Testamento vital e o direito à morte digna

AutorSamantha Khoury Crepaldi Dufner/Joana Cristina Aguiar da Silva
CargoProfessora, Mestre Em Direitos Humanos Fundamentais/Advogada
Páginas40-55
40 REVISTA BONIJURIS I ANO 34 I EDIÇÃO 675 I ABR/MAIO 2022
CAPA
Samantha Khoury Crepaldi DufnerPROFESSORA, MESTRE EM DIREITOS HUMANOS
FUNDAMENTAIS
Joana Cristina Aguiar da SilvaADVOGADA
TESTAMENTO VITAL E O
DIREITO À MORTE DIGNA
O direito à vida, ainda que fundamental, pode ser relativizado por
meiode autonomia da vontade manifesta, desde que não invada
proibição da lei
Avida como direito
fundamental não ab-
soluto pode sofrer
exibilizações quan-
do distanciada de seu
aspecto sacramental e ligada
ao conceito de qualidade. Isso
porque, com o avanço tecno-
lógico, muitos recursos e me-
dicamentos são oferecidos no
tratamento da doença, pos-
tergando, indefi nidamente, o
momento da morte. Por vezes,
tal ideia pode vir associada à
obstinação terapêutica (dista-
násia), praxe não recomenda-
da pelo Código de Ética Médica
(). De fato, o direito à vida é
atrelado ao princípio da digni-
dade para proporcionar, à pes-
soa, vida com qualidade.
Primordialmente, abordare-
mos o direito de morrer com
dignidade como direito subje-
tivo da pessoa no último está-
gio de vida digna. A morte será
analisada por várias vertentes.
Nas práticas proibidas, discor-
reremos a respeito da eutaná-
sia ativa, vista como homicídio
privilegiado, praticado sob for-
te emoção e para ajudar a víti-
ma, e também sobre o suicídio
assistido, criminalizado no art.
122 do Código Penal – o qual
impede qualquer auxílio –, e à
luz do direito comparado, pois
é necessária a refl exão crítica
sobre a temática.
Na sequência, veremos a
boa morte pela eutanásia pas-
siva ou ortotanásia, autoriza-
da no art. 15 do Código Civil
e em resoluções do Conselho
Federal de Medicina () e
normas do Código de Ética
Médica (Resolução 2.217/18 do
), traçada como direito da
personalidade do agente capaz
e lúcido, que, a todo momento
de vida, formulará contornos
e proibições de tratamentos,
procedimentos e medicamen-
tos para eventual ocasião de
inconsciência. O testamento
vital é o instrumento de garan-
tia do exercício de autonomia
da vontade antes da morte, e
como negócio jurídico unilate-
ral será analisado quanto à for-
ma, ao conteúdo e aos efeitos,
considerando a lacuna da lei e
as normas deontológicas, sem
esquecer a fi gura do médico.
Como objeto central do tra-
balho, encontram-se os bens
da personalidade, vida e saúde,
assim como o direito à morte,
fundados na dignidade hu-
mana, e, em contraponto, o
aparente confl ito e a harmo-
nização desses direitos à livre
Samantha Crepaldi Dufner, Joana Aguiar da Silva CAPA
41
REVISTA BONIJURIS I ANO 34 I EDIÇÃO 675 I ABR/MAIO 2022
manifestação de vontade do
paciente que optar pela orto-
tanásia humanizada, via testa-
mento vital ou outras diretivas
antecipadas. Como elementos
dessa problemática, constam
a ética médica, o juramento de
salvar vidas e a observância
pelo médico do instrumento
da vontade do paciente, tudo
com o fi m de propor soluções
de compatibilidade entre as
obrigações e direitos envolvi-
dos.
1. O DIREITO DE MORRER
COM DIGNIDADE
A morte é procrastinada no
pensamento coletivo, e tal
ideia não conduz à imortalida-
de. O ser humano almeja uma
vida de qualidade, buscando
os caminhos da própria feli-
cidade, conceito alinhado ao
de vida digna. A dignidade da
pessoa implica haver gozo de
bens materiais e imateriais
que lhe garantam o mínimo
existencial – em uma acepção
máxima de bens que possa
usufruir – de acordo com o art.
1º, , da /88. De conteúdo
polissêmico, a dignidade é ex-
teriorizada individualmente, e
sem padrões no cotidiano, vis-
ta na autodeterminação, nas
liberdades, nos valores morais
e espirituais próprios da essên-
cia de cada ser.
No imperativo categórico
kantiano, a dignidade equiva-
le a afi rmar que “toda pessoa
é um fi m em si mesma” (K,
2004, p. 68). Nesse sentido,
todo o ordenamento jurídico
deve voltar-se à pessoa como
centro e destinatário da nor-
ma, e sua dignidade compõe o
centro axiológico. Em sendo a
vida direito fundamental pro-
tegido desde a concepção (art.
5º,  c/c art. 2º, ), amparados
também estão os direitos cor-
relatos, como saúde (art. 6º, ).
De outro lado, são processos
inevitáveis, o envelhecimento
e a fi nitude, às vezes permea-
dos por doenças terminais e
dores no momento do passa-
mento, situação agravada em
pacientes terminais. A pro-
blemática que apresentamos
repousa em um aparente con-
ito de interesses entre a ideia
de sacralidade da vida, a ser
defendida sem fl exibilizações,
e a ideia de vida com qualidade
(vida digna).
Segundo Leocir Pessini
(1990, p. 76):
O conceito qualidade de vida é
interpretado signifi cando que o va-
lor da vida humana é determinado
em parte pela habilidade da pessoa
realizar certos objetivos na vida.
Quando estas habilidades não mais
existem, a obrigação de prolongar
a vida ou continuar o tratamento
não mais existe. Dentro desta chave
de leitura, o ser humano, como ser
vivo, é uma história pessoal cujo
sentido é ele próprio quem dá.
Ao considerarmos que a
ideia sacramental deve distan-
ciar-se do direito, o qual, por
sua vez, ocupa-se da vida com
dignidade como centro gravi-
tacional da hermenêutica ju-
rídica (art. 1º, , ), temos que
o plano de autonomia da vida
privada conduzirá os limites
no ato de morrer, pincelados
por variantes, crenças e deci-
sões para o exercício de morrer
dignamente.
Em outras palavras, o ato de
morrer deve ser compreendido
o-
t.
ados
-
).
sos
o
a-
e
a-
em
o-
amos
on-
ser
exibilizações,
qualidade
sini
é
erminado
oa
vida.
mais
ar
o
e
ser
o
a
-
por
om
i-
ju-
que
vida
es
elados
-
er
o de
eendido

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT