Teoria geral dos contratos

AutorJosé Fiker
Páginas133-149

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Conceito

Os contratos são negócios jurídicos bilaterais: todos visam a congraçar duas vontades, vindas cada uma de sua oposição de interesses.

O contrato não é o único negócio jurídico bilateral: o casamento também o é. No momento de sua formação é bilateral. Depois de formado, pode transformar-se em unilateral. Esta última situação nada tem a ver com a fase pré-formativa.

As duas pessoas envolvidas no contrato têm obrigações: o vendedor tem de vender e o comprador tem de comprar. Um contrato de doação pura e simples começa como bilateral. Já configurado como contrato, transforma-se em unilateral, já que o donatário não tem nenhuma obrigação: só o doador tem.

Se todo contrato é bilateral, como conceber a ideia de alguém contratar consigo mesmo? Na sua formação, ele não deixa de ser bilateral, por envolver duas partes. E chamado contrato consigo mesmo ou autocontrato, por falta de uma nomenclatura específica. Ex.: alguém, como mandatário do proprietário da coisa a ser alienada, interessa-se por ela e resolve adquiri-la. Aparece nos dois pólos: como vendedor e como comprador.

À guisa de um conceito de contrato:

“Contrato é o acordo de vontades para o fato de adquirir, resguardar, modificar ou extinguir direitos” – Clóvis Beviláqua.

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“É o ato jurídico, por força do qual duas ou mais pessoas convencionam entre si a modificação, extinção ou criação de um vínculo jurídico” – Rubens Limongi.

Em praticamente todos os contratos há oposição precípua dos contratantes. Compra e venda: receber o preço; locação: ceder em locação x receber em locação. Os interesses antagônicos caminham para um consenso. Nem todos os contratos são assim: o contrato de sociedade não o é; interesses caminham em paralelo.

A intervenção do Estado no mundo dos negócios vem de algum tempo. Essa participação do Estado vem paulatinamente se acentuando mais, porque o mundo vai-se tornando cada vez mais complicado. Em país do tipo do nosso, as diferenças econômicas são bastante diferenciadas. O Estado estará procurando assegurar os interesses dos frágeis na negociação. Há normas cogentes contra as quais não se podem insurgir os contratantes, sob pena de praticar atos jurídicos nulos.

A função social do contrato abre um campo doutrinário interessante. Isso é perfeitamente cabível, porque propriedade e contrato são parentes. Estudar a função social da propriedade implica também estudar a função social do instituto do contrato.

O objetivo, a exemplo do Código de Napoleão, é proteger o economicamente mais frágil dos malefícios de entrelinhas que precisam ser escondidos no mundo negocial. Caberia um escrito só sobre a teoria social dos contratos, mas não é o escopo desse trabalho, que tem cunho mais prático.

Examinemos, à guisa de exemplo, o contrato de locação. Essa lei do inquilinato é totalmente conformada por leis de ordem pública. Locador e locatário estão submetidos às normas de ordem pública. O contrato de arrendamento rural tem prazos impostos pela lei, e essa lei é norma de ordem pública.

Elementos constitutivos do contrato

O contrato, como ato jurídico que é, está sempre a reclamar elementos constitutivos para sua existência. Falando nesses

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requisitos, a lei considera alguns dos mencionados; outros são acrescentados.

Existência de duas ou mais partes

Capacidade das partes

Consentimento recíproco

Objeto lícito

Forma prescrita em lei.

1º Existência de duas ou mais partes. Dois polos de interesse, via de regra convergentes, à exceção de sociedade. Dois ou mais polos emanadores de vontades que, acertadas, gerarão o consenso para formar negócios consensuais ou reais. Quando se diz parte, se diz contratante.

2º Capacidade de contratantes e legitimação. Capacidade para estar na parte civil é a aptidão legal que tem a pessoa de adquirir e exercer direitos e obrigações. As pessoas adquirem direitos, mas nem todos podem exercê-los. É o caso dos menores, que precisam ser representados por titulares do pátrio poder. Capacidade de direito é capacidade para adquirir direitos. Capacidade de fato é a capacidade para exercer direitos. No mundo negocial, art. 166, inciso I, do Código Civil, é nulo o ato jurídico praticado pelo absolutamente incapaz: menores de 16 anos, loucos de todo o gênero, surdos-mudos, ausentes. Art. 171 do Código Civil: é anulável o ato jurídico por incapacidade relativa do agente (maiores de 16 anos e menores de 18 anos, pródigos, silvícolas).

3º Consentimentorecíproco.Este é o elemento constitutivo mais importante do contrato. Tem por essência a vontade humana demonstrada através de declaração de vontade. Tem de se compor mediante consenso: consentimento expresso, tácito ou o silêncio. O expresso revela-se por escrito, oralmente ou por sinais (externa-

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mente). Exemplo de consentimento expresso por sinal externamente é o assentimento em leilão. O consentimento tácito é difícil de observar para o estudioso em direito, porque os autores não falam muito sobre esse assunto. Os doutrinadores dizem, art. 107 do Código Civil, que há consentimento tácito quando, de certas atitudes da parte, se deflui o consentimento. O mundo negocial de hoje quase não tem mais a modalidade de consentimento tácito. Talvez ainda se possam encontrar sinais pela repetição, usos, costumes, etc. É o caso, por exemplo, de quando telefonamos para hotéis, pedindo reserva de apartamentos; se o hoteleiro não der resposta negativa, o consentimento tácito estará concedido. Não se pode afirmar isso com certeza. O silêncio como manifestação válida de consentimento pode ser considerado tácito? Achamos que não, pois o consentimento tácito é comissivo, e não omissivo. O silêncio é omissivo. A manifestação tácita implica fatos e atos. Acompanham nossa interpretação Santiago Dantas, Vicente Ráo e Junqueira de Azevedo.

No Direito Civil, quem cala nada diz. Esta é a regra em Direito Civil. Propor a venda de um copo d’água, por exemplo. Se a resposta for o silêncio, não se pode concluir a aceitação. Excepcionalmente, juntado por circunstâncias advindas da lei, mas derivada de estipulação negocial ou pelos usos e costumes, o silêncio pode ser admitido como manifestação positiva de vontade. Exemplo: pelos arts. 538 e 539 do Código Civil (Contrato de Doação), quando uma pessoa promove doação pura e simples a outra, ela poderá estipular um prazo para o donatário dizer se aceita. No silêncio do donatário, presume-se que ele aceitou.

Recebemos uma imensidão de correspondência, como cortesia, para apreciação. Se não quisermos assinar a revista, a editora pede para manifestarmo-nos sobre sua não-aceitação. Não podemos responder a todas essas ofertas. Nós silenciamos. Imaginemos se nosso silêncio fosse interpretado como declaração positiva de vontade. É um perigo com muita facilidade empurrado fora, pois o Código

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Civil é claro: o silêncio, para valer como manifestação positiva de vontade, tem de estar atrelado à lei ou aos usos e costumes:

“Art. 107. A validade da declaração de vontade não dependerá de forma especial senão quando a lei expressamente exigir”.

“Art. 432. Se o negócio for daqueles em que não se costuma a aceitação expressa, ou o proponente a tiver dispensado, reputar-se-á concluído o contrato, não chegando a tempo a recusa.”

4º Objetolícito.Art. 104 do Código Civil. Mais do que lícito, o objeto do contrato deve ser possível e suscetível de apreciação econômica. O objeto há que ser lícito, porque, se for ilícito, toda a estrutura contratual estará desmanchada. Contratos cujos objetos sejam ilícitos: compra e venda de entorpecentes. Além de lícito deve ser possível, física e juridicamente. A impossibilidade física dá-se quando esse objeto é irrealizável por contrariar leis da natureza ou ultrapassa forças humanas, ou é irrealizável sua existência: trazer o oceano para o Mato Grosso, viagem ao centro da Terra, trazer um animal pré-histórico vivo. Impossibilidade jurídica pelo direito: art. 426 do Código Civil: não podemos contratar herança de pessoa viva; art. 1.711 do Código Civil: não se pode penhorar bem de família. Deve ser apreciável economicamente: Washington de Barros Monteiro; não se pode contratar venda e compra de um só grão de café, por ser irrisório.

5º Forma....

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