trata-se das teorias dos custos de transação, que, ba-
sicamente, concentraram-se em desenvolver métodos de reduzir os custos de
transação nas relações contratuais complexas. Tais teorias partem do pressu-
posto de que incerteza e complexidade obstacularizam as partes a que possam
alocar todos os riscos relevantes no momento da contratação29.
A análise contratual sob o prisma das teorias dos custos de transação serve
muito à própria análise dos contratos relacionais, segundo Ian R. Macneil, que
cita o autor Oliver Williamson, entre outros, como um dos grandes respon-
sáveis por empregar o intercâmbio das ideias microeconômicas dos custos de
transação com aquelas da teoria dos contratos relacionais30.
A escola que estuda os contratos enxergando o elemento promissório como
centro das atenções não deixa de reconhecer os elementos não promissórios
como presentes e importantes, mas relega-os à acessoriedade. Apesar disso,
vem reconhecendo gradativamente os elementos relacionais dos contratos31.
Prova disso foram publicações, como a de Lon Fuller: e Reliance Interest
in Contract Damages32. Esse desenvolvimento nunca cessou desde a década de
1920. Em período posterior à Segunda Guerra Mundial, tratou-se dos aspectos
relacionais do artigo 2º do UCC (Código Comercial Uniforme).
27 MACNEIL, Ian R . Relational contract: what we do a nd do not know, cit., p. 495.
28 GOETZ, Charles J.; SC OTT, Robert E. e mitigation principle: towa rd a general theory of
contractu al obligation. Law Review, Virginia, v. 69, n. 6, p. 967-1024, 1983. p. 967-968.
29 GOETZ, Charles J.; SC OTT, Robert E. e mitigation principle: towa rd a general theory of
contractua l obligation, cit., p. 969.
30 MACNEIL, Ian R . Relational contract: what we do a nd do not know, cit., p. 496.
31 MACNEIL, Ia n R. Relational contract: w hat we do and do not know, cit., p. 497.
32 FULLER, L . L.; PERDUE Jr., Will iam R. e relia nce interest in contrac t damages. Ya le
Law Journal, n. 46, p. 52-96, 1936.
BOOK_BoaFeObjetiva.indb 13 18/07/19 15:57

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT