Teoria do ato administrativo nos trinta anos da Constituição de 1988: o que mudou?

AutorRicardo Marcondes Martins
CargoProfessor de Direito Administrativo da Faculdade de Direito da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (São Paulo-SP, Brasil)
Páginas449-477
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Teoria do ato administrativo nos trinta anos da
Constituição de 1988: o que mudou?
The doctrine of the administrative act throughout the thirty years
of the Brazilian Constitution of 1988: what has changed?
RICARDO MARCONDES MARTINS I, *
I Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (Brasil)
ricmarconde@uol.com.br
https://orcid.org/0000-0002-4161-9390
Recebido/Received: 02.10.2018 / October 2nd, 2018
Aprovado/Approved: 05.08.2019 / August 5th, 2019
Resumo
Apresentam-se neste estudo as principais modicações
que a teoria do ato administrativo sofreu desde a promul-
gação da Constituição de 1988. Se, em 1988, já se encon-
trava na doutrina quem sustentasse a teoria dos três
planos e, pois, a possibilidade de modicação do ato, era
praticamente pacíco o apego ao legalismo. Os avanços
decorrentes do neoconstitucionalismo importaram
numa radical reformulação da teoria. Tornaram-se excep-
cionalmente possíveis atos administrativos praeter legem
e contra legem. A ponderação passou a ser fundamen-
tal, tanto para a edição do ato, como para identicação
dos vícios e para sua correção. Além de uma profunda
reformulação das teorias da extinção e da modicação,
os avanços cientícos importaram no sepultamento dos
atos da Administração e dos atos políticos.
Palavras-chave: ato administrativo; neoconstituciona-
lismo; discricionariedade; decisão administrativa; invali-
dação do ato administrativo.
Abstract
This study presents the major changes undergone by the
administrative act since the enactment of the Constitution
of 1988. If, back in 1988, some jurists already sustained the
three-tier doctrine, and, accordingly, the possibility to chan-
ge the act, the commitment with legalism was virtually
settled. The advances introduced by the so-called neo-
constitutionalism gave rise to a radical reformulation of the
doctrine. Consequently, praeter legem and contra legem
administrative acts became a possibility, albeit by way of
exception. Weighing the act became a must, both before its
issuance and so as to allow for identication of any defects
in it and for cure thereof. Aside from profoundly reformula-
ting the doctrine of cessation and of modication, scientic
advances caused the death of both Administration acts and
political acts.
Keywords: administrative act; neo-constitutionalism; dis-
cretion; administrative decision; invalidation of adminis-
trative act.
Como citar esse artigo/How to cite this article: MARTINS, Ricardo Marcondes. Teoria do ato administrativo nos trinta anos da
Constituição de 1988: o que mudou? Revista de Investigações Constitucionais, Curitiba, vol. 6, n. 2, p. 449-477, maio/ago.
2019. DOI: 10.5380/rinc.v6i2.61986.
* Professor de Direito Administrativo da Faculdade de Direito da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (São Paulo-SP,
Brasil). Doutor em Direito Administrativo pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (São Paulo-SP, Brasil). E-mail: ri-
cmarconde@uol.com.br.
Revista de Investigações Constitucionais
ISSN 2359-5639
DOI: 10.5380/rinc.v6i2.61986
Rev. Investig. Const., Curitiba, vol. 6, n. 2, p. 449-477, maio/ago. 2019. 449
RICARDO MARCONDES MARTINS
Rev. Investig. Const., Curitiba, vol. 6, n. 2, p. 449-477, maio/ago. 2019.
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SUMÁRIO
1. Introdução; 2. A teoria do ato administrativo em outubro de 1988; 3. Revisão neoconstitucional do
ato administrativo; 4. Procedimento de decisão administrativa e pressupostos de regularidade; 5. Re-
visão do “ato discricionário”; 6. Correção do ato administrativo inválido; 7. O mito da administração
concertada; 8. O sepultamento dos atos da Administração; 9. O sepultamento dos atos políticos ou de
governo; 10. Conclusões; 11. Referências.
1. INTRODUÇÃO
Desde a promulgação da Constituição brasileira vigente, que ocorrera em
05.10.1988, até a data da elaboração deste estudo passaram-se quase trinta anos. Pre-
tende-se aqui examinar, em linhas gerais, as principais alterações que a teoria do ato
administrativo sofrera durante esse período. Há, basicamente, dois tipos de conceitos
jurídicos: os jurídico-positivos, que dependem do direito positivado, e os lógico-jurídi-
cos, que independem da positivação e, por isso, podem ser universalizados1. A teoria
do ato administrativo envolve conceitos lógico-jurídicos, como o conceito de norma
jurídica, existência, validade e ecácia, e jurídico-positivos, como a inafastável submis-
são ao controle jurisdicional. Sem embargo, a teoria do direito, ao contrário da loso-
a do direito, é instrumental do direito positivo, presta-se a compreendê-lo2. Por força
disso, não se toma como base para este estudo uma pretensa teoria universal do ato
administrativo, nem uma teoria do ato administrativo formulada à luz de ordenamen-
tos estrangeiros, como a francesa, italiana, espanhola, portuguesa ou alemã. A teoria do
ato administrativo, objeto deste estudo, é a teoria brasileira, tal qual foi elaborada, nas
últimas décadas, pela doutrina brasileira, tendo em vista o direito positivo brasileiro.
Dito isso, retoma-se: o que mudou, nos últimos trinta anos?
As mudanças foram bastante signicativas. Na verdade, houve uma profunda
modicação da compreensão do próprio fenômeno jurídico e, mais especicamente,
do constitucionalismo. Atualmente, muitos falam em neoconstitucionalismo, tendo em
vista a profunda revisão que o constitucionalismo sofrera. A teoria do ato administra-
tivo mudou por força da mudança do constitucionalismo e da compreensão da aplica-
ção do Direito.
Este estudo tem uma preocupação, de início, prioritariamente descritiva. Apre-
sentar, de modo mais didático e direto possível, as principais mudanças que a teoria
sofreu. Possui, porém, uma importância especial. A doutrina brasileira, quando da pro-
mulgação da Constituição, dava especial atenção à teoria do ato. De lá para cá, boa
parte dos administrativistas preocupou-se com questões mais “práticas3, gerando um
1 Cf. MANUEL TERÁN, Juan. Filosofía del derecho. 19. ed. México: Porrúa, 2007, p. 81-83.
2 Cf. MARTINS, Ricardo Marcondes. Teoria jurídica da liberdade. São Paulo: Contracorrente, 2015, p. 15.
3 Essa visão “prática” é didaticamente exposta por RIBEIRO, Leonardo Coelho. O direito administrativo
como “caixa de ferramentas”. São Paulo: Malheiros, 2016.

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